Ortigueira vem aos poucos atraindo cada vez mais a atenção dos escaladores. Primeiro com a conquista de vias no Pico Agudo e Agulha Reinhard Maack por Andrey Romaniuck, Alessandro Haiduke, Elcio Muliki e amigos. Agora, com a descoberta dos Três Pontões de Ortigueira, na Serra Pelada, aumentou significativamente o potencial de novas vias na região.
Os três pontões foram descobertos pelos escaladores Claudiney Gloor e David Moskoski que se encantaram com o local. O próprio Claudiney declarou que lá pode ser considerado o principal point de basalto do Paraná.
Apesar de ser conhecido há pouco tempo, já existem 3 vias e 3 projetos no local. Confira o relato de Edemilson Padilha* que neste final de semana conquistou uma via na montanha:
No fim de semana passado conheci um lugar que nunca imaginei poder encontrar no interior do Paraná. Explico-me: a maioria das paredes do interior do estado gira em torno de 20 a 30 metros, raramente alguma de 50 metros de altura. Bom, agora tem paredes de 150 metros!!!!! Não que tenham surgido agora, mas recentemente foram encontradas por um escalador de Londrina, o David Lyra. Ele e o Claudiney Gloor, de Cambé, foram os que tiveram a honra de inaugurá-las, abrindo uma via de 130 metros de extensão.
Estas paredes estão localizadas no município de Ortigueira, PR, no meio do caminho entre Ponta Grossa e Londrina, a 150 Km de uma ou de outra. Partimos de Curitiba no sábado na hora do almoço, eu e o Alexandre Lorenzetto, chegamos em Ponta Grossa para resgatar mais um membro da expedição, o Willian Lacerda. Equipe completa e pegamos a estrada rumo à Serra Pelada. Como era de se esperar os cento e poucos quilômetros do Willian se transformaram em 150…escalador sempre fala que é perto, acho que é porque o caminho não importa muito, o que interessa é ter uma via bem difícil pela frente.
Mas o problema é que fomos nos aproximando e nada de enxergar as paredes. Só a uns minutos delas é que tivemos uma visão parcial e já ficamos impressionados. Todavia quando adentramos o vale aonde as torres verticais se erguem, aí sim foi de arrepiar. De um lado uma cachoeira e de outro paredes que não acabam mais. Ficamos com cara de criança quando ganha um brinquedo. Mas já era tarde e precisávamos decidir aonde atacaríamos.
Como sempre surgem idéias mirabolantes em minha cabeça. Perguntei ao Willian: e aquelas paredes lá do fundo, o que você me diz delas, elas não parecem ser maiores? Ele respondeu que não tinha trilha de acesso e parecia que eram mais afastadas da estrada. Então eu quero abrir uma via lá, respondi. E ele me contestou: eu sabia que iríamos nos meter na pior opção possível, é sempre assim quando nos juntamos. Rimos enquanto colocávamos as pesadas mochilas nas costas. Atingimos a base das paredes do fundo em pouco mais de meia hora de vara-mato. Incrível, eram cheias de agarras, com possibilidade de abertura de dezenas de vias. Escolhemos a linha e subi confiante mirando um platô. Já nas primeiras agarras me dei conta de que a coisa não seria tão fácil assim, pois as pegas das agarras eram todas de 'mão aberta' ou agarras laterais e não haviam fendas neste primeiro trecho. De repente anoiteceu. Fixei a corda e desci.
A noite foi normal: macarrão, vinho, muito vento, friozinho, uma vaca mugindo e obviamente não conseguia dormir, pois em casa nunca vou pra cama as 9 da noite… Acordamos as 5 da madruga, mas só conseguimos nos arrastar pra fora da barraca as 5 e meia. Seguindo os conselhos de Mark Twight, do Livro Alpinismo Extremo, o Alexandre levantou antes e foi fazer café, seguindo a idéia de que aquele que não guia pelo menos deve ajudar a equipe em outras áreas, como cozinhar, organizar as coisas, preparar o café da manhã. E ele não poderia vestir a sua sapatilha porque tinha esfolado o dedo com um pé de pato…dá pra acreditar nisso??? Hehehehe. Mas equipe é assim mesmo, quando um não está bem os outros se esforçam um pouco mais para atingir o objetivo.
Depois de uma overdose de cafeína aportamos na base da parede. Jumareei pela corda fixa e segui conquistando. O processo é mais ou menos assim: miro um lugar aonde possa parar de alguma maneira, ou me apoiando em boas agarras ou com um cliff (gancho de metal), puxo a furadeira, bato a chapeleta (proteção fixa que fica na parede), coloco uma costura na chapeleta, passo a corda, penduro a furadeira usando uma outra costura e sigo adiante repetindo o processo.
Numa dessa a furadeira se enrolou na costura e na corda de guiar, foi um desastre, por sorte, depois de uma boa quantidade de palavrões ela decidiu se soltar e pude continuar. Com 40 metros bati uma parada, na base de uma fissura de dar medo, bem fininha. O Willian subiu e continuou a conquista. Neste ponto as chapeletas deram lugar a equipamentos móveis na parte mais negativa da via.
Foram 30 metros de muito trabalho que deram origem à cordada mais estética da via! E assim seguimos, com a maior parte da via bem vertical, em livre, em artificial, em espinhos…opa, isso mesmo, para chegar ao platô do final da terceira tivemos de atravessar um mar de caraguatás (aquelas bromélias espinhentas) e cactos.
Atingimos o cume lá pelas 5 da tarde, não sabemos porque não levávamos relógio. Só sabemos que foi uma das vias mais bonitas que já conquistamos em um dos lugares mais impressionantes que já estivemos. Rapel, caminhada, viagem de retorno até PG, café, mais viagem até Curitiba, e ainda deu tempo de assistir ao show do Metallica no 'Pop in Rio', digo Rock in Rio. O nome é em homenagem a uma das maiores bandas de rock, o REM, e também porque onde a parede é laranja é mais difícil!o
*Edemilson Padilha é escalador e empresário, dono da empresa Conquista Montanhismo e um dos maiores nomes do montanhismo brasileiro.