O Lago Andino de Mogi das Cruzes

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Existem pessoas tão pitorescas q imediatamente são associadas à esta ou àquela região, tornando-as folcloricamente tradicionais e indissolúveis à algum local. É o caso do Zé Pescoçinho na Bocaina, do Dilson no PP, do Caneco Verde em Paranapiacaba, do Jamil em Marsilac, do Chico Bento no Gomeral, Dna Maria na Lapinha, etc. Em Mogi das Cruzes não é diferente já q essa pessoa atende pelo nome de Seu Geraldo, o simpático tiozinho com jeitão de &ldquo,Crocodilo Dundee&ldquo, q não raramente é encontrado no Posto da Balança tomando sua pinguinha, às margens da Mogi-Bertioga. Ex-caçador, ex-palmiteiro, ex-isso, ex-aquilo, o senhor de chapéu e barba puída conhece cada palmo da Serra do Mar mogiana e vale mto a pena dar ouvidos às dicas de locais singulares nos arredores q sugere. Locais como a &ldquo,Represa Andes&ldquo,, um enorme e bucólico lago artificial escondido nas entranhas da serra, acessível mediante trilha relativamente sussa de quase 11km percorridos em 3hrs cheias. Só de ida.


Primeiro cheguei eu, o Clayton e Wagner, antes das 10hrs. Logo depois vieram o Fernando, Abade e Dom. E finalizando, o Fabio e a Vivi, a única integrante feminina da trupe. Tds ali, enfim, reunidos no posto da Balança, as margens da Mogi-Bertioga naquele sabadão q amanhecera frio, encoberto e nada promissor, perfeito pra ficar sob as cobertas. Ainda assim, a motivação geral pra estarmos ali era ir atrás de uma tal “Represa Andes”, mais uma dica interessante do folclórico Seu Geraldo, q tb se encontrava ali e complementara as infos q tínhamos à mão. Com seu indefectível chapéu puído e palito pendendo dos dentes, nos dizia q aquele era um local q apenas ele conhecia e valia a pena visitar, entre outros vários outros já devidamente anotados pra outra ocasião.

Após um breve desjejum na base de salgados e goles de café fresco, pusemos pé-no-asfalto as 10:30, no mesmo instante em q a inicial garoa fina dava trégua pra gente e um sol tímido dava às caras no céu. Não havia pressa alguma, uma vez q Seu Geraldo garantia q estaríamos no referido local após umas 2hrs de caminhada. No entanto, ele não mencionara q esse tempo era saindo da casa dele e não levava em conta os obstáculos q surgiriam no trajeto.

Dois km e meio depois, deixamos o asfalto em favor de uma precária estrada à esquerda, as 11hrs, marcada por uma antiga cancela e uma guarita abandonada. A partir dali acompanharíamos a mesma sinuosamente serra adentro um bom tempo, inicialmente transpondo um enorme buraco provocado pelas intensas chuvas. Após uma casa abandonada, transpomos o “Rio do Lobisomem” por sobre as pedras, de onde podemos avistar a casa do Seu Geraldo, no alto de um morrote próximo.

A pernada prossegue no mesmo compasso, chapinhando através de brejo e lama, sempre adentrando cada vez mais nas entranhas serranas, sem gde variação de altitude. A precária estrada começando cada vez a se estreitar mais ate se tornar praticamente uma picada cercada de mata. Varias bifurcações surgem, mas o bom senso nos mantém sempre na trilha principal, e assim tb cruzamos as escorregadias pinguelas sob os “Córregos Água de Rola” e “Córrego do Cagado”, quase q sequencialmente. O aroma onipresente de cera de mel de abelha vindo de algum lugar em meio à bananeiras, embaúbas e eucaliptos preenche o ar de forma onipresente durante boa parte daquele inicio de dia, enqto o céu alterna janelas de bom tempo apenas pra escondê-las na seqüência, dando inicio a uma fina garoa a fustigar o rosto.

As 12:21 ignoramos a entrada pra trilha da “Pedra do Sapo”, à nossa esquerda, e então mergulhamos de vez na mata fechada, fresca, densa e úmida. No caminho, pequenas penas espalhadas desordenadamente sugerem o infortúnio de algum macuco devorado por algum predador, ate q surge mais um riacho, o “Rio Ponte de Ferro”, q cruzamos cautelosamente por cima de trilhos e vigas q outrora sustentaram uma ponte.&nbsp, Uma ponte pela qual já circularam veículos, o q pode ser atestado pelos cortes verticais na encosta q denunciam estarmos no q já fora uma estrada com mto transito, hj totalmente em desuso e tomada pelo mato. Raízes, troncos, bambus e arbustos não se fazem de rogados e abraçam boa parte do trajeto, reclamando a floresta pra si, nos forçando em alguns trechos a agachar e esgueirar por entre a mata.

Mas eis q antes das 13hrs tropeçamos com o raso e largo Rio Sertãozinho, q aqui marulha mansamente suas águas frias. Não há ponte alguma e a picada prossegue do outro lado. Pois bem, aqui nos dividimos: enqto eu, Abade e Fernando cruzamos por cima de um tronco de firmeza duvidosa pra afundar a coxa inteira no rio, os demais atravessam o rio um pouco mais acima, com água ate o joelho. Na outra margem nos brindamos com uma breve parada pra secar os pés e colocar novamente as botas, alem de fazer uma boquinha rápida, claro! Com direito até a miojo e chá, por parte do Dom.

Nossa jornada prossegue logo depois, onde equivocadamente tomamos o ramo da esquerda q apenas nos levou a armadilhas e arapucas mata adentro. Percebido o erro, retornamos pra seguir o ramo da direita, isto é, q simplesmente acompanha o Rio Sertãozinho pela sua margem esquerda, ora próximo ora afastado. Felizmente este trecho esta (quase) bem roçado e o avanço é rápido e ágil, apesar de cruzarmos pequenas depressões e barrancos por onde deve circular mta água em tempos de chuva. O inconfundível odor de carbureto aqui é forte e inunda nossas narinas boa parte do caminho.

Mas não demora pra picada ganhar alguma declividade e descrever um ziguezague sinuoso, eventualmente desviando do caminho principal pelas pedras e lajotas úmidas de um caminho d água, ate finalmente dar no aberto, em meio a um descampado de capim e arbustos. Mas logo adiante damos no alto de um morrão de cume rochoso-poroso ligeiramente abaulado, com jeitão de mirante. Infelizmente a paisagem ao redor esta tomada por neblina e nosso raio de visão não ultrapassa os 50m, mas praticamente já estamos ao lado da tal represa/lago. Só não o enxergávamos.

Prosseguindo pela trilha em meio a alguma mata de altitude, principalmente voçorocas de pequenas bromélias e samambaias, a picada nos leva por sobre uma pequena crista, da qual já podemos avistar o enorme lago ao lado. Dali bastou desescalaminhar algumas pedras pra enfim fincar pé em sua margem forrada de pasto e brejo as 14:40. Pausa novamente pra relax, descanso e mais comilança. Com direito agora a um delicioso chá-de-coca q serviu pra complementar os salgadinhos, sandubas e bolachas q foram mastigados. Apesar de convidativo, as águas estavam ligeiramente frias pra banho, embora isso não intimidasse o Wagner, q foi o único q deu tchibum no mesmo.

O tal Lago (ou Represa) é enorme, mas seu perímetro era impossível de precisar por conta da neblina q baixara naquele momento. Mesmo assim, o visual enevoado do lugar lhe confere um ar q beira o misterioso e o jurássico. A impressão q dava era q a qq instante surgiria o brontossauro ou ate mesmo o “Monstro da Lagoa Negra” dele! Pelas infos de Seu Geraldo o mesmo foi resultado das escavações da “empresa Andes Celulose” na instalação de tubulações q não chegaram a ser concluídas. O enorme buraco ficou e foi com o tempo enchendo com as chuvas e demais córregos q o atravessavam. O solo, q se alterna argilo-rochoso e a descoberta de pedras c/ antigos tijolos espalhados ao largo do local corroboram estas informações. O fato é q ali, no alto dos 750m daquele platô serrano havia um improvável lago cercado de mata por tds lados. Sinais de fogueira no chão de capim atestam q o local é ideal pra acampamento, coisa q deve resultar num agradável programa de verão. Dica anotada pruma próxima empreitada.

Mais acima a picada continuava e dividia-se em duas: a da esquerda provavelmente contornava o lago enqto a da direita descia íngreme em direção a Mogi-Bertioga. Ate cogitamos retornar por ela, mas a presença maior de mato cortante nela (q nos deixou boas marcas na breve exploração) e a perspectiva de retornar um bom trecho por tedioso asfalto nos convenceu mesmo a voltar pelo mesmo caminho.

Com o tempo fechando cada vez mais e a garoa engrossando tomamos o caminho de volta por volta das 15:20, antes tb q a escuridão tomasse conta total do trecho de pernada na mata fechada. Caminhada esta sem pressa chafurdando na lama, q nos distanciou uns dos outros, mas nada q dificultasse a navegação dos retardatários. No caminho, mais uma descoberta de trip so q desta vez não tão agradável, sob a forma de uma conhecida coceirinha: carrapatos estavam grudados em nossas roupas tal qual imigrantes ilegais e indesejados. Paciência, nem td é perfeito.

Desembocamos no asfalto num piscar de olhos, pra depois alcançar a Balança na sequencia, exatas 18hrs. Lá, em meio o som forrozeiro da Tupi FM e dos veículos da Mogi-Bertioga, fizemos uma horinha pra fazer mais um lanche e bebemorar o passeio. Alem de dar continuidade à prosa com Seu Geraldo, claro, q àquela altura já tava bem “alegrinho” com seus colegas nos proporcionando boas risadas, com o simpático matuto oferecendo inclusive seus serviços de “exorcista”. Pois é, ate o pessoal da roça anda buscando “especialização”.. Mas o comecinho de noite sabatina estava apenas começando, e assim nos despedimos uns dos outros pra então retornarmos pra Sampa, onde cada um dirigiu-se à sua respectiva balada (ou apenas indo pro aconchego de casa) fechando com chave-de-ouro um fds q apenas começava.

Por estas e outras q vale muito a pena estreitar laços com os personagens típicos onde quer q se vá. Nunca se sabe dos recantos secretos q estão à nossa espera aguardando p/ serem descobertos. Lugares q fogem ao tradicional arroz-e-feijão q podem revelar-se verdadeiras pérolas em meio à mesmice. Personagens como Seu Geraldo, q por sua vez já nos prometeu levar noutro “lugar paradisíaco”, segundo suas próprias palavras. Bem, se ele estiver sóbrio e lembrar disso, ótimo. Senão, basta apenas soprar a dica q a gente faz o resto. E assim um fds não será nunca igual ao outro. É, a nossa sempre enorme e incomparável Serra do Mar esta sempre nos dando boas e belas surpresas.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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