A história desta via começou num tempo em que era difícil escalar, muito menos em Espanha, já que sair do país era um privilégio ao alcance de muito poucos.
A história desta via começou no seu nome, LIBERDADE 25. Começou precisamente à 38 anos, quando um golpe de estado militar depôs o regime ditatorial e iniciou um processo que levou à implantação da democracia com que hoje vivemos. 25 de Abril de 1974, a “Revolução dos cravos”, a busca da liberdade. Reza a nossa história bonita que uma florista em Lisboa, no dia da revolução, começou a distribuir cravos vermelhos pelos populares, que os ofereceram aos soldados. Estes colocaram-nos nos canos das suas espingardas.
Nessa altura, as forças do regime que se viram desprovidas de apoios militares não resistiram. A adesão da população ao golpe de estado foi maciça. O resultado foi uma revolução pacífica. Ainda assim, as balas da DGS (Direcção Geral e Segurança – ex-PIDE) ceifaram quatro vidas em Lisboa.
Na sequência desta revolução foi instituído em Portugal o feriado nacional 25 de Abril, "Dia da Liberdade".
Trinta e oito anos depois, pela manhã de 25 de Abril, debaixo de um sol meigo, caminhámos pelo encaixado vale de El Chorro até à segunda garganta. Do lado direito, estava a parede que tínhamos decidido explorar. Mais de 200 verticais metros de calcário sem qualquer via. Pelo menos a avaliar por todas as investigações que fizemos, corroboradas pela falta de qualquer vestígio humano tanto na parede como na sua base.
Sim, é difícil acreditar que uma parede daquela dimensão num local tão conhecido como El Chorro, não tenha sido palco de qualquer escalada. Por outro lado, se pensarmos em El Chorro essencialmente como um palanque de desportiva e aproximações curtas, a coisa já se compreende.
Depois dos 40 minutos de aproximação, e após decidirmos que direcção tomar naquele mar de rocha, lá nos metemos em trabalhos…trabalhos bons, claro!!!
Optámos pelo caminho fácil, o que geralmente se chama “a clássica da parede”.
Seguimos uma fissura/diedro que visto de baixo não parecia mais que IV grau. De facto não nos enganamos muito, os 3 largos que escalamos no primeiro dia variaram entre um V e um…6a+! A rocha? Absolutamente excelente! Uma agradável surpresa.
Atinginda a plataforma a que nos propusemos chegar nesse dia, decidimos fixar cordas e regressar no dia seguinte para completar a via. Esperávamos já que o dia seguinte fosse bastante mais longo. Não só porque nos faltava escalar cerca de 2/3 da parede, mas porque desta os largos já não se pareciam com IV’s graus! Lá em cima, os tectos que avistávamos faziam supor algo de…trabalhoso.
Para retemperar forças fomos jantar com toda a calma à nossa cantina no El Chorro, o restaurante “El Kiosko”. Sim, este comedor merece toda a publicidade que lhe fazemos. Comida boa, preços acessíveis (mesmo com vinho incluído!), atendimento simpático e localização fantástica em frente à albufeira da barragem de Guadalhorce. Vale a pena conhecer este local nas traseiras das paredes.
No dia seguinte o levantar foi doloroso, o desperta-a-dor tira-nos do sono pelas 5:30 mas a vontade de escalar apenas consegue vencer a de dormir pelas 6:00. Tarefas matinais, 40 minutos de aproximação e lá estávamos nós na grande jumareadela matinal!
Tínhamos pela frente 5 largos para abrir.
O primeiro do dia, fácil e rápido. O segundo e o terceiro começaram a puxar pelo cabedal. Ainda assim, a presença sempre constante de fissuras e a fantástica qualidade da rocha, permitiu rápida progressão.
Ao chegarmos ao fim do terceiro largo (sexta reunião da via), mesmo por cima das nossas cabeças desenhava-se um enorme tecto que fazia supor mais dificuldades. No entanto, ainda eram as 14:40, ou seja, tínhamos mais do que tempo para abrir os dois largos que faltavam, por isso, até fizemos uma pausa para trincar a “bela da sandocha”. Rapidamente nos apercebemos que podíamos contornar pela direita aquele grandioso extraprumo. Uns passitos de 6b e a coisa estava resolvida. Apenas um curto trecho neste largo apresentou rocha com “casquinha”, de resto, nada a reclamar. Ainda assim, pela dificuldade, pela casquinha, pelo investigar de que caminho seguir, este largo já foi mais demorado que os restantes.
A um largo do fim, estávamos bastante animados. A certeza de sair de dia, com tempo para celebrar ao sabor de uma cerveja na esplanada do “El Kiosko” deixava-nos sorridentes.
No entanto, com o passar dos minutos, das horas os sorrisos foram dando lugar a palavras que não vou escrever, a resmunganços, à progressão leeeentaaaaa. 30m de largo que nos levaram cerca de duas horas! Passos difíceis, ausência de fissuras, uma figueira chata onde se prendeu o cordino de içar a máquina de furar, tudo se conjugou para que o tempo passa-se e os metros fossem palmilhados vagarosamente. Pelo caminho, 4 plaquetes seguidas, um verdadeiro recorde ao longo de todos os largos!
Às 19:00 estávamos finalmente os dois no topo da parede a saborear uma vista magnífica, mas…lá se foi a esperança da cerveja ao sol! Havia no entanto esperança de alcançar o carro de dia e apanhar a cozinha do restaurante aberta, a tempo de nos servir.
Rapeis atrás de rapeis depositaram-nos no chão pelas 20:50. 10 minutos a arrumar e lá vamos nós a correr pesadíssimos vale fora para chegar ao carro no lusco fusco, pelas 21:30. Sim, chegámos a tempo de jantar! Se no dia anterior montámos a tenda pelas 21:45, desta chegámos ao “El Kiosko pela mesma hora, agora sem pressas com a boa sensação de que podíamos jantar sem pressas, pois no dia seguinte não havia hora para levantar…tãããoooo booommmm.
A falta de stress do dia a seguir ainda nos deixou escalar uma via desfrutona numa parede logo ali no início do vale. Aproximação? 10 minutos!
Seguiu-se um fim-de-semana turístico, a navegar pelas ruas molhadas cidade de Sevilha (OK, é certo que também já não dava para escalar!!!) e a sonhar com a próxima via em El Chorro…sim, porque os sonhos por ali ainda não acabaram!
“Eles não sabem nem sonham…”
Daniela Teixeira