Veja a primeira parte: Parque do Caraça – Picos da Canjerana e do Belvedere
Entre esparsas nuvens inofensivas, o sol brilha firmão no céu. O bom Toninho já nos espera em frente à lanchonete. Junta-se a nós um outro Marcelo, que descubro já ter feito canionismo no Malacara há alguns anos atrás. Portanto, deve ser bom de perna. Rumamos em direção a leste, percorrendo, inicialmente, um pequeno trecho de mata atlântica, que nos conduzirá hoje ao topo do Inficionado, o segundo mais alto do parque. Cruzamos um córrego de águas amareladas, cujas pedras dispostas naturalmente duma margem a outra, formam uma ponte, evitando, assim, que molhemos os pés na travessia. A trilha, bem demarcada, de areia branquinha, agora rasga os campos sujos, onde predominam gramíneas e arbustos de pequeno porte. Raras, entretanto, as flores ao longo do trajeto.
À esquerda, após um 1 km de pernada, o córrego Cascatinha, serpenteando encosta abaixo da serra, escavou 4 largos degraus, formando a queda dágua de mesmo nome. No final de cada degrau, convidativos poços atraem banhistas prum mergulho refrescante em época de calor. Nessa fase do ano, contudo, não apetece niente. Só os muito valentes ousariam banhar-se em suas águas, o que não é o caso de nenhum de nós. Um pouco mais adiante, eis o famoso Caraça separado do Pico do Inficionado pelo vale da Bocaina. Não percebo lá muita semelhança com feições humanas no tal morro. É preciso certa boa vontade e, pior, torcer o pescoço num ângulo não lá muito confortável, de modo a poder distinguir alguma coisa.
Atrás do Caraça, invisível aos nossos olhos, localiza-se o pico do Sol, o mais alto do parque. com 2.072 m. No final da crista do Inficionado, avista-se um morrete, cujo sugestivo nome Verruguinha deveu-se a sua pouca altura se comparado com os outros ao redor. Após uma hora e quinze minutos, fazemos uma parada às margens dum riacho, tributário do rio Caraça, cujo nascedouro brota no Inficionado.
A presença de candeias com flores brancas, vegetação de borda de mata atlântica, é um indício de transição pro cerrado. Até então a trilha tem sido moleza. Mais plana impossível. Não demora muito, o que era doce acaba, porque nos aguarda uma subida íngreme pra dedéu, daquelas que amanhã, com certeza, deixará coxas e panturrilhas latirem de dor. A rude encosta, revestida por rochas de bom tamanho, faz jus à alcunha de Escadão. O tal trepa pedra só finda no primeiro platô. E o tempo inicia uma brusca mudança de feição: nuvens surgem como num passe de mágica, obnubilando o até então azulado céu e o declínio acentuado da temperatura obriga-nos a retirar agasalhos das mochilas. Conforme ganhamos altura, as árvores já começam a exibir aquela casca grossa e rachada, típica de vegetação de cerrado.
Amiúdam-se as canelas de emas em cujas folhas despontam tardias florações violáceas. Pequenas florzinhas, além de delicadas orquídeas de cor fúcsia, bromélias e as indefectíveis quaresmeiras brotam nestes campos rupestres. Toninho observa que num total de 9 km de trilha apenas 4 km são de subida. Triste consolo! Contudo, o aclive suaviza-se até o segundo platô embora a neblina adense-se mais e mais quando o atingimos. Chamado de Paraíso I, nas palavras de Toninho, este local torna-se um jardim do éden, repleto de flores em certa época do ano. Muitos córregos deslizam seus filetes dágua por entre o pedrario. Pergunto quais os nomes dos riachos. Toninho responde que ainda não foram batizados, não, num tom levemente zombeteiro. Sei que minha insaciável curiosidade me torna bem mala às vezes. Mereço mesmo a resposta gozadora do bom Toninho, hehe.
Uma chuva fininha cai de mansinho e o frio começa a pegar às ganhas. Ao chegarmos ao terceiro platô, chamado de Paraíso II, a cerração apodera-se totalmente da paisagem. Não se vislumbra nadica de nada num raio de 20 m. Muitas touceiras de bambuzinhos, um tanto quanto semelhantes aos rabos de onça existentes no Parque do Itatiaia. Também pudera, nada mais natural em se tratando de campos de altitude que a vegetação se repita tanto lá quanto aqui. E a trilha, uma subida agora suave, se faz sobre largas extensões de lajes que se prolongam até o topo. O vento ruge, açoitando o ar. Quase me desequilibro em dois momentos, tamanha a força de suas rajadas.
