Um dos meus filmes preferidos é “King Kong” onde a parte q mais gosto é a minuciosa e emocionante exploração da misteriosa “Ilha da Caveira”, habitat do personagem-título. O clima de aventura e tensão q se instaura até metade da produção é fantástico no q se refere tanto a diversão escapista como a interrogação qq da busca rumo o desconhecido. O resto é encheção de lingüiça melodramática.
E era essa mesma ansiedade q tomava conta de mim na véspera da trip proposta, já q desde meu primeiro contato com o Rio Quilombo (algo de uns 3 anos), sempre cogitei avidamente a possibilidade de um dia descê-lo por completo, percorrendo seus misteriosos meandros através de td sua extensão, serra abaixo. Já estivera em seus limites extremos, mas sempre me indaguei: o q haveria bem no meio? Contudo, a falta de cia apropriada, disponibilidade de tempo ou qq outro porém sempre terminei adiando este programa de fds. Ate agora. E pra entrar previamente no clima revi o filme do enorme símio á noite anterior a empreitada.
A previsão de tempo era bastante incerta mas ainda assim, teimosos feito mulas, fomos resolver essa antiga pendega com a Serra do Mar nos arredores de Paranapiacaba q era descer o Rio Quilombo. Dessa forma eu, Fernando e Abade (ambos da”T2 Aventura”) chegamos numa vila inglesa envolta em seu tradicional e indefectível nevoeiro as 8:30.
A passos ligeiros tomamos rumo o Taquarussu de modo a ganhar o maior de tempo possível na pernada, e meia hora depois mergulhávamos finalmente na mata fria e úmida da picada principal q leva tanto pra “Comunidade”, pro Quilombo e o Anhangabaú, q por sua vez era um brejo só em virtude das ultimas chuvas. O ritmo imposto à caminhada e o calor abafado imediatamente fizeram nossos corpos se encharcarem de suor, mesmo com rápidas paradas pra clicar este ou aquele outro detalhe dos habitantes da floresta.
Com a mata filtrando através de suas folhas um tímido sol ameaçando sair, o canto metálico de uma araponga avisava-nos da chegada à famosa “bifurcação das bananeiras”, as 10:30. Tomando o ramo da esquerda e sempre no mesmo compasso, ignoramos as bifurcações sgtes sempre buscando nos manter na vereda principal, embora no coração da floresta reconhecer isto seja algo bem subjetivo e onde há certa necessidade de alguma vivência na mesma , pra , discernimento das poucas ocasiões necessárias de farejo da mesma, principalmente qdo o caminho se encontra repleto de obstáculos, como mta mata tombada por exemplo.
O trecho final, marcado por uma interminável descida de crista de declividade considerável, foi feito na base da corrida de forma ate meio irresponsável, com o chão besuntado de lama escorregadia e da inércia inerente de nossa velocidade imposta o risco do nosso freio falhar e meter a cara no chão ou na arvore sgte era constante.
Após um curto trecho desescalaminhando pedras numa vala erodida, alcançamos enfim o Rio Quilombo nos arredores do “Rancho 71”, um antigo reduto de palmiteiros, as 11:10. Empolados no alto de uma gde pedra as margens do rio nos brindamos com uma pausa de descanso e de lanche merecido antes de efetivamente começar a descida do mesmo. O local é emblemático do q estava por vir: enormes pedras desmoronadas formando gdes cachus e belos poços represados entre os rochedos cercados da mais espessa mata!
Dez minutos depois dávamos inicio oficialmente à trip, descendo com cautela a larga lajota de pedra em q estávamos pra acompanhar o rio pela margem direita. Mas isso durou pouco pq poços, abismos, pedras e pirambas rochosas maiores surgiram nos obrigando a cruzar à outra margem, e assim sucessivamente fomos “costurando” o rio conforme a segurança ditava. Este trecho é bem íngreme e perde-se altitude com rapidez em meio a um rio furioso. Andar pelas pedras requer extremo cuidado pois estão besuntadas de um limo visguento desgraçado, e derrapar nelas era um risco quase q constante de acidente serio. Por esta razão td travessia foi feita com calma, sem pressa, mas ainda assim isso não nos livrou de belos capotes, carimbadas de bunda e pancadas na canela.
