E dentre os muitos lugares existentes no estado, escolho o Parque do Caraça, abrigo do Santuário da Nossa Senhora da Mãe dos Homens cuja existência remonta à segunda metade do século XVIII, quando foi, ali, fundado um eremitério, visando ao fortalecimento da vida religiosa na então capitania. Posteriormente, padres lazaristas, pertencentes à Congregação da Missão, constroem um colégio, famoso pelo seu alto nível de ensino e formação educacional de boa parte da elite do país. Funcionou até 1968 quando um incêndio destruiu boa parte de suas instalações. Posteriormente, a antiga dependência onde alunos e seminaristas cohabitaram foi transformada em hospedaria. Todas as construções, exceto a igreja em estilo neogótico, mantêm-se fiel à arquitetura colonial. Pintadas de branco com janelas e portadas em azul, destacam-se entre o verdor da farta vegetação que recobre as encostas dos morros.
O parque é uma reserva particular do patrimônio nacional cuja área perfaz 11.233 ha. O lugar é especial de bom porque convivem dois importantes ecossistemas: mata atlântica e cerrado. Devido às suas características de zona de transição, a variegada flora e fauna existentes na região atraem não só pesquisadores nacionais como estrangeiros. A serra do Caraça nada mais é do quem um contraforte da única cordilheira brasileira, a Espinhaço, cujo nascedouro ocorre em Ouro Branco, estendendo seus mais de 2.000 km de vales e montanhas até o Ceará. Predominam rochas metamórficas do tipo quartzito. Pois é tudo isso que vou conhecer! Eeebaaa!!
Chego a Belo Horizonte na manhã do dito cujo feriado. No aeroporto, já me esperando, Lili e Marcelo (meus companheiros na expedição ao Neblina, lembram?) mais Vânia, atual namorada do único guri do grupo. Ainda bem que se mistura a esse miniclube de luluzinhas uma boa dose de testosterona pra animar ambiente tão prevalecentemente feminino. Até parece que eu iria conviver só com gurias, bem capaz!! Viiivaaaa o machareeedoooo, mesmo que limitado a um singelo exemplar e ainda por cima comprometido!! E pegamos a movimentada BR 381, com Marcelo desafiando velozmente o seu traçado sinuoso. Chegamos a Santa Bárbara quase na finalera da tarde. Marcelo, um jovem velho, foi pro quarto descansar. Vânia com aquele afã e lealdade típicos de início de relação, seguiu-lhe os passos. Mas capaz que eu e Lili iríamos fazer o mesmo.
Fomos bater perna por essa cidade histórica, pertencente ao circuito do ouro, situada no sopé da serra do Caraça. Por indicação da recepcionista do hotel, jantamos no Uai, restaurante cuja proprietária, Dª Gracinha, faz jus a tão apregoada hospitalidade mineira. A gentil senhora permite, inclusive, que levemos nosso vinho caso jantemos lá no dia seguinte. E sem pagar rolha, tá ligado?!! No dia seguinte, após vencidos os 24 km que nos separam do parque, ei-nos à frente de nosso guia, Toninho, já nos aguardando em frente ao Santuário. Durante a trilha, trato de acrescentar o bem merecido adjetivo bom ao seu nome e assim o Bom Toninho passa a ser tratado dali pra frente por todo o grupo. Pachorrento demais, naquele jeito mineiro de falar sem pressa alguma, se encaixa à perfeição no ditado mineiro se me explicam devagar, entendo rápido. Sugere uma trilha até os picos da Canjerana e do Belvedere, este um contraforte daquele. Ao nosso grupo aderem Marcos e Mônica, um jovem casal de paulistas, super astral.
Quando noto o evidente desembaraço do rapaz, manuseando com destreza a sua Nikkon de modo a focar a lente bem próxima às flores, percebo que curte macrofotografia. Indago se é hobby ou profissão. Esclarece que é diretor de comerciais. Sua esposa, psicóloga, me conta que seu trabalho de conclusão de curso foi sobre as concepções formuladas por uma tribo de índios colombianos sobre as causas da doença mental. Que, esclarece, ela, não difere muito de nossos conceitos, excepto por um: a de que certos doidinhos são o que são porque os dominam maus espíritos. Bueno, pensando bem, o povo do candomblé e os espíritas também partilham dessa opinião, não é mesmo Mônica?
A pernada tem início quando se ultrapassa o alto portão de ferro que separa o terreiro onde fica a Igreja da estradinha de pedras que conduz ao Tanque Grande. Uma placa indica que seu banho é desaconselhável. O Bom Toninho explica que a proibição decorre da diferença de temperaturas entre as águas da superfície, mais tépidas, e as mais profundas, bem mais frias. Sabem o que isso provoca, né que-ri-di-nhos? Cãimbritas nas pernuchas. Só quem tem muita sorte se safa de morrer afogado. No imenso lago, foi construída uma barragem, à época, considerada a segunda hidroelétrica de Minas. Cruzamos o córrego, adentrando uma mata atlântica. Em certos trechos, devido ao pouco trânsito de pessoas (é a trilha mais longa do parque com 24 km), apresenta um emaranhado de finos galhos espinhudos que se enroscam na roupa e nos cabelos. Fixados a um pedaço de tronco, caído no chão, lindos cogumelos alaranjados fazem com que eu estaque. Marcos segue meu exemplo e se põe também a fotografá-los.
