Nem mesmo o imprevisto de falta de gasolina bem no meio do Rodoanel nos demoveu da idéia do bate-volta daquele dia. Eu e o Nando havíamos deixado Sampa de madruga rumo a pitoresca vila inglesa qdo o carro nos deixou na mão no meio de nada e lugar nenhum, já no asfalto próximo de Mauá. Nada q o guincho do seguro não resolvesse, pois até nos deixar no posto de gasolina mais próximo já havíamos perdido quase td o tempo ganho por ter madrugado. O q importava mesmo era q a trip ainda estava de pé, mesmo com certo atraso.
Chegamos em Paranapiacaba por volta das 8hrs onde ainda tivemos tempo de tomar um café na Zilda, q recém abria seu famoso e tradicional boteco. O sol já nos espiava acima da serra naquela manhã fria, onde a nebulosidade inicial depois daria lugar a um céu azul despido de qq vestígio de nuvem. Mochilas de ataque nas costas, pusemo-nos a andar a passos rápidos rumo o portal do Pq Mun. das Nascentes, estrada acima. Após cruzar uma guarita (felizmente!) vazia veio a famosa subida pelos paralelepípedos da Estrada da Boa Vista, q um tempo depois abandonamos em favor da famosa e bem sinalizada “Trilha do Mirante”. O frescor da mata naquele inicio de manha abranda o calor gerado pelo corpo, q por sua vez se traduz na forma de algumas gotas de suor escorrendo pela ponta do nariz. Uma simpática vira-lata resolveu nos acompanhar a trip td, a quem passamos a chamar de Branquinha. Tentamos nos livrar dela, sem sucesso, lógico.
As 8:40 emergimos no alto dos 1020m do amplo descampado do , famoso Mirante, onde fizemos uma breve parada. A vista daqui é sempre espetacular e digna de nota: os contrafortes serranos opostos represavam a nebulosidade matinal predominante na Serra de Paranapiacaba, la embaixo, o Vale do Mogi q já foi percorrido de tds as formas imagináveis (e inimagináveis) corria sinuoso ate se perder em Cubatão, já na Baixada Santista. Mergulhamos então na mata em direção ao Poço das Moças, descendo a passos rápidos pela “Trilha do Zigzag”. Íngreme, úmida e escorregadia, esta picada faz jus ao nome alternando largos vai-e-vens pela encosta e por estreitas cristas com forte declividade, onde havia q se firmar na vegetação ao redor.
Dessa forma não demorou a alcançar a igualmente famosa Pedra Lisa, as 9:20, já na cota dos 580m. Aqui tentamos nos livrar outra vez da Branquinha, já prevendo q poderia nos dar problemas durante a subida de rio e consequentemente gerar atrasos. Não tivemos sucesso, a pulguenta não arredou pé da nossa cia e vinha sempre no nosso encalço qdo enxotada. Paciência. Eu, mais rude, totalmente insensível e visando somente o sucesso da trip dentro do prazo, disse pro meu colega q a cadela estava por conta e não seria ela q colocaria em xeque nosso cronograma. Mas o Nando, demonstrando mais sensibilidade com bichos q com gente, decidiu se responsabilizar pela bichinha qdo esta quase deslizou Pedra Lisa abaixo… Aiaiai..
A pernada tem continuidade em suaves ziguezagues pela encosta pra depois a declividade apertar forte no momento em q se perde altitude por uma obvia crista, com mato caindo vertiginosamente de ambos os lados. Podemos ouvir claramente o som furioso de água correndo à nossa volta: do Córrego da Pedra Lisa à direita e o Rio Quilombo à esquerda, num fundo vale. Perdendo altitude rapidamente, o caminho não oferece nenhuma dificuldade a não ser alguma mata tombada da qual basta desviar, e alguns carrapichos q decidem se agarrar inconvenientemente no cabelo.
Chegamos às margens do Poço das Moças as 10hrs, já na cota dos 100m de altitude, onde nos presenteamos com meia hora de descanso e lanche. A água esta fria demais pra um banho, razão pela qual apenas ficamos lagarteando ao sol sobre os enormes lajedos as margens do Rio Quilombo. A Branquinha não se faz de rogada e, depois de devorar o lanche do Nando, puxou um ronco num piscar de olhos. Mas q não durou mto tempo, diga-se de passagem. Se vem com a gente vai entrar no esquema do Capitão Nascimento e não vai ter moleza alguma, sem duvida! Ser um bichinho de estimação não lhe dá nenhum privilégio durante o perrengue, pelo menos não da minha parte.
Pois bem, retomamos a pernada as 10:30 avançando alguns metros rio abaixo por trilha, ate interceptar o córrego da Pedra Lisa, mais precisamente onde ele deságua no Rio Quilombo como mais um dos seus tributários. Aqui tem alguns totens sobre lajotas de pedras q marcam propriamente dito o inicio da jornada, córrego acima. A pernada inicia pela mata da sua margem esquerda, onde aparentemente havia uma trilha q logo sumiu, nos forçando a saltar de pedra em pedra atraves de seu leito. Aqui eu fui pelo rio enqto o Nando e a cadelinha foram varando mato pela encosta. Este inicio de trip não tem muita dificuldade, pois o avanço em meio as enormes pedras desmoronadas do rio é relativamente facil, embora sempre haja o cuidado de resvalar no limo visguento depositado sobre elas. O declive é razoável, o q nos brinda com vários poços represados e cachus de porte médio durante o trajeto.
Contudo, não demoram a surgir as gdes cachus, uma atrás da outra. Lajes bem inclinadas de onde agua despenca verticalmente e impossíveis de enfrentar diretamente nos forçam a desviar pra margem direita, onde a encosta na mata aparenta ser mais “escalaminhável”. Aqui notamos q a Branquinha tem medo de água e se recusa a molhar os pés, ou melhor, as patas.. motivo pelo qual o Nando teve q carregá-la em tds as travessias do rio. Haja folga dessa pulguenta!
Com o Nando varando mato pela encosta e eu escalaminhando pedras no leito do rio, ganhamos um patamar acima da seqüência de cachus onde a declividade suavizou, por volta da cota dos 250m. Ali tb encontramos vestígios de acampamento. Caçadores? Palmiteiros? Ou apenas jovens farofeiros? Não sei, apenas vimos q havia muito lixo depositado. O GPS do Nando acusa estarmos na cota dos 250m, a aproximadamente 70m de distância da trilha pela qual viemos horas atrás. Com o rio nivelado bastou avançar desimpedidamente, ora numa margem ora noutra. A declividade surgiu de forma imperceptível apenas qdo tivemos q avançar através de uma ilha onde o rio separou-se em dois braços, pra depois juntar-se novamente um pouco mais acima, na cota dos 330m.
Mas td q é bom dura pouco pq não demorou pro terreno mostrar-se mais elevado e encachoeirado, e a pernada transcorreu no mesmo compasso, costurando ambas as margens conforme dava. E o cachorro sendo levado no colo. Chegamos então ate a base de uma enorme queda, mais precisamente uma gde laje de onde escorria muita água. Aqui notamos q um gde paredão rochoso impedia o acesso pela direita, razão pela qual fomos forcados invariavelmente a seguir pela esquerda, onde o acesso aos níveis superiores era mais tranqüilo, através da mata e pedras desmoronadas.
Por sorte, a rasgação de mato pela encosta íngreme era ate q bem fácil, sem gdes dificuldades e assim ganhamos fomos ganhando mais altitude ainda. Ao dar uma espiada através da vegetação rente o rio, qual minha surpresa ao ver q acompanhávamos um mega-tobogã de gdes proporções e assim atingimos o alto da tal cachu, já nos 400m de altitude. Por sua vez, a Branquinha parecia estar sentindo o tranco da subida, pois era só parar um pouco q ela se jogava no chão, pronta pra dormir.
O terreno a partir daqui só tendeu a ficar cada vez mais íngreme e acidentado, nos obrigando a subir sempre pela encosta direita, onde o rio ao nosso lado sempre nos brindava com enormes cachus e belos poços rasos de água cristalina. Enqto o Nando e a Branquinha subiam pelo q era uma crista ascendente, eu ganhava altitude através das pedras de um caminho d´água seco, sem perdê-los de vista e vice-versa. Após ladear uma enorme rocha pela direita, notamos q nos afastávamos demais do rio e daí rasgamos mato pra ir de encontro c/ ele. Foi onde eu tropecei num belíssimo mirante rochoso, onde podia avistar tds as cachus abaixo percorridas, assim , como os verdejantes contrafortes serranos do outro lado do vale servindo de moldura pra essa paisagem.
A ascenção prosseguiu no mesmo compasso anterior, sempre pela íngreme encosta da mata, uma vez q o rio era uma sucessão de enormes lajotas encachoeiradas e pirambas semi-verticais. Foi ai q em meio a frestas na vegetação nos demos conta q já estávamos próximos do nosso destino, principalmente qdo vimos uma mega-cachoeira logo acima. Fomos de encontro ao rio e alcançamos o poço q td indicava ser a base da Cachu da Pedra Lisa, as 13:10, na cota dos 520m de altitude!! Água despencava de uma altura enorme através de vários níveis lajotados quase verticais e impossíveis de serem escalados, não pelo menos sem ajuda de corda. Foi ao redor do tal poço raso e de águas geladas da cachu q nos presenteamos com um breve descanso. A Branquinha não se fez de rogada e puxou um ronco, o Nando não fez cerimônia e encarou um tchibum naquela friaca, e eu não me fiz de rogado e simplesmente fiquei ali, apenas contemplando o rio em seu trajeto serra abaixo, dono absoluto daquele mirante privilegiado.
Pois bem, o trecho final era impossível de ser vencido pelo rio, motivo pelo qual simplesmente fomos obrigados a seguir pela íngreme encosta à esquerda do mesmo, escalaminhando a mata num chão q se esfarelava à nossos pés. Dávamos um passo e retrocedíamos dois. Eventualmente avistávamos o q parecia ser vestígios de uma trilha mas q logo desaparecia, nos forçando a novamente varar-mato espinhento no peito e do qual a calça do Nando saiu td em frangalhos parecendo tanga do Tarzan.
Foi então q as 13:30 desembocamos no alto dos 580m da Cachu da Pedra Lisa, onde comemoramos o sucesso da nossa ascensão do Córrego do mesmo nome. Após descansar um pouco retomamos o árduo caminho de volta pela trilha principal, retorno q nunca nos pareceu , tão interminável como naquele dia. Era subida q não acabava mais e imediatamente ensopou nossas camisas de suor. Claro q nosso avanço foi na base do passo de lesma-com-preguiça, sem pressa alguma. A Branquinha ainda tinha energias pra se enfiar td serelepe no meio da mata atrás de passarinhos, pra depois aparecer do nada e nos pregar altos sustos.
Subitamente um espesso nevoeiro tomou conta do alto da serra, e portanto sabíamos de antemão q ao atingir o Mirante não teríamos visual nenhum. Foi então q tomamos outra trilha q evitava passar pelo mesmo, contornando o topo pra depois cair na famosa picada “Volta da Serra”, onde acompanhamos o córrego q abastece a Cachu Escondida. Não tardou a cair na trilha principal, e dali pra chegar estrada principal era pura questão de tempo. No caminho, fomos recolhendo o lixo q outros turistas – aqueles levados pelos guias/monitores - , menos responsáveis deixaram pelo trajeto.
Finalizando, chegamos na vila de Paranapicaba as 15hrs q por sua vez estava imersa em seu habitual “fog” londrino. Despedimos-nos da brava e valente Branquinha, q pareceu se engraçar com outro vira-lata da vila e preferimos não atrapalhar o clima q rolou entre os dois. Claro q antes de ir embora estacionamos no Largo dos Padeiros, onde mandamos ver doses de pinga de cambuci somadas a rodadas intermináveis de cerveja.
Foi ali q conhecemos duas mochileiras canadenses q estavam hospedadas ali, e qual nossa surpresa q estavam no pais a apenas 2 dias e q a vila inglesa fora o primeiro destino da lista delas!!! Ou seja, do aeroporto vieram direto pra cá! Pois é, Paranapiacaba e até o Bar da Zilda constam com destaque no “Lonely Planet”, atraindo gringos do mundo inteiro… e estranhamente tem gente daqui mesmo, do nosso Brasilzão, q desdenha seu próprio quintal e faz pouco caso da nossa sempre maravilhosa Serra do Mar paulistana. Vai entender…
Atualmente a “Trilha da Pedra Lisa” passa por um projeto de restauração, pois é bem verdade q a vereda está repleto de atalhos (resultantes do uso inadequado dos visitantes) q somados à ação continua da água provocam a erosão e destruição do caminho original. Mas até q haja o manejo e melhora propriamente dita ainda deve levar um bom tempo, até pq agora não há nada visivelmente palpável na trilha a não ser sua proibição. Enqto o acesso estiver vetado, porém permitido a quem tiver guia/monitor, uma opção é subir o Córrego da Pedra Lisa a partir da baixada santista, ou tentar outras variantes deste trajeto. Pq agora essa parece ser a única forma de manter viva a lembrança de uma das gdes vedetes serranas de Paranapiacaba. E torcer pra q seu chão úmido torne em breve a ser novamente pisado sem qq ressalva ou impedimentos.
Texto fotos: Jorge Soto
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