Pico Agudo de Sapopema e Serra Grande de Ortigueira

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Todos os montanhistas e trekkers que conheço costumam manter um “caderninho” onde registram sua “lista de desejos” ou “afazeres”, aquelas aventuras que povoam seus imaginários aventureiros e desejam fortemente realizar algum dia na vida. Esse caderninho tem o condão, geralmente, de ser o fio condutor que leva à transformação destes sonhos em projetos e depois fazem destes projetos realidade. Por isso, além do próprio sonho costumam registrar outras informações relativas a eles, como dados de acesso e localização, dicas e quaisquer outras informações julgadas importantes. Não raro, mapas e até fotos são anexadas no tal caderninho, que hoje, obviamente com o avanço da informática, toma muitas vezes a forma de um arquivo eletrônico.

Pois essa trip que passo a lhes relatar está no meu “caderninho” há pelo menos 6 anos, povoando meu imaginário aventureiro e, curiosamente, apesar de ser no Paraná (aqui no nosso quintal, como costumo dizer), era um dos “sonhos” menos documentados até bem pouco tempo atrás… 

 
Travei meu primeiro contato com o do Pico Agudo, sem saber, em 2006, quando já estava afastado do montanhismo há alguns anos por motivos alheios à minha vontade. Um amigo compartilhou comigo o que ouviu falar do lugar através de um conhecido dele e algumas poucas fotos, mas sem quaisquer menções a detalhes precisos, inclusive de nome e localização. Quando vi essas fotos que retratavam paisagens interessantíssimas, fascinado, imaginei de pronto uma visita àquela região, da qual nunca ouvira antes falar que possuísse montanhas dignas de uma investida. Nessa época uma série de fatores, somados à ignorância quase completa acerca do “objeto de desejo” me fizeram adiar qualquer plano sério de uma pernada naquelas bandas. Ficou lá anotado no caderninho laconicamente: “Montanha (?) no interior do Paraná, perto de Telêmaco Borba”, com cópias das poucas fotos – era toda a informação que eu possuía na época…
 
Isso até meados de 2009. Nesta época, passeando pelo Google Earth e Panorâmio, ferramentas online que de certa forma se complementam e nos permitem viajar sem sair de casa, “voando” sobre o mapa repleto de fotos georreferenciadas dos locais, captadas e compartilhadas por seus usuários, deparei-me totalmente por acaso com um acervo de fotos que de imediato reacendeu minhas lembranças: um montanhista de Rolândia/PR, o Paulo Augusto Farina, possuía um belo conjunto de imagens do Agudo publicadas no Panorâmio, e com isso eu tinha a localização precisa do antigo objetivo (Sapopema/PR), além de mais algumas belas imagens para me servirem de inspiração. A partir daí o lacônico registro no caderninho começou a se transformar em algo cada vez mais palpável. Com meu retorno às atividades de campo em 2010, deparei-me com os relatos que começaram a surgir na internet, sendo o primeiro da lavra do Danilo Dassi, no Mochileiros.com, logo seguido por outros igualmente importantes e detalhados, como o do caminhante e desbravador paulista Jorge Soto, aqui mesmo no Alta Montanha.com, e o do Mageta, outro conhecedor da área e que acabou se tornando grande companheiro de outras montanhas, formando perenes laços de amizade.
 
Não havia mais desculpa! Com informações fartas e precisas disponíveis faltava somente sincronizar a agenda com os companheiros para tirar os planos do papel. Passou-se o ano de 2011, 2012 já entrava no segundo semestre e, após algumas conversas com o Mageta, combinamos de encarar o Agudo na primeira oportunidade propícia em agosto ou setembro. 
 
Finalmente a trip tomou forma e ganhou contornos de realidade quando efetivamente, de posse do respectivo “alvará” familiar, marcamos a data para o feriadão de 7 de setembro. Eis que o plano agora se tornaria realidade!
 