Por volta das 13:30 a declividade suavizou e fomos pela margem esquerda, q era dominada por pequenas pedras roladas. Mas não tardou a monólitos rochosos maiores barrarem nossa avanço nos obrigando a contorná-los, seja na escalaminhada de pedras seja no vara-mato de encosta puro e simples. Felizmente sem maiores dificuldades, pra espanto das varias pererequinhas q saltavam assim q surgíamos. Ate outra vez a declividade aumentar e a paisagem se assemelhar com a de inicio. Apesar de relativamente lento em virtude da cautela com pedras escorregadias, nosso ritmo era constante sem nada q o alterasse. Ainda assim estávamos preparados pra qq surpresa q surgisse na próxima curva do rio.
E assim nos revezávamos na dianteira na tarefa de decidir q caminho era o mais segura pra atingir o patamar sgte, rio abaixo. O esforço conjunto tanto dos braços como das pernas q o tempo td nos mantinha transpirando, mas por sorte estávamos bem do lado do rio, cujo liquido universal translucido em mais de uma ocasião refrescou tanto nossos rostos qto nossa goela seca, embora mtas vezes tivéssemos q andar através dele com água quase ate a cintura. Enqto isso, o tempo mantinha-se apenas naquela nebulosidade clara, não se decidindo se chovia ou abria.
O destaque neste trecho foram os incontáveis remansos repletos de monumentos rochosos, poços, gdes cachus e piscinões naturebas. Parar, no meu caso, era impossível em virtude das trocentas moscas-varejeiras q não perdiam um descuido nosso pra sugar sangue fácil numa irritante e dolorida mordida! Dessa forma seguimos em frente firme e forte, engolindo td sorte de teia de aranha q surgia inadvertidamente na minha frente! De suas margens, observamos como os cipós, espinheiros, os galhos das árvores e as folhas secas enroscam-se, a ponto de impedir a penetração do sol.
Seguindo sempre nesse compasso árduo, porem constante, atingimos o inicio de um aparente canionzão, com enormes paredões inclinados emparedavam com media declividade o rio q serpenteava sinuosamente através dele. Aqui houve necessidade e subir a encosta direita em diversas ocasiões e avançar em meio à vegetação até retornar outra vez á margem do rio, bem mais adiante.
E assim sucessivamente ate q chegamos num local onde o rio cavava um cânion ate desaguar no pai de tds os poços daqui, as 15:30, um mega-maxi poço do tamanho de um campo de futebol oficial, envolto em gdes muralhas de pedra inclinadas num ângulo de 45 graus!!! O enorme espelho d´água refletia maravilhosamente a nebulosidade clara daquele horário de forma impar. Ao contorná-lo, na encosta encontramos vestígios de uma trilha e uma clareira de acampamento. Será q essa trilha era a q vem da “Cruz do Firmino”? Fica lançada a duvida e mais um motivo pra retornar pra mais explorações.
Dando as costas ao mega poço seguimos à pernada inabalável rio abaixo, alternando trechos íngremes com outros mais suaves. A paisagem alternava-se com freqüência de gigantescas pedras desmoronadas e pequenos cânions q culminavam sempre em majestosos e convidativos poços ideais pra banho, embora a esta altura uma fina garoa começasse a fustigar nosso rosto suado. Foi a partir das 16hrs q começamos a ficar preocupados da demora em chegar no Poço das Moças, apesar do nosso ritmo ágil. “Meu, essa porra não acaba! Kd o Poço?”, reclamava Abade. Mas sua preocupação era justificada, já q ele era o único q não trazia nada prum eventual pernoite, apesar de ter sido previamente avisado do risco da pernada não ser concluída naquele dia. Eu e o Fernando estavamos bem precavidos e não tínhamos pressa alguma, mas éramos apressados justamente pelo descuidado Abade, q não queria de forma alguma ficar ao relento caso houvesse necessidade. E a tarde já quase no fim..