Os louquinhos por fotografia são muito engraçados. Rola, até, certa solidariedade entre nós. Eventualmente, um chama a atenção do outro pra alguma exótica espécie de planta ou bicho. Bueno, após uma travessia por uma mata de candeia, zona de transição entre a mata atlântica e o cerrado, entramos nos chamados campos de fora cuja vegetação é típica de campos de altitude, considerando que estamos a mais de 1.300 m acima do nível do mar. O solo até então avermelhado cede lugar a uma areia fininha, esbranquiçada. Do Santuário até aqui, já percorremos 6 km.
No entorno, brotam dez cachus, algumas ainda inexploradas. Muito alecrim dourado, denuncia já a típica vegetação de cerrado. O dia nublado não permite avistar os picos da Canjerana, do Belvedere, do Capivari, da Trindade ou Três Irmãos e tampouco o da Conceição. Merrrdaaaa!!! E pra arrematar, o mal humorado São Pedro – acordou com o pé esquerdo é santinho? – borrifa na paisagem uma chuva fininha. Pra compensar o azedume do guardião do tempo, várias espécies de Melastomataceae, a popular quaresmeira, dão pinta em branco e rosa na trilha. Bambuzinhos mineiros que – reza a lenda – dizem uai, quando o vento vergasta seus caules finos, porém, vigorosos. E muito pepalanto, um tipo de sempre-viva, também encontrada no Parque do Itatiaia. As teias de aranhas, cobertas de gotículas d água, exibem formas geométricas que se assemelham a pedrinhas de brilhantes. É tudo tão fofo na natureza!!
Se tu vier doente pra cá, podes crer, a abundância e variedade de plantas medicinais te cura no ato. E dê-lhe macegas de macela, arnica, arnicão e carqueja pra nenhuma farmácia botar defeito. Aliás, a folha desta última apresenta três lados, num formato 3D trimoderno. À medida que ganhamos altura, surgem, rentes ao solo, minúsculas plantas carnívoras. Pra quem é leigo, mais parecem musgo avermelhado. Lá pelas tantas, ironia das ironias, considerando-se o santo lugar onde o parque se encrava, surge a tal da xoxota de freira, uma flor de coloração lilás. E as canelas de ema, despidas, infelizmente, de suas belas flores roxas, indicam que estamos agora trilhando campos rupestres.
Um pequeno córrego de águas amareladas denuncia a existência de ferro, abundante na região. Begônias brancas e vermelhas balançam suas delicadas pétalas sob ação do ventão que ora sopra. Um campo florido de macela me surpreende com suas flores brancas. Só as conhecia amarelas. E mais macegas de arnica, estas floridas de lilás. Quanto mais alto subimos, ásperas e abruptas formações rochosas afloram, sucedendo-se umas as outras ao longo da trilha . Uma decepção o topo do Canjerana que alcançamos sem dificuldade alguma. Embora tenhamos partido duma altitude de 1.300 m e subido até 1.890 m, o ascenso é bem light.
Digo decepção porque quando se atinge o cume do pico, me deparo com duas construções de cimento. Parecem uns bunkers, qualquer coisa de feios. E ainda por cima…. inacabados! Claro que o tempo não abre a guarda, continuando a se avistar coisa alguma daqui de cima. O nevoeiro não dá trégua mesmo! Pegamos então uma trilha que leva ao Belvedere, cruzando por um campo de ciganinhas, arbusto bem verdinho de onde brota uma delicada flor rosa. A crista que leva ao cume deste pico é bem mais legal. Formada por extensos lajedos rochosos exige um certo cuidado na pisada, considerando que se encontram molhados e resvaladiços em certos trechos.
A vegetação escassa não revela mais que tufos de grama e moitinhas de bromélias. Afinal, além de estarmos pisando nos campos rupestres, a altitude aqui no topo do Belvedere é de 1.820 m. O vento sopra forte. Por isso, não nos resta outra alternativa a não ser empreender a descida, após breves minutos tentando contemplar, ou melhor, adivinhar a paisagem ao redor. Conforme baixamos, o céu desanuvia permitindo, finalmente, que se aviste o vale, sobressaindo na paisagem um pedaço de terra avermelhada desmatada, que vem a ser propriedade da Cia Vale do Rio Doce.
Já próximos ao Santuário, embora ainda guarde resquícios de nuvens cobrindo seu topo, a face oeste do pico da Carapuça exibe-se em mínimos detalhes, distinguindo-se à sua direita, a curiosa formação rochosa de apelido Beiço do Diabo. Padre não resiste ao apelo do capeta, hehehe!! No sopé do Carapuça, a branca capelinha é um ponto minúsculo no meio da vegetação. Matando tempo enquanto esperamos a janta no restaurante do Santuário, sentamos ao ar livre em frente à lanchonete. Todos bebem um golpezito de cachaça. Afinal, o friozinho serrano já tá pegando nos ossos, uai!! Não resisto e provo um bolinho de milho recheado com queijo. De-li-ci-o-so. Um pitéu! A cantoria que vem da igreja anuncia que a missa das 18 está sendo celebrada. Muitos hóspedes preferem, entretanto, curtir o santo ofício, sentados em mesas dispostas no átrio, bebericando vinho. Será o do padre? Capaz, uai! Eu só tava brincando, sô!