Toninho observa que, em 33 anos de guiada, nunca testemunhou coisa igual. Por óbvio, a vegetação torna-se rala quando chegamos ao cume do Inficionado às 12:45. Até que nem demoramos muito, considerando que iniciamos a trilha às 8:30. Nosso grupo tem uma boa pegada, ah, isso tem! Se não fosse o vento, obstaculizando um pouco a caminhada, eu diria que alcançar o cume do Inficionado teria sido moleza, porque após o Escadão a aclividade suaviza-se bastante. A baixa sensação térmica, fortalecida pelo vento que zune ao redor impede que lanchemos ao ar livre. Pero o bom Toninho nos conduz até uma pequena gruta onde os guias costumam pousar quando trazem clientes que pernoitam no cume. E lá dentro, trocamos lanches uns com os outros. Nossos ânimos, ao contrário do mau tempo, estão em alta. Ao lado da gruta, mal se visualiza a bocarra duma das gretas que compõem a caverna do Centenário. Atípica, essa caverna não possui uma entrada principal. Trata-se, na verdade, dum complexo de fendas que se interligam. Sua extensão de 4,5 km, atinge, em certos trechos, uma profundidade de até 405 m. Por isso, é considerado o maior abismo de quartzito do planeta.
Revigorados após enchermos nossas pancinhas, vamos então tirar as clássicas fotos no topo do Inficionado, cuja altitude de 2.068 m só perde pra do Pico do Sol. O vento cada vez mais forte nos açoita sem piedade, não nos permitindo ficar muito tempo ali. Até porque nem podemos apreciar nada da paisagem ao redor. Uma pena, realmente!! E assim, retomamos logo, logo a caminhada de retorno. Só quando atingimos o Escadão, o vento não se faz mais sentir. Já aquecida, tiro meu agasalho de fleece quando atinjo as terras baixas. Terminamos o passeio na lanchonete, bebericando a deliciosa cachacinha do Caraça. E peço o pão com lingüiça que, na véspera aguçara minhas papilas gustativas, quando vira Monica comendo-o. Não me arrependo. É uma gulodice de respeito. O pão francês, estalando de novo, recheado com uma lingüiça feita de pernil de porco, frita na chapa, apresenta um leve sabor de vinho. E vontade não falta de repetir essa iguaria. Mas contenho minha gula, porque ainda pretendo jantar.
Já em Santa Bárbara, Toninho dá um toque que tá rolando uma quermesse numa das praças da cidade. Mas bem capaz que vamos resistir a tal convite apesar do cansaço após tanta atividade física. E lá vamos nós, saltitantes e felizes, depois dum bom banho no hotel, pro local dos festejos. No largo, enfeitado de bandeirolas coloridas, banquinhas de comida oferecem torresminhos, caldinho de feijão, cocadas brancas e pretas, churrasquinhos, canjicas e outras comidinhas gostosas. Uma quadrilha prepara-se pra apresentação de seu show. As moças envergam vestidos rodados, cheios de babados, rendas e fitas, nos pés, sapatilhas caprichosamente bordadas com flores de cetim. Seus acompanhantes trajam ternos coloridos e chapéus de palhinha ornados com faixas coloridas ao redor da copa. Duas moçoilas, uma de vestido branco, outra de preto lideram a quadrilha. Animadíssimo, o grupo evolue ao som dum forró. Compro um churrasquinho de carne de porco, embebido num molho picante. Bom demais. Tudo regado com a boa bebida da terrinha: a cachaça. Dessa feita, adoçada com mel. De sobremesa, quer coisa melhor que uma bem mole cocada preta? Ah, essa comida mineira é de fazer a gente comer ajoelhada, mandando às favas as tais contagens de calorias!! No coreto, o locutor anuncia nossos nomes. É Santa Bárbara festejando seus turistas. Mas que coisa bem linda esse povo mineiro, uai!!
Tô gamada por ti, Minas, pode crer!!