A pernada prosseguiu árdua ate q chegamos noutro canionzão q acompanhamos outra vez pela mata, na margem direita, e la encontramos uma picada bem evidente q ia na direção desejada. Como ir pela picada vereda bem mais q pelo rio não tivemos duvida e fomos por ela, ganhando tempo. Mas as 17:30 esbarramos com 3 jovens (um deles segurando uma galinha desesperada pra não ir pra panela!) numa barraca q nos informou já estarmos no Poço das Moças!!! Dito e feito, olhei com atenção em volta e realmente aquele lugar me era conhecido, havíamos concluído a travessia!! Uhuuu!
Se prosseguíssemos 500m abaixo desembocaríamos numa represa e depois o Quilombo corria manso, quase na horizontal, em meio ao bairro do mesmo nome ate desaguar próximo da Rodovia Piacangüera. Uma fina garoa voltava a cair e nos presenteamos um momento de descanso e de lanche naquele bucólico lugar enqto conversávamos com o trio, q fazia parte dos “Funiculeiros”, grupo q costuma andar pelo antigo sistema funicular de Paranapiacaba serra a abaixo, e vice-versa.
O papo tava bom, mas tínhamos q ser ligeiros e rápidos. Eu estava preocupado com o q ainda tínhamos pela frente, afinal a travessia havia sido concluída, mas não a trip! Havia ainda q vencer os 1180m q nos separava da vila de Paranapiacaba através de uma trilha q eu conhecia razoavelmente, porem isso com luz natural. Como o ultimo q desejava era andar a noite apressei meus colegas pq afinal á noite tds os gatos são pardos e qq coisa pode ser uma trilha, podendo haver alguma confusão no caminho.
Nos despedimos do trio funiculeiro e as 18:45 iniciamos o longo e íngreme caminho q tínhamos pela frente ainda. E tome uma forte e interminável piramba quase na vertical – similar à do Corcovado de Ubatuba – q num piscar de olhos ensopou nosso rosto e nos separou uns dos outros! Mas a declividade era apenas um dos obstáculos, pois umedecida pela chuva fazia com q déssemos um passo e retrocedêssemos dois, escorregando! E assim fomos ganhando lentamente altitude ate o som do rio ficar lá atrás. A subida tb exigiu bastante do Fernando, q teve q parar em mais de uma ocasião acometido de fortes cãibras nas pernas e uma dor-de-cabeça dos infernos.
Após um tempão q pareceu interminável começaram a surgir as bifurcações q geraram duvida da minha parte, mas esta preocupação se diluiu assim q a picada nivelou e subiu em ziguezagues a encosta, dando na Pedra Lisa e onde nunca tomamos água com tanto gosto, já quase escurecendo. Daí começou outra vez uma íngreme subida vertical onde os atalhos apenas mais confundem q ajudam qdo se tem pouca visibilidade, o q nos obrigou a usar as headlamps. Mas ainda assim isso foi insuficiente, principalmente qdo o único q conhecia o caminho (mais ou menos) era eu, e olha q à noite sou cegueta total em virtude da minha maledeta miopia, mesmo com lanterna. Por isso q evito andar a noite, pois não confio em meus instintos.
Aquela altura estávamos ensopados por completo pela chuva q novamente caia e após duas bifurcações em “T” numa piramba vertical começamos a bordejar a encosta direita da montanha durante um tempão. Já eram quase 20:30 e na demora obvia em alcançar o “Mirante” q a ficha caiu: nalgum lugar havíamos tomado a picada errada!!! Bosta!!!
Particularmente estava muito cansado e já não raciocinava nem enxergava direito, só vendo a hora de encostar nalgum canto e desfalecer. O pessoal insistiu em prosseguir, mas foi voto vencido qdo percebeu q isso só nos levaria mais longe ainda, q já estávamos no rumo errado. E andar noite adentro às cegas tava fora de cogitação! Conclusão: não terminaríamos infelizmente naquele dia, daríamos um jeito de passar a noite ali e terminaríamos somente na manha sgte!
E assim cada um aninhou-se do lado da picada como pôde. Eu trazia minha rede á tiracolo e não tive problemas em arrumar duas arvores pra acomodá-la me cobrindo com um plástico pra proteger da chuva, já o Fernando e o Abade dividiram um plástico e isolante no chão e se cobriram com uma pequena lona enqto tentavam se acomodar ora sentados ora deitados. O fato era q estávamos tão cansados q nem sequer comemos, mal improvisamos nosso pernoite trocamos nossa roupa encharcada por outra mais seca e quente q apagamos, ou pelo menos tentamos dormir.