O PICO AGUDO – Informações de referência e aspectos geográficos
 
A montanha conhecida como Pico Agudo de Sapopema (há homônimos “picos agudos” em diversos pontos do território brasileiro) encontra-se situada no território do município paranaense de Sapopema, com acesso pelo Distrito de Lambari, em terras pertencentes à Fazenda In-Nho-Ó, distante cerca de 340 Km de Curitiba, às margens do Rio Tibagi, numa região que faz a transição entre o primeiro e o segundo planalto paranaense.
 
Seu cume, a 1224m de altitude, segundo Reinhard Maack – primeiro geólogo e naturalista a explorar com seriedade a região na década de 1920 – é o ponto culminante da região norte do Paraná e situa-se num conjunto de montanhas chamado de Serra dos Agudos, que inclui outras elevações de destaque nas proximidades, como a Serra Chata (1080m) o Morro do Taff (1115m), a Serra Grande (1180m), o Morro do Meio (1110m) e o Pico do Portal (1040m), estas três últimas montanhas situadas do lado oposto do Rio Tibagi em relação ao Pico Agudo e às demais, já em terras de outro município vizinho: Ortigueira/PR.
 
O desfiladeiro formado entre o Pico Agudo de Sapopema e a Serra Grande pelo Rio Tibagi é tido como o cânion mais profundo existente em terras paranaenses, chegando a incríveis 700m de profundidade, segundo revelaram estudos realizados na UFPR.
 
As imponentes paredes rochosas que cercam o Agudo oferecem inúmeras vias de escalada, muitas a desbravar, para a alegria dos iniciados neste esporte. Escaladores de destaque no cenário estadual como Andrey Romaniuk, Alessandro Haiduke e Elcio Muliki, dentre outros, têm explorado a área e aberto novas vias a cada visita, conquistando, inclusive o cume da “Torre Menor”, batizada de “Agulha Reinhard Maack”, no carnaval de 2011.
 
O ACESSO À BASE DA MONTANHA – Viagem, panes, e muita poeira…
 
Com a data e as equipes definidas – Eu, Zeca, Serginho e Luís (todos Montanhistas de Cristo, de Curitiba) mais 4 companheiros integrantes do grupo “Trekking Maringá Adventure” – Mageta, Luciana, Igor e Frederico os dias passaram rápido e começou a reinar em mim aquela pequena e positiva “tensão” que antecede uma trip há muito desejada. Tensão esta que ganhou contornos de desespero e raiva quando na quinta-feira (06/set), véspera do “Dia D”, após ter retirado o jipe da oficina para a revisão de praxe, eis que depois de rodar uns 25 Km e estacionar na rua, isso lá pelas 19:30h, percebo uma enorme poça de óleo no asfalto sob o motor… Raios!!! Pensei. Agora ferrou tudo! Liguei na hora para o meu mecânico, que já estava na estrada, viajando com a família para aproveitar o feriadão, mas que prontamente acionou um de seus funcionários para me socorrer de última hora. Jipeiro geralmente é cliente VIP de oficina. Beleza! Vamos ver no que dá (pensei)… Depois de quase 2 horas de espera, por fim, às 22h, em casa, eu e o assistente do meu mecânico concluímos a troca de uma pequena mangueira de retorno de óleo do motor que havia se rompido, causa daquele diacho de vazamento. Demos por resolvida a questão. O alívio foi enorme depois de um susto daqueles, que quase nos tira da jogada, visto que com as viagens programadas pelas nossas famílias não iria dar tempo de preparar qualquer outra alternativa de transporte naquela altura. 
 
“Em dia de vitória ninguém fica cansado”, já dizia um provérbio árabe. Com estas palavras na cabeça, às 3:30h salto da cama acordado pelo galo do despertador do celular e me preparo rapidamente. Tralhas devidamente embarcadas no jipe, acabo perdendo um pouco mais de tempo do que o desejado para fixar o estepe no teto do jipe, saindo de casa já um pouco atrasado. Pelo caminho foram embarcando os companheiros de indiada, em diferentes pontos da cidade, conforme combinado. Cerca de 5:30h já estávamos deixando Curitiba pela BR-376 em direção ao Norte do Paraná, para nossa surpresa com um enorme congestionamento pela frente já àquela hora da madrugada. Na rodovia o exercício de paciência seria inevitável com o anda-e-pára, agravado por uma neblina que insistia em perturbar ainda mais o nosso deslocamento de tartaruga-paraplégica-com-preguiça. Até a Praça de Pedágio de São Luiz do Purunã o trânsito intenso na saída da capital paranaense foi tenso e demorado. Levamos cerca de 2h para andar 50 km. Dali em diante a viagem fluiu melhor, graças também ao “mágico aparelhinho” que nos faz passar ao largo das intermináveis filas das praças de pedágio por uma cancela automática na pista direita, artifício que já uso há alguns anos para escapar dessas situações desagradáveis, especialmente nos feriadões.
 
Cerca de 10h atingíamos a cidade de Sapopema, no Norte do Estado, distante cerca de 320 Km de Curitiba, pela rota Telêmaco Borba – Curiúva. Pequena pausa para esticar as pernas, banheiro, comprar água para o estoque e fazer um rápido lanche antes de encontrar o pessoal de Maringá no ponto previamente combinado: o trevo de acesso ao Distrito de Lambari. Este “trevo” é na verdade uma simples interseção à esquerda da rodovia PR-090 para quem segue de Sapopema sentido Londrina, discreto mas sinalizado (atenção à placa), distando 7,8 Km da entrada principal daquela cidade, para quem vem de Curiúva. Ali começa a estradinha de saibro que dá acesso à base do Pico Agudo, que se encontra distante 22,5 Km (distância medida no GPS). Chegamos cerca de 10:30h e fizemos as devidas apresentações (não conhecíamos os 3 amigos do Mageta), fizemos a foto do grupo e partimos. Assim nosso grupo, agora composto por 8 pessoas, parte pela estradinha vicinal em 3 veículos: um Gol e 2 jipes, o “Panzer” (JPX Montez verde) e o “Tatu de Chuteiras” (Toyota Bandeirante azul), do Mageta.
 
Seguimos pela estradinha por cerca de 20 minutos até atingirmos o Distrito de Lambari (5,6 Km), onde fizemos nova parada para tomar uma bebida gelada, pois o calor insuportável e a poeira daquele pequeno trecho já havia nos deixado de garganta seca. Ali acertamos com o dono de uma mercearia para deixar estacionado o Gol do pessoal de Maringá, pois as previsões eram de estrada ruim até a base da montanha (cerca de 16,9 km) e havia espaço de sobra no jipe do Mageta que seguia praticamente vazio. Minutos depois continuávamos nosso poeirento deslocamento rumo ao Agudo, passando pela sede da Fazenda Primor e por outra pequena vila – o Assentamento São Luiz. Alguns quilômetros à frente e cruza-se por dentro d'água um riachinho que corta a estrada, para logo depois passar por dentro de uma grande área de reflorestamento, já nos domínios da RPPN Fazenda Inho-ó. Logo chegamos numa porteira trancada, ao lado de uma pequena casa de sítio. Ali um capataz controla o acesso ao restante da estrada que leva aos pés do Agudo e depois de uma rápida conversa fomos liberados e continuamos pela estradinha, não à frente, pela continuação óbvia da estrada, mas manobrando pela esquerda, ao lado da casinha do “porteiro”, direção 8h. 
 
Seguindo, logo depois, num longo trecho de descida, nós que vínhamos atrás do “Tatu” percebemos que o Toyota vinha andando meio de lado. Alguma coisa estava errada e logo buzinei pro Mageta parar a viatura. Em rápida verificação percebemos que o feixe de molas do lado esquerdo havia se soltado do grampo de fixação do eixo, fazendo com que o pneu traseiro esquerdo raspasse no feixe de molas, desalinhando o veículo e causando risco de outros problemas. 
 
Putz! E agora? Todos manifestam preocupação com a situação… Agora, o jeito é tentar consertar, “iniciando” a turma nas “artes jipeiras” da manutenção de viaturas em campo e tirar as teias de aranha da minha caixa de ferramentas de viagem (há tempos não usada), posto que o Mageta não possuía este tipo de “acessórios” na sua viatura. Uns 20 minutos de trabalho depois, sob o sol escaldante e enfiados embaixo da viatura, eis que esta andava novamente, agora guiada numa tocada bem cuidadosa para ver se conseguiríamos chegar até a base do Agudo com a Band naquela situação. Só que mesmo com todo o cuidado o problema voltava a aparecer, já que com o pino de centro do grampo da mola quebrado a situação não tinha como ser resolvida totalmente com os recursos à nossa disposição ali. Fomos obrigados a fazer nova parada para endireitar o eixo e reapertar parafusos, mas depois, por fim, decidimos deixar o jipe no último sítio antes de nosso objetivo, fazendo dali a baldeação final da turma toda com apenas um jipe até a base da montanha, a cerca de 3 Km de distância. 
 
(AGORA SIM) A SUBIDA DO AGUDO
 
Com o contratempo mecânico da Toyota Bandeirante, somado à baldeação de todo o grupo e as suas mochilas com apenas uma viatura e mais um pequeno passeio extra de reconhecimento que fizemos com o jipe pela estrada depois do sítio do Sr. Livercindo, iniciamos a caminhada de ascensão ao cume do Agudo efetivamente às 14h, sob um sol escaldante, daqueles de rachar mamona. Começamos a trilha um tanto apreensivos devido à quantidade de carros (8) estacionados ali no sítio, sinal de que havia bastante gente na montanha, fato confirmado pelo Sr. Livercindo, que de forma muito gentil nos cedeu simplesmente o melhor espaço para estacionar o jipe: dentro do seu terreiro cercado, sob uma espetacular e frondosa sombra de árvore!
 
A trilha se inicia na beira da estradinha, pequena descida, num trecho descampado e erodido a cerca de 50m da casinha do Sr. Livercindo, olhando da frente desta em direção ao Agudo, que se ergue majestoso dominando a paisagem. Cruza-se uma porteira de arame e caminha-se numa trilha bem definida por um curto trecho de pequenos arbustos e toiceiras de capim alternados com terra nua, sempre em direção à mata nos pés da montanha. Outra porteira de arame e se atinge um pequeno açude à direita, onde um cavalo desdenhosamente se banhava na água lamacenta. 
 
Rompemos (literalmente, mas sem querer) uma cerca de arame farpado logo no início da florestinha, depois da área descampada do açude, seguindo na trilha batida pela mata adentro, que passou a nos cobrir com uma sombra providencial. Poucos minutos depois e nos deparamos com o pequeno riacho de leito pedregoso totalmente seco em função da prolongada estiagem na região. Segundo relatos dos moradores da região já se passavam mais de 60 dias sem uma chuva significativa por ali. Aquele era o último ponto de água conhecido e estava completamente seco. Como já imaginávamos esta situação saímos carregados de água desde a vila do Lambari (a água na propriedade do Sr. Livercindo, pelas informações que tínhamos, não é das mais confiáveis devido à grande quantidade de suínos criados soltos por ali). Ainda naquela primeira mata encontramos o primeiro grupo de “aventufeiros” que nos confirmou o óbvio (que havia bastante gente na trilha) e, fato novo, que eles não haviam encontrado o caminho para o cume! (Grande sorte a nossa, já que segundo eles tinham ido para pernoitar na montanha). Informaram ainda que alguns membros do seu grupo subiram a trilha sem as mochilas para ver se conseguiam atingir o cume e depois voltariam.
 
Mais rápido do que gostaríamos, estávamos saindo da mata para o primeiro trecho da trilha em meio ao tão falado (e xingado) capim “colonhão”, que com o tempo seco e a quantidade de pessoas que têm frequentado aquela montanha estava bem demarcada e aberta, com o tal capim bem baixo e seco na maior parte do percurso, não oferecendo qualquer enrosco ou problema de navegação visual. Dali, olhando para cima, percebe-se a grande linha reta que é o traçado da trilha, naquele trecho acompanhando por centenas de metros uma cerca de arame farpado (pela direita de quem sobe). Apenas a íngreme subida e o calor do sol martelando nossas cabeças nos castigavam, fazendo a curta e forte subidinha parecer interminável. Encontramos logo adiante outro grupinho descendo, estes sem mochilas, que nos informou novamente que havia bastante gente na trilha lá para cima e, sarristas, nos disseram na maior gozação que a gelada que nos esperava lá em cima já estava paga… Rsrs! Tá bom, o “Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa também estão aguardando vocês ali embaixo”, retruquei…
 
Vencido o primeiro trecho de subida pela encosta recoberta de capim colonhão, vem outro trecho de mata onde adiante resolvemos fazer uma pausa para lanche e descanso aproveitando uma pequena clareira ao lado do que nos pareceu um chiqueirão abandonado. Recompostos do calor, partimos rumo ao segundo trecho de capinzal, aqui um pouco mais fechado, mas que ainda nos deixava bem expostos ao sol, agora em um aclive de terreno bem mais forte que no trecho anterior. Várias pausas para retomar o fôlego e logo chegávamos à base da parede rochosa da montanha, divididos em dois grupos devido ao ritmo da subida. Nós da retaguarda escutávamos o pessoal adiante, mais acima, onde começavam a escalaminhada: “cuidado com a Pedra!” Logo os sons de alguma pedra rolando, seguido pelos gritos de “pedra!” se tornaram mais frequentes e aí nós é que estávamos tentando nos equilibrar nos barrancos e fendas arenosos e erodidos e também derrubando nossas pedras.
 
O trecho final antes do cume seria de escalaminhada e a trilha estava bastante erodida em alguns pontos, apresentando um terreno fofo e muito arenoso na base rochosa da montanha. Ali deve se prestar bastante atenção e tomar cuidado para não escorregar (grande inclinação), especialmente pelo fato do terreno se desagregar muito facilmente com as pisadas, literalmente constituindo-se de uma terra marrom escura e solta, igual a uma areia grossa. Além do pó que se erguia a cada escorregada do companheiro da frente, fazendo-nos literalmente comer terra, no meio daquela farofa haviam pedras soltas que ora ou outra se desprendiam e rolavam trilha abaixo. Com isso, diminuímos o ritmo e procuramos deixar uma distância maior entre cada indivíduo do grupo de forma a evitar acidentes.
 
Como o Mageta levou um pedaço de corda, um dos trechos aparentemente mais difíceis da subida em escalaminhada (especialmente com a cargueira nas costas) foi vencido facilmente e em poucos minutos. A corda foi providencial, pois com o nível de erosão das margens da trilha em muitos pontos fica difícil se segurar sem apoios em rocha ou mesmo tocos de árvores ou raízes com o piso se esfarelando sob os pés. Os poucos apoios mais firmes, após a passagem de duas ou três pessoas começavam a afrouxar dada a erosão rápida do terreno. Com isso a corda também contribuiu para reduzir bastante o impacto de nossa passagem. 
 
Mais adiante na subida, em outro lance onde fixamos a corda para auxiliar na subida, encontramos um grupinho descendo (descobrimos que era parte do primeiro grupo que encontramos na trilha, e que não havia encontrado o caminho para o cume. Tinham subido sem as mochilas e conseguiram, afinal, chegar ao alto e naquele momento retornavam). Pegaram carona em nossa corda e se foram. Logo depois atingíamos a famosa “Pedra da Desistência” (onde havia uma inscrição na rocha induzindo os desavisados a desistirem dali), da qual sequer tomamos conhecimento. Mais um curto lance de escalaminhada de uns 15m, agora mais exposta mas contando com apoio em rocha e já galgávamos a crista que leva ao cume, agora em terreno firme e recoberta por um manto arbustivo típico da flora de altitude.
 
Enfim no cume do Pico Agudo de Sapopema! Exatamente às 16:20h depois de exatas 2:20h de caminhada e escalaminhada. Nossa vanguarda (Zeca e Serginho) alcançou o topo uns 40 minutos antes e já estavam até com a sua Manaslu montada quando atingimos a área de acampamento. Euforia geral com a vista dali, simplesmente espetacular, apesar de pairar no ar uma névoa seca, resultado do tempo extremamente seco (que dispersa muitas partículas no ar) e da fumaça (junto com o cheiro característico) oriunda de uma grande queimada que ardia na mata de encosta na base oriental do Agudo, junto à margem do Rio Tibagi, no lado oposto ao da encosta que subimos. Um verdadeiro crime contra o meio ambiente, provavelmente realizado no intuito de abrir áreas para pastagens, já que na região predomina a pecuária de corte. 
 
Só o nosso grupo no cume. Espaço de sobra para montar as barracas e curtir o lugar. Com o sol baixando no horizonte aproveitamos para explorar rapidamente a área de cume e captar o máximo de fotos possível no tempo de luz ainda disponível. Em seguida tratamos de montar acampamento e rapidamente as duas pequenas clareiras planas e limpas do topo do Agudo foram ocupadas pelas nossas barracas. Aqui uma pequena dica: como o terreno é arenoso e fofo, espeques muito finos e curtos não dão boa sustentação às barracas que não sejam autoportantes (como a Azteq Nepal que usei nesta ocasião), por isso convém levar espeques mais longos e/ou aqueles genéricos, em formato triangular de alumínio, que me proporcionaram melhor fixação no solo do que os originais cilíndricos.
 
Outro alerta que fazemos é sobre a área de acampamento. Evitem abrir novas clareiras ou ampliar as duas já existentes, que acomodam 5 barracas (2P) de forma apertada. Há pouco mais de um ano era apenas uma clareira com espaço para somente duas barracas. A vegetação do cume é frágil e a fina camada de solo arenoso, quando exposto, tende a ser lavada pelas chuvas expondo a rocha, o que fatalmente obrigará a abrir novos pontos de acampamento, ampliando ainda mais o processo de degradação. Nem preciso falar sobre fogueiras, prática totalmente condenada em qualquer montanha e da qual, felizmente, não vimos sinais por ali.
 
Logo somos vencidos pela fome e a nossa cozinha comunitária, instalada convenientemente sobre uma laje de pedra, nos fornece as tão aguardadas refeições. Desta vez cometi a tremenda gafe de esquecer a mistura de fubá para a polenta da nossa combinada janta comunitária, então o jantar foi um improviso de macarronada com molho de tomate e calabresa preparada pelo Zeca, servida logo depois de uma reforçada rodada de calabresa frita para aperitivo. Houve quem preferiu o consagrado macarrão instantâneo (daqueles de copinho ainda), mas fome ninguém passou. Como a noite estava bastante quente, ficamos um bom tempo conversando sobre as pedras e o nosso companheiro Fred, deitado sobre o isolante logo dorme ao relento sob o teto celeste, absurdamente estrelado.
 
Às 22h os remanescentes da roda de conversa se recolhem às barracas e, um a um, caímos todos em um sono absurdamente tranquilo, ao som da água nas corredeiras do Rio Tibagi, logo abaixo de nós. Apesar de dormir em um local bem exposto no alto da montanha, não havia qualquer sinal de vento ou chuva, o horizonte estava totalmente aberto e reinava um calor sufocante. Nem mesmo o ronco de alguns expedicionários chega a incomodar o grupo, embalado nos braços de Morpheu. 
 
Sou acordado às 5:20h pelo Serginho com o seu brado de “bