Dentre as buscas realizadas pelo GOST (Grupo de Operações de Socorro Tático do Corpo de Bombeiros) envolvendo pessoas perdidas nas serras do Paraná, um fator que sobressai nos relatos, tanto dos solicitantes como das próprias vítimas, é de que as vítimas se encontravam incorporadas a um grupo, com pelo menos uma pessoa que se julgava experiente o bastante para atuar como guia da expedição, e em vários casos, munidos de equipamentos de orientação como cartas, bússolas e GPS.
Mas então o que saiu errado?
Dos relatos dos envolvidos nas operações em questão, procuramos sempre saber de detalhes sobre como estava transcorrendo a atividade até o momento em que a pessoa se desgarrou do grupo, as medidas tomadas quando da percepção da falta de um dos integrantes do grupo, o grau de preparo e experiência de cada um dos integrantes, desde o líder indo até o menos experiente, os equipamentos que eram levados, etc.
Invariavelmente temos alguns fatores, que levam à ocorrência de pessoas perdidas em ambiente de selva e/ou montanha.
Em primeiro lugar, a experiência do líder do grupo muitas vezes se resume a conhecer bem o local, mas este tem pouca ou nenhuma experiência em liderança de expedições, focando os esforços estritamente no cumprimento do objetivo da expedição ou passeio, e não na segurança do grupo, em alguns casos até mesmo preocupando-se em mostrar suas habilidades no terreno, e, portanto distanciando-se do grupo, ou não levando em conta as potencialidades e deficiências individuais de cada integrante da expedição, tanto as subestimando como muitas vezes superestimando-as, e ainda em alguns casos chegando a entrar em franca competição com seus liderados.
Em boa parte dos casos, a pessoa se desgarra do grupo no retorno da expedição, quando o objetivo já foi alcançado ou abortado e existe uma ansiedade em se chegar logo para encerrar a empreitada, em virtude disto, estabelece-se uma competição, visando incentivar cada membro a superar seu próprio cansaço e andar mais rápido, entretanto o que ocorre é que o grupo “flutua”, ou seja, a distância entre um membro e outro aumenta muito e aqueles que não têm o mesmo preparo físico e técnico acabam ficando para trás, e ainda os mais bem preparados fisicamente acabam se adiantando muito, tanto uma como outra conduta levam à perda de contato com o grupo e conseqüentemente exposição a riscos como o de errar o caminho em algum ponto mais duvidoso da trilha.
Em um número menor de casos, a “flutuação” (distanciamento entre os membros do grupo) ocorre durante a ida, quando com o intuito de incentivar os demais, alguns membros do grupo se adiantam e os que foram deixados para trás, perdendo seu contato, acabam também se desorientando e ficando fragilizados diante da situação.
Soma-se a isto a falta de preparo em questões de orientação demonstrada por estas pessoas, seja com utilização de equipamentos ou não; em vários casos as pessoas dispunham de bússolas, mas não sabiam que direção seguir ao chegar a uma encruzilhada.
Em um caso bastante interessante, três integrantes de um grupo de nove pessoas, saíram do acampamento antes dos demais, devidamente autorizados pelo líder do grupo, e iniciaram a caminhada de retorno sozinhos.
Dispunham de um recorte de carta geográfica da região, que não possuía as coordenadas gráficas laterais e nem de nenhum dos pontos marcados previamente. Levavam também um GPS, cujo DATUM não correspondia ao da região, ou seja, apresentava um erro de aproximadamente 600m entre o ponto real e o que era apresentado no aparelho, além de 3 (três) bússolas, que não sabiam utilizar. Como não tinham experiência na região, não dispunham de nenhuma referência possível, sabendo somente o nome da montanha onde tinham pernoitado, acabaram por errar a trilha em um descampado. Através de um celular informaram ao COBOM (Centro de Operações Bombeiro Militar) sua situação, pedindo uma dica de como sair do local.
Durante os trabalhos de busca encontramos primeiramente os demais membros da expedição que já estavam no pé da montanha, mas não sabiam de nada, e não haviam sequer imaginado a possibilidade de alguém do grupo estar perdido.
Esse fato serve apenas para ilustrar o quanto é importante o trabalho do líder de uma expedição, tanto no local, como anteriormente prestando todo o tipo de orientação técnica sobre procedimentos nas diversas situações e que possam se apresentar.
Em uma outra situação de busca, ao descer do Pico Paraná, um dos membros de um grupo de quatro pessoas perdeu-se. O líder da expedição organizou sua equipe da seguinte forma: um dos membros permaneceria em um ponto estratégico, com contato telefônico, enquanto os outros iniciaram o procedimento de pré-busca.
Após alguns minutos a central de operações do Corpo de Bombeiros recebeu a informação de que o grupo localizou a vítima e iniciou o resgate. A presença de espírito e a organização fizeram a diferença.
Recentemente ocorrências nas regiões do Morro do Canal e do Pico Paraná, trouxeram à tona outras situações, pessoas que se aventuraram nestas regiões sem levar em conta o quanto as condições climáticas influenciam as condições do terreno e o desgaste físico das pessoas que por lá se aventuram, ficando mais expostas a riscos de traumas e à hipotermia, condições que podem ter conseqüências muito severas em ambientes como a nossa mata atlântica.
Em um terceiro caso, um rapaz realizou uma estadia “solo” por alguns dias, em retiro espiritual e em jejum no Anhangava, sem nunca ter freqüentado anteriormente a região, também sem levar em conta o quanto as condições de umidade e baixas temperaturas, aliadas ao jejum, iriam agir sobre seu organismo.
Não estavam perdidas, mas sem condições de sobreviverem saírem da região por seus próprios meios. Nestes casos vemos mais uma vez a falta de orientação sobre os diversos fatores a que se expõe que freqüenta estas regiões.
Sempre que somos abordados pela mídia sobre estes assuntos, esclarecemos a necessidade de se buscar orientações de pessoas realmente mais experientes antes de se iniciar uma “aventura” no ambiente de nossa mata atlântica. Sejam pessoas iniciantes nas práticas de esportes de contato com a natureza, ou aqueles que desejam realizar uma nova empreitada, a coleta de informações, orientações e conselhos prévios deve ser uma prática, seguir os passos dos mais experientes não retira o brilho da aventura.
Sob este aspecto os clubes, grupos e associações tem o papel muito relevante de serem locais onde se pode conhecer e conviver com pessoas que possuem estes atributos.
Dizem que: pessoas inteligentes são aquelas que aprendem com seus erros, mas os realmente sábios aprendem com os erros dos outros. O ambiente representado em nossos morros, e montanhas e vales da nossa Serra-do-Mar paranaense cobra, cedo ou tarde, um preço alto de quem desrespeita este princípio.