Meu sono foi de certa forma através de capítulos, pois dormia um tanto e acordava outro, mas não pelo desconforto e sim pela fria umidade q a rede depositara na região dos meus quadris. Mas bastou vedá-lo com varias sacolas plástica de supermercado q tornei a dormir feito anjinho. Já o Fernando e Abade tentavam dormir ora sentados, ora virando de um lado pro outro naquele chão folhado irregular naquela noite q pra eles pareceu não ter fim. Por sua vez a idéia do tempo era ditada pelo apito do trem nalgum lugar ou pelo intermitente “toc, toc, toc!” de um picapau martelando nalgum lugar. Felizmente a chuva cessara na calada da noite, mas já havia deixado seu estrago.
O domingo amanheceu radiante e sem vestígio algum de nuvem, e assim q clareou levantamos doloridamente dos nossos respectivos cafofos. Enqto arrumávamos as coisas, as 6:30, eis surge um senhor no meio da mata acompanhado do seu cachorro, q ate imaginamos em se tratar ou de um guarda municipal ou caçador, pois trajava roupa camuflada. Q nada, seu nome era Felix e apresentou-se como morador da região q apenas costumava passear ali aos domingos. Claro q não pensamos duas vezes em indagar-lhe da trilha pro Mirante, o q apenas confirmou nossas suspeitas de q havíamos deixado passar a picada certa bem atrás alem de nos indicar um oportuno atalho pra direção correta.
Nos despedimos do prestativo senhor e após subir durante pouco tempo outra piramba serra acima não é q emergimos no maledeto Mirante, as 6:44, agora sim na cota dos 1185m de altitude?? Pois é, havíamos pernoitado próximo de onde desejávamos chegar e q isso sirva de lição de saber como a luz natural é diferencial pra reconhecer ou não uma picada certa no mato. E de não ir alem dos próprios limites qdo as forças já não permitem, pois ai dá-se margem pra desatenção e descuidos. E pros perdidos, naturalmente.
A partir do Mirante já é caminho da roça e não tem mais segredo. Após entrar e sair da mata, descer td estrada de paralelepípedos da Boa Vista e passar pelo portal do Pq Municipal das Nascentes sem alma viva na guarita, damos finalmente no centro da vila de Paranapiacaba as 7:30, q sequer havia amanhecido incluindo o Bar da Zilda, ainda de portas fechadas. Enqto os primeiros turistas começavam a chegar à vila nos íamos zarpando e so tomamos nosso sarado café-da-manhã em Rio Grande da Serra, por volta das 8:30, onde comemoramos a perrengosa porem vitoriosa empreitada. Dores musculares pelo corpo td e espinhos nas mãos por retirar era um tributo ate mais baixo cobrado pelo Quilombo pela aventura e tanto q havia nos proporcionado.
Espécies raras na vegetação, arvores frutíferas, animais de vários tipos e tamanhos cortados por um sinuoso rio cristalino serra abaixo. Esse é o Vale do Quilombo, uma área aproximada de 10km de comprimento por 2km de largura q ainda se conserva quase virgem. Sem necessariamente macacos gigantes, ferozes dinossauros ou canibais comedores-de-gente, porém detentora de uma imensidão verde de Mata Atlântica, o Quilombo ainda detém programas selvagens inesgotáveis à direita, a escarpada Serra do Jurubatuba e, à esquerda, as encostas da Serra da Boa Vista. Tem ainda o Morro Cabeça de Negro no fundo do vale. Com uma riqueza de mananciais e espécies exóticas o Quilombo parece pertencer a outro mundo.
E como estes atributos vão alem da charmosa vila inglesa e da opulência da mata q forra seu parque municipal homônimo, basta apenas um fds de bom tempo e disposição pra meter as caras pra perceber q nossa vizinha Serra do Mar não deve em nada em aventuras emocionantes à misteriosa “Ilha da Caveira” do filme do Peter Jackson.
Texto e Fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos