Caminhos Coloniais – Caminho da Graciosa

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A história do Paraná se inicia por misteriosos caminhos na selva que ainda desafiam a imaginação. Texto extraído do livro Caminhos Coloniais da Serra do Mar editado pela Natugraf em 2006, autoria de Julio Cesar Fiori, José Paulo Fagnani e José Carlos Penna Wageck.


O nome “Graciosa” nasceu da majestosa vegetação existente em uma pequena ilha no fundo da baía de Guarapirocaba (Antonina) – por onde passavam os canoeiros vindos do porto de Curitibaíba – designando depois também a própria ilha (Corisco), o rio (Xaxim), a trilha que ali se iniciava e a serra cruzada por ela. Na capital batizou ruas, clubes e condomínios. Enquanto o nome Graciosa subia a serra, outros nomes como Curitibaíba e Quereitiba, todos muito mais antigos que a cidade e intimamente relacionados aos campos do planalto, desciam em direção ao litoral.

As expedições partiam de São Vicente e Cananéia, seguindo o mítico Caminho do Peabirú, através do vale do Ribeira, em missão de preamento ao índio Carijó, atingindo suas cabeceiras na localidade de Borda do Campo, no planalto curitibano. Em seu rastro seguiram faiscadores de ouro e mineradores em busca de riqueza rápida, espalhando-se a seguir por todo o planalto, vasculhando cuidadosamente as nascentes dos inúmeros ribeirões e deixando tênues vestígios à sua passagem. É bastante razoável admitir que encontraram e utilizaram o antigo caminho já existente, pelo qual os índios desciam para mariscar no litoral e retornavam na época do pinhão.

Muito depois, por volta de 1643, o Capitão Povoador Gabriel de Lara partiu de Paranaguá contornando a Ilha Graciosa (do Corisco) e subindo o rio Graciosa (Faisqueira e depois Xaxim) até o limite da maré, na junção com o rio Curitibaíba onde estabeleceu um porto. Penetrando por terra, abriu a picada até a trilha índia, subindo a serra de Jaguarapira (Graciosa), acompanhando o rio Itaupava (Mãe Catira) até o Corvo, nas cabeceiras do rio Taquari. Continuou a noroeste até a saída do mato, onde fundou uma Vila na Borda do Campo (próximo a Bocaiúva do Sul).

O povoado teve duração efêmera e antes de 1653 já havia sido ordenado o seu abandono em virtude do rápido esgotamento dos veios e da crescente importância da povoação de “Ribeiro das Pedras” (embrião de Curitiba) nas margens do ribeirão Yatuba. A vila abandonada recebeu então, o fatídico nome de “Arraial Queimado” e a trilha foi preterida em favor do Caminho de Quereitiba (Itupava), por ser ligação mais curta e rápida entre a nova vila no Atuba e Paranaguá, cruzando sítios economicamente mais expressivos.

Anos mais tarde, com a crescente importância da freguesia de Nossa Senhora do Pilar (Antonina), iniciou-se acirrada disputa política e econômica em torno da reabertura do caminho que ligaria, diretamente e de forma mais suave, a já capital Curitiba ao porto de Antonina, em prejuízo dos poderosos interesses econômicos de Morretes e Paranaguá, concentrados nos caminhos do Mar (Itupava e Arraial). Em 1782 o Guarda-Mór Manoel Gonçalves Guimarães, detentor do monopólio da exploração do transporte fluvial entre Porto de Cima, Morretes e Paranaguá, pelo Contrato das Canoas, consegue da Junta Real de São Paulo o fechamento dos caminhos dos Ambrósios e da Graciosa, sob a alegação de que as cargas que por eles transitavam quebravam seu privilégio e alcançavam portos marítimos sem pagar-lhe tributos.

Por muito tempo esteve conectada ao caminho do Itupava na localidade de Curral Falso,  de onde seguiam juntos até Curitiba. O ramal de Antonina que se iniciava em Porto de Cima, alcançava a trilha da Graciosa na localidade de Figueira de Braço. Em outra ocasião esta trilha fez ligação direta até Castro, passando novamente pelas imediações do antigo “Arraial Queimado”. No Rio São João da Graciosa existiu uma encruzilhada de onde partiam três trilhas, uma para o porto de Curitibaíba, outra para Antonina e a terceira margeava o Rio Mãe Catira até sua junção com o Ipiranga, atravessando-o pelo passo de cima nas proximidades de Porto de Cima.

Reaberta em 1798, deu passagem a 22 pinheiros abatidos no Taquari e embarcados no porto de Curitibaíba, para fabricação de mastros de veleiros em estaleiros na Bahia, a exemplo do que anos antes já se havia feito pelo caminho do arraial. No decorrer do século XVIII, durante a chamada “Guerra dos Portos”, a trilha foi reaberta e novamente fechada muitas vezes conforme o momento político e a conjunção de forças, até a definitiva abertura da estrada da Graciosa em 1872, obedecendo ao traçado inicial do Engenheiro Henrique Beaurepaire Rohan.

A estrada de rodagem se sobrepôs ao centenário caminho em muitos lugares, em outros apenas o cortou, e na descida da serra manteve preservado o calçamento original em alguns trechos. É possível percorrê-lo com poucas interrupções desde o alto da serra, quinhentos metros antes da Vista Eng. Lacerda, à esquerda de quem desce. Percorre apenas 325m e cruza diretamente a estrada para descer outros 390m e novamente cruzar a estrada. Segue à esquerda por 1.380m e cruza os já poluídos ribeiros da Cascata e da Grota Funda. Reencontrando a estrada segue sobreposta a ela outros 1.000m onde entra à esquerda e percorre 670m para reencontrá-la antes do recanto Bela Vista. Reinicia depois da curva fechada com a bica d´água, seguindo à direita por 920m até o recanto da Curva da Ferradura e depois por mais 1.100m para terminar no recanto Mãe Catira, junto ao rio homônimo.

No alto da serra, à direita, antes da vista Eng. Lacerda, existem ainda uns 5.000 metros da primitiva estrada de rodagem, que passa ao lado das ruínas da Casa Garbers e segue até as proximidades do cruzamento com o Rio Taquari.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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