"Imprevistos. Não vou poder mais ir com vcs. Boa trilha.", escancarava o torpedo q a Lu me enviava logo cedo naquela manhã cinza e preguiçosa de sábado. Tb pudera, quem se animaria a sair pro mato naquelas condições pouco favoráveis, onde uma garoa fina fustigava o rosto com respingos gelados? Nós, claro. Com uma integrante a menos, sobravam eu e o Carlos "Mamute" agora desembarcando em Rio Gde da Serra as 7:45hrs, indo de encontro c/ Clayton e Fernando q nos aguardavam tomando um rápido desjejum na tradicional Padoca Barcelona.
Após engolir pães-de-queijo entre goles de café, corremos de imediato pra não perder o latão q recém-partia p/ vila inglesa, pontualmente as 8hrs. Hippies, locais, coreanos e até mendigos dividiam confortavelmente os poucos lugares ocupados no busão, q em dias ensolarados se espreme de gente saindo pelas janelas. Num piscar de olhos deixamos a cidade pra então tomar a retidão do asfalto rasgando a enorme planície verdejante, onde os cumes de seus suaves morrotes eram encobertos pela serração habitual de dias chuvosos.
Mas não deu nem 10min de viagem q passados 2km após a Solvay desembarcamos em frente às fumegantes chaminés da industria petroquímica Elclor, à esquerda do asfalto. A chuva fina caia sob o rosto já nos dando uma prévia do q viria, jogando uma pá de cal no restante de nossa tola esperança do tempo melhorar. Felizmente está td ensacado dentro das mochilas e sendo assim ignoramos a entrada da tradicional "Trilha da Fumaça" (ou "do Lamaçal") retornando pela estrada algo de menos de 1km até adentrar noutra picada, onde um monte de entulho parecia barrar a entrada de trilheiros.
Uma vez na chamada "Trilha dos Jipeiros", q adentra na planície em meio a mto charco, brejo, lama e poças fétidas, basta tocar pro sul indefinidamente. A trilha sonora da pernada é embalada pelo chapinhar na água e respingos de chuva q só é quebrada pelo zumbido eletrostático ao passar sob torres de alta tensão, assim como pela animada conversa de causos e principalmente fofocas, , com destaque pro "affair" nórdico do Clayton. O avanço é rápido, tranqüilo e desimpedido, e após andar um tanto o terreno mostra sinais claro de erosão e da mata arbustiva aumentar de tamanho. Estamos enfim entrando na floresta.
Nossa esperança de manter os pés secos se dilui ao ter de cruzar o primeiro riozinho com água até as canelas, uma vez q os troncos sobre um enorme tubulação de cimento q serviriam de ponte se encontram totalmente lisos feito sabão. Emergimos no aberto apenas pra picada agora acompanhar as torres de alta tensão e depois mergulhar outra vez na mata fechada, agora descendo suavemente num chão repleto de limo escorregadio. Desembocamos então noutro riozão, q é atravessado facilmente com água acima das canelas, e dar continuidade à caminhada pela outra margem. Mas logo a picada vira pra direita mas nos tomamos outra menos obvia saindo pela esquerda q acompanha a margem direita do rio anteriormente cruzado. Este rio será nossa referencia pro restante da trip.
Na seqüência a caminhada alterna ambas margens do rio, nos obrigando a cruzá-lo em ziguezagues umas 4 vezes. Se andar pela margem não tem problema algum, as travessias do mesmo já são feitas com calma e cautela devido a forte correnteza, os pés devem saber pisar firme no fundo pedregoso, pois basta perder o equilíbrio ou pisar em falso q é tchibum na certa! Ate ali já estávamos ensopados dos pés à cabeça e o q nos mantinha aquecidos era a adrenalina q certamente corria pela corrente sanguínea
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Após costurar o rio um tanto terminamos dando num trecho marcado por uma clareira, onde a picada desembocou noutra clareira maior q imediatamente reconheci. Fora ali onde havíamos sido assaltados há dez anos atrás! A clareira assinalava a beirada do planalto e era ali onde o rio despencava serra abaixo numa seqüência de cachus enormes, cujos estrondosos rugidos eram ouvidos de longe! Antes, porém, um enorme e convidativo poção imediatamente trouxe a antiga lembrança de qdo havia mergulhado em sua gelada água. Esse aí é o tal "tanque" q nomina a trilha, tb chamado de "Lago Cristal", de onde tb pende agora uma corda de uma arvore pra quem quiser um mergulho mais adrenado.
Pra nossa surpresa, na enorme clareira havia um grupo de moleques aparentando montar alguma tenda pra se proteger da chuva, ao lado de mto lixo. "Aí truta, cê tem um cigarro aí?", um deles dirigiu a palavra pra mim, pra depois ouvi-lo dizer pro amigo q a maconha dele havia molhado. Assim q percebemos q estavam entupidos de "cannabis" na cabeça, acenamos pra eles e pulamos fora. Pois é, é esse tipo de "gente" q queima o filme dos trekkers responsáveis e emporcalha as trilhas…
Pois bem, daqui começava de fato uma descida de serra bem íngreme e a trilha foi perdendo altitude rapidamente em meio a muita desescalaminhada. Troncos, galhos e pedras serviam de agarras dando as mãos tanta importância qto os pés, ate desembocar em níveis serranos cada vez mais íngremes e dar num ombro rochoso cercado de mata q representou o fim da linha pra gente. A partir dali não havia mais trilha e, em tese, a continuidade do trajeto se dava através do leito pedregoso do rio, pelo qual agora corria o triplo de água costumeira com força suficiente pra moer td mundo num piscar de olhos. Enormes e furiosas cachoeiras despencavam ao nosso lado impondo sua presença, e assim sucessivamente rio abaixo. Olha, até poderíamos ter tentado prosseguir mas seria arriscado demais. Na pior das hipóteses não conseguiríamos retornar. Fim da linha mesmo.
Pra não escalaminhar td novamente resolvemos explorar uma picada avistada na íngreme encosta e la fomos nos, varando mato e nos firmando na vegetação à disposição até alcançar a mesma. Uma vez nela ganhamos uma crista florestada ingreme com mato caindo de ambos lados q bastou subir. Subida está dificultada pelo chão de terra molhado q nos obrigava a dar um passo enqto retrocedíamos dois, escorregando. Firmar na mata? De forma alguma, uma vez q era td formada de xaxim e troncos espinhentos, o q não nos livrou de tombos e capotes.
Mas qdo o terreno arrefece, logo acima, terminamos dando num bem-vindo ombro serrano onde havia outra clareira, porém mais isolada e afastada do rio. Infelizmente tb havia vestígios de lixo -entenda-se restos de barraca, latas e garrafas de pinga – mas o local era mto mais simpático q a outra clareira ao lado do poção, embora desprovida de água. Dali partia uma trilha q acompanhamos um pouco, mas terminou não dando em lugar nenhum, nos obrigando a retornar.
A chuva engrossou consideravelmente assim como o rugido das cachus no vale ao lado. Foi ai q caiu a ficha q deveríamos retornar imediatamente, pois havia q cruzar o rio varias vezes e corríamos o risco de ficar ilhados ali caso o volume não permitisse cruzá-lo. Apressadamente cortamos caminho ate a picada principal, q agora era um riacho só, através de outra q logo desembocou próximo do poção, e dali fomos costeando o ribeirão de horas atrás, q de fato tinha seu volume de água redobrado.
Preocupados com os trechos de travessia, avançamos pela margem, agora com água quase na cintura, até q enfim veio a primeira travessia. Vagarosamente cruzamos ao outro lado, sentindo a força do rio batendo na gente e por esta razão havia q saber bem onde pisar, manter o equilíbrio e dali dar o próximo passo. Mamute, sendo mais pesado foi na dianteira, dando à mão pros demais na sequência. E assim sucessivamente fomos alternando as margens. "Meu, esses moleques fumados tão ferrados se pensam voltar hoje ainda!", pensamos.
Contudo, o pior ainda estava por vir. Havia ainda de vencer um trecho onde era necessário desescalar uma rocha inclinada e cruzar o rio justo onde ele se afunilava com força redobrada. O temor era justificado pq já havíamos tido alguma dificuldade de atravessá-lo na ida com menos água. O Mamute foi na dianteira se firmando na vegetação, mas não demorou pra pisar em falso, cair na água e ser levado pela correnteza por alguns metros, onde já era mais raso e conseguira se ancorar nas pedras ao redor. "Segura ai, Mamute!", gritou o Clayton jogando um toco de madeira, quase acertando a cabeça do nosso colega. Mas peralá? Jogar um toco de madeira sem base alguma na margem?!?!
O gesto transloucado e instintivo do nosso amigo gerou as gargalhadas necessárias pra quebrar o gelo do susto passado. Sendo assim, tivemos q fazer uso da providencial corda q o Fernando sempre carrega à tiracolo nessas ocasiões, onde o Mamute desta vez conseguiu atravessar e ancorá-la numa arvore da outra margem. Após o Fernando foi a minha vez de cruzar a bodega, onde realmente tive dificuldades de encontrar uma base firme num trecho mais fundo. Qq desequilíbrio significaria ficar à mercê do rio pendurado pela corda, q àquela altura tava na altura do pescoço. "Não vai se enforcar ai, Jorge!", Fernando gritou, rindo na cia do Mamute. Após uma eternidade consegui cruzar esse troço, respirei aliviado pra na seqüência ver o Clayton finalizar o trecho critico daquele dia.
O resto do trajeto foi fichinha em relação ao q já havíamos passado, ao mesmo tempo em q a chuva aparentava dar uma trégua. Após cruzar o rio a ultima vez, sentamos na margem a fim de beliscar um lanche, descansar e remover a areia acumulada nas botas. Foi ai q surgiu um improvável grupo de escoteiros, lobinhos e bandeirantes do nada, guiados pelo q parecia ser um monitor da vila!!! Pelo visto não éramos os únicos malucos q saem pro mato naquelas condições climáticas. Mas o q conferia ainda mais bizarrice àquela cena era ver aquelas crianças e alguns adultos trajados daquele jeito peculiar no melhor estilo Kiko, do seriado "Chaves". Bermuda e camiseta bege, saiote e gravatinha no meio do mato naquela chuva?!
Bem, só sei q os informamos das condições do restante da trilha, dos malucos fumados da clareira e da dificuldade em cruzar o rio, q certamente seria triplicada no caso deles em virtude de ser um grupo numeroso. "A saia da escoteirinha vai virar do avesso feito guarda-chuva ao vento, no segundo rio", pensamos. Mas qual nossa surpresa q eles resolveram prosseguir mesmo assim, o q julgamos no mínimo irresponsabilidade de quem os guiava. Seu destino era incerto e deles não soubemos mais, mas é aquela coisa: "quem avisa amigo é."
Refizemos td trajeto na volta, mas tomamos uma estrada de manutenção paralela q nos deixou no portão de entrada dos etilenodutos da Petroquímica União, já no km 43, próximo da Solvay. Uma vez no asfalto tocamos pé-na-estrada qdo a chuva tornou a cair com força sob nossas cacholas, pernada interminável esta de quase 4km , ate chegar em Rio Grande da Serra, por volta das 13:30. Mudamos nossas vestes úmidas por indumentárias mais secas e nos entocamos num restaurante. Lá mandamos ver uma deliciosa feijoada embalada c/ brejas e caipirinhas pra finalizar aquele breve perrenguinho molhado e adrenado pela Serra do Meio, local ao qual retornaremos pra completar o circuito planejado.
Situada a meio caminho de Rio Gde da Serra e Paranapiacaba, a Serra do Meio há muito deixou de ter os assaltos e a presença de gente suspeita de outrora. Basta ter tb bom senso. A prefeitura não deu condições de subsistência de quem não quisesse trabalhar além de haver policiamento esporádico da região tanto da Guarda Civil como da Florestal, apesar do setor norte da Serra do Poço, do Meio e Mogi estarem situados em área particular de Sta André fazendo divisa com o Parque Estadual.
Dessa forma, distante da vila inglesa q injustamente recebeu a fama das ocorrências dali, a Serra do Meio ressurge no cenário despontando com opções de descidas serranas e pequenos circuitos regados com mta água. Pernadas pra andarilho nenhum botar defeito, ou simplórios bate-volta como a "Trilha do Lago Cristal" ou "Trilha do Tanque", conforme preferir. Pois pra mim esta ultima sempre será conhecida como "Trilha do Assalto".
PS: Pra quem se interessar em ler o relato do pitoresco incidente do assalto, o link é este.
https://altamontanha.com/colunas.asp?NewsID=898
Texto &, fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos