Encontrada a desaparecida no Itupava

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Coisas estranhas acontecem no velho Caminho do Itupava desde que por lá alguém perseguiu uma anta em meados do século XVI. Mas quando pensei que aquelas pedras já tinham visto de tudo, eis que nova surpresa aparece para desafiar a lógica. Muitos já disseram a mesma coisa, mas vou repetir só pra confirmar minha fama de chato; “Lógica é uma Merda“. Vamos aos fatos fresquinhos relatados pela Gazeta do Povo, Paraná Online e muitos outros veículos da imprensa local.

As pessoas
Denise Ciunek, carinhosamente apelidada de Juma, é montanhista experiente, conhecedora do Caminho do Itupava e região que já cruzou diversas vezes e neoconvertida ao CPM (Clube Paranaense de Montanhismo). Amiga de figuras notórias e insuspeitas da comunidade que tem casas de montanha aos pés do Marumbi como Ronaldo Franzen, integrante e fundador do Grupo Cosmo (Corpo de Socorro em Montanha), consagrado defensor do programa “Aventura Segura” promovido pela ABETA, do gerente do Parque Estadual do Marumbi que declarou conhecê-la a 25 anos e de muitos outros que, solidários, participaram ativamente das buscas.

O tempo

Período prolongado de tempo quente e seco que nas ultimas duas semanas vinha gerando grandes e justificadas preocupações para prevenção de possíveis incêndios florestais. Tempo perfeito para um bivaque no cume de alguma montanha ou um prolongado e refrescante banho de rio numa piscina na serra.

O cenário

O caminho acompanha o profundo e estreito vale do Rio Ipiranga espremido por duas cordilheiras de altas e escarpadas montanhas. Divide este pequeno espaço com o rio e a estrada de ferro com os quais segue paralelo, algumas vezes a esquerda e outras a direita se cruzando em dois locais. Todos os riachos descem as encostas escarpadas para se juntarem ao Rio Ipiranga que é cruzado várias vezes pela ferrovia a intervalos de 2 ou 3 quilômetros.

A caminhada

O Caminho do Itupava tem aproximadamente 16 quilômetros calçados com pedras irregulares na largura aproximada de 2 metros, entre o posto de registro do IAP, em Borda do Campo, e o Centro de Visitantes nas Prainhas, em Porto de Cima, que é percorrido por turistas de primeira viagem entre 6 e 8 horas de caminhada sossegada com pausas para apreciar a paisagem, mas os mais experientes e conhecedores da trilha dificilmente desprendem tempo superior a 4 horas para percorrê-lo inteiro.

A história

Denise se cadastrou no posto de registro do IAP em Borda do Campo na quinta feira 19 de agosto declarando carregar repelente para mosquitos, água, alimentos e barraca apenas por precaução porque tencionava retornar no mesmo dia. Mesmo confiante a ponto de percorrer a trilha sozinha no meio da semana, com tempo perfeito e estável, levou uma barraca na mochila para um caminho que com sua experiência e conhecimento é percorrido em menos de 6 horas.

O alerta do desaparecimento só foi emitido uma semana depois do fato, não por familiares, mas por uma vizinha que estranhou a demora. Entrevistados, na ocasião, os familiares se mostraram tranqüilos quanto a experiência da montanhista e confiantes em seu breve retorno.

Depois de resgatada contou que foi abordada logo no início da caminhada por um homem armado e drogado que a obrigou a afastar-se da trilha e juntos andaram por um “bom tempo”. É admissível dividir a trilha em 3 segmentos facilmente notáveis. O início, do posto de controle do IAP até a Casa do Ipiranga onde cruza a ferrovia pela primeira vez, o meio, da Casa do Ipiranga até o Santuário do Cadeado e cruza a ferrovia novamente e, o fim, do Santuário do Cadeado até o Centro de Visitantes nas Prainhas.

Admitindo-se seu notório conhecimento da trilha é de se supor que se referia ao primeiro trecho e como foi encontrada somente no segundo trecho podemos concluir que “um bom tempo” significa que percorreu pela mata, fora da trilha, sob ameaça do “estuprador” toda a primeira parte atravessando com ele a própria ferrovia e o Rio Ipiranga por duas vezes num trajeto que se leva aproximadamente 2 horas pela trilha.
Sabemos então que o “estuprador” não estava nem um pouco ansioso, conhecia muito bem a região, tinha excelente auto-controle apesar de estar “drogado” e se orientou com calma e precisão sem nem mesmo usar da trilha. Se foi atacada antes da Casa do Ipiranga e encontrada próxima do Véu de Noiva não poderia deixar de notar a transposição do rio e da ferrovia mesmo estando amedrontada.

Mas como declarou que levou apenas meia hora entre a abordagem e a fuga, pode-se concluir que foi atacada no trecho seguinte ficando cercada numa faixa de mata muito estreita e comprida, espremida entre o caminho, a ferrovia e o rio. Durante a fuga, desorientada, caiu num riacho que não conhecia, mas nesta estreita faixa de mata todos os riachos deságuam no Rio Ipiranga que é acompanhado de perto pela ferrovia. Subindo o barranco por alguns minutos reencontraria o caminho com 2 metros de largura todo calçado em pedras e descendo encontraria o rio e a ferrovia em menos de meia hora.

“Quando ele largou a arma para se despir, eu contra ataquei e fugi”. Este sujeito deveria ser principiante no ofício ou estava mesmo muito lesado para largar a arma e tirar as calças antes de rasgar as roupas e imobilizar a vítima, mas vamos em frente, hoje em dia já não se fazem estupradores como antigamente.

Nos primeiros 7 (sete) dias se alimentou com barras de cereal, bananas e castanhas que carregava na mochila e nos 10 (dez) restantes bebeu apenas água. Isto é que é estar prevenida para qualquer situação. Preparar-se para uma caminhada de pouco mais de 6 horas levando comida suficiente pra se alimentar por 7 dias, mesmo racionando, é um feito digno de nota.

Conta que caminhou por quatro dias e depois parou a espera de resgate no exato local em que foi encontrada deitada sobre uma pedra a aproximadamente 3 quilômetros da estação de trem do Véu de Noiva e 500 metros afastada da trilha principal. Em 4 dias de caminhada dá pra fazer toda a travessia da Serra Fina ou ida e volta na Petro-Terê pela Serra dos Orgãos no Rio de Janeiro com uma cargueira de 25 quilos nas costas. Em 4 horas se faz o Itupava de ponta a ponta sem correr, mas admitimos que os perdidos andam em círculos, no caso, bem pequenos porque em 4 horas “de joelhos” se chegaria com folga ao rio e ferrovia no vale abaixo ou na trilha em cima. Ficar 13 dias parado num mesmo lugar, perdido e sem comida, no meio do mato é também penitência e jejum pra nenhum Franciscano botar defeito.

Neste período que se mobilizou 200 pessoas para o resgate, entre integrantes do Corpo de Bombeiros do Litoral, do Grupo de Operações e Socorro Tático (Gost), voluntários do IAP e voluntários do Corpo de Socorro em Montanha (Cosmo), metade do Brasil inclusive o Paraná pegava fogo devido os efeitos da longa estiagem. Só na quarta feira havia uma força tarefa com 52 integrantes, entre bombeiros e voluntários, varrendo uma faixa de 100 metros para cada lado da trilha durante todo o percurso de 16 quilômetros. Dá pra imaginar o estrago que fizeram em todos os lugares que passaram procurando rastros além dos outros grupos que se enfiaram nas grotas ao redor do Pão-de-Loth, do Cadeado, do Véu-de-Noiva e até no Salto dos Macacos.

Então o tempo quente e seco ameaça mudar de domingo para segunda feira quando ela é convenientemente encontrada descansando sobre uma pedra. “Até então o tempo estava bom, com sol, e isso me dava esperança. Mas hoje (domingo) eu olhei para o céu e vi que havia muitas nuvens, e que poderia chover. Nesse momento eu achei que não daria. Tinha medo de ter hipotermia e não resistir”. Realmente é muita sorte pra coroar todo este azar. Ninguém merece passar uma noite de chuva, garoa e frio, sem comida, no meio do mato depois de viver toda esta aventura. “Os policiais do Corpo de Bombeiros foram os anjos do céu que vieram para me salvar”.

Conforme atesta Sargento Frederico Alberto Sobrinho; “O primeiro homem a encontrar Denise, primeiro localizou um estojo de óculos e, depois, a cerca de 10 metros adiante, encontrou a vítima deitada em uma pedra, meio sonolenta, ele foi conversando com ela, até que ela admitiu ser a vítima”. Saliente-se que o primeiro homem a encontrá-la foi um montanhista, também proprietário de uma casa no Marumbi, muito próximo, presumivelmente conhecido da vítima e integrante ativo do Corpo de Socorro de Montanha (Cosmo) cujo fundador, citado acima, durante as buscas alguns dias antes comentou com a imprensa sobre os riscos do Caminho do Itupava; “O local tem o pior histórico de violência porque não tem policiamento nenhum e o cadastro realizado no posto do IAP, que fica na entrada e saída da trilha, funciona apenas para dados estatísticos” fazendo coro com as primeiras declarações da vítima: “Não vou parar com o montanhismo de jeito nenhum, mas esse trajeto eu não faço mais. É muito perigoso. Bandidos estão invadindo a trilha. O local é abandonado”.

Certamente as declarações não foram combinadas e apenas refletem a realidade de um local montanhoso e separado por quilômetros de mato do primeiro ponto habitado, mas mesmo assim as mesmas estatísticas provam que é muito mais seguro (durante o dia ou a noite) do que qualquer rua em qualquer bairro de Curitiba com todo o policiamento desejável. Mas tampouco duvido que a oportunidade venha a ser desperdiçada e podemos esperar que em breve se anunciem pedidos de verbas estatais ou convênios para que algum grupo de socorro em montanhas ou alguma empresa privada credenciada pela ABETA venha a assumir patrulha preventiva na região.

O importante é que Denise foi encontrada com vida e ainda bastante saudável apesar das privações passadas nestes 17 dias sozinha na mata em que sua experiência de montanhista foi valiosa para sobreviver. Parabéns também ao Corpo de Bombeiros do Litoral, ao Grupo de Operações e Socorro Tático e a todos os voluntários que integraram as buscas sem nunca esmorecer apesar da falta de pistas.

Estes profissionais e voluntários enfrentaram situações de risco real no interior da mata e pelo menos um deles acabou separando-se do grupo e perdendo-se nas imediações do morro Pão-de-Loth, onde passou a noite sozinho, sem água, comida ou abrigo e só foi resgatado no dia seguinte depois de um contato pelo celular quando transmitiu as coordenadas do GPS. Com a mata seca pela estiagem prolongada as profundas gretas entre pedras se cobrem de folhas mortas tornando-se armadilhas mortais que tanto podem quebrar uma perna como engolir uma pessoa inteira, mas é as cobras o principal fator de cuidado porque também é a época da floração de algumas espécies de bambus que atraem uma multidão de roedores e de seu principal predador, a mortal serpente jararaca.

O drama foi notícia em todo o Brasil e tem potencial negativo para apavorar ou repelir turistas e caminhantes das trilhas paranaenses como ocorreu a pouco tempo atrás no Morro do Boi em Matinhos. Trata-se de uma situação delicada que envolveu centenas de pessoas nas operações de busca com significativo impacto ambiental e que também poderá se refletir na perda de renda para algumas famílias que prestam serviços ao turista nas duas pontas do caminho. O episódio não pode de maneira nenhuma cair no esquecimento e precisa ser totalmente esclarecido assim que a vítima se recupere do trauma psicológico e possa comparecer numa delegacia prestar queixa contra o estuprador ou assaltante, transformando este episódio num verdadeiro caso de polícia.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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