Interdição no Caminho do Itupava

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O Caminho do Itupava está legalmente interditado desde 6 de abril pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP – com a justificativa de que as chuvas de março derrubaram árvores e acumularam lodo sobre o calçamento, dificultando a caminhada e gerando desorientação em pontos críticos. Nada de grave para os montanhistas curitibanos que freqüentam a trilha desde muito antes de 2007 quando o banco alemão Kfw Entwicklungsbank financiou seu restauro possibilitando o aproveitamento turístico.

A interdição formal da velha trilha pouco interfere com os hábitos destes tradicionais montanhistas que conhecem as trilhas periféricas usadas para contornar as guaritas e são tratados com certa tolerância pelos encarregados do controle.

Para entender a interdição é necessário admitir que a partir do restauro percorrer o Caminho do Itupava deixou de ser uma atividade esportiva para se transformar num destino turístico que atrai muitos caminhantes pouco ou nada experientes na arte da navegação em selva. Pessoas que procuram aventuras, superação física e contato íntimo com a natureza sem mergulhar as botas no barro, ficam horrorizadas ao precisar escalar o tronco sujo de uma árvore tombada e podem facilmente quebrar a coluna numa escorregadela nas lisas pedras do calçamento.

Deste ponto de vista poderíamos dizer que as obras de recuperação já chegam com grande atraso e até mesmo aconselhar um trabalho de manutenção periódica ao final de cada verão para que os problemas não se acumulem e exijam outra interdição demorada.

A própria existência física do caminho causa uma falha de continuidade no dossel superior da floresta onde cada arvore apóia a seguinte na resistência ao vento e torna as mais próximas muito propensas a tombar com as tempestades da primavera. A entrada abundante de luz solar estimula o desenvolvimento desenfreado da vegetação rasteira que invade o caminho, as folhas que se desprendem no outono também obstruem os drenos e formam extensos lodaçais com as chuvas do verão além de apodrecer sobre o calçamento tornando as pedras escorregadias e perigosas.

Os trabalhos de recuperação da trilha foram entregues, através de licitação pública, a uma empresa sediada na Ilha do Mel sob o comando do Sr. Nelson ao custo total de R$ 45.000,00. Esta concorrência pública teve ainda o mérito de previamente ter afastado os oportunistas de plantão, que bem conhecemos, e estabelecer um teto de aproximadamente R$ 51.000,00 para todo o serviço que contou com uma segunda oferta de R$ 47.500,00. Considerando que os trabalhos já consumiram 35 dias de 12 homens e possivelmente ainda absorvam outros 10 dias até sua conclusão, calculamos grosseiramente que descontados os impostos e as despesas, o serviço não renda nem R$ 50,00 por diária a cada homem empregado.

A floresta tropical transforma o trabalho numa aventura contra o calor infernal nos dias de sol, da umidade penetrante nos seguidos dias de chuva, das nuvens de mosquitos ensandecidas e de noites terrivelmente frias e úmidas, além da longa permanecia distante da família e os desconfortos de comer com o prato nos joelhos e dormir no chão ouvindo o trem passar a cada hora.

Neste primeiro de outubro resolvemos descer o Itupava e aproveitar a entrada de nova frente fria com muita chuva para fortalecer as panturrilhas e tomar um sorvete artesanal em Porto de Cima. Recomendo o de coco queimado no Banana da Terra, bem em frente da igrejinha. E também vistoriar as obras no caminho. Segui juntamente com o Paulo Marinho, Moisés, Elcio Douglas e o Mikael que se prepara para em breve se tornar papai. Busão das 7:00 horas no Terminal Guadalupe e pouco depois das 8:00h já estávamos enfiados no mato andando pela trilha roçada e varrida numa largura de aproximadamente 2 metros.

A solidão é doce e por mim a trilha podia ficar interditada para sempre, mas a tranqüilidade foi interrompida na Casa do Ipiranga onde encontramos dois casais de legítimos 'farofeiros' vestidos a rigor. Nem a faca do Rambo estava faltando. Ocuparam a churrasqueira com sua parafernália improvisada e dezenas de sacolas brancas de supermercado espalhadas pelo ambiente. Na piscina vazia; vários montinhos do produto interno bruto parcialmente cobertos por papel higiênico. O Nelson nos comunicou que no dia anterior deixara a casa e todo o entorno limpo e varrido para a inspeção. Hilário ficou uma placa com a inscrição 'Propriedade da União' recém instalada na frente das ruínas. Como se fosse possível tamanho abandono e desinteresse pelo patrimônio numa propriedade privada.

Como em Cuba e afins aqui também a ideologia tacanha faz suas vítimas no patrimônio cultural e artístico de todo um povo já desmemorizado por natureza. As estações estão em ruínas, as vilas de operários desaparecendo tragados pela selva e destruídas por vândalos e o que resta do patrimônio não é transferido a iniciativa privada apenas por ideologia esquerdeopata. Depois que tudo estiver no chão caberá aos pequenos e malditos burgueses custear com seus impostos as obras de restauro.

Os trabalhos de recuperação já estão prontos nos aproximadamente 2/3 superiores da trilha e nos próximos dias devem alcançar as íngremes rampas do Cadeado. A qualidade do serviço é boa; o entorno está roçado, as calçadas varridas, os lodaçais estão limpos, os drenos desobstruídos e as árvores tombadas removidas para as laterais. Nada encontramos para que um ecochato radical possa reclamar, se bem que estes parasitas nunca precisam de motivos  para isto.

Na estrada a chuva se intensificou e apresamos o passo até encontrarmos uma velha Rural de carroceria estacionada nas proximidades da bifurcação para a usina. Paramos para ajudar no conserto com a expectativa de ganhar uma bem-vinda carona até o Porto de Cima, mas desta vez o destino  não colaborou. Depois de tentar todas as artimanhas possíveis só nos restou empurrar o traste velho até Centro de Visitantes do IAP, nas Prainhas, que nos custou o ônibus da 16:00 horas em Porto de Cima.

E mais uma vez terminamos o dia gelando o papo na sorveteria Banana da Terra enquanto esperávamos o prestativo Kaio que novamente sacrificou seu final de tarde para nos resgatar na saída do matagal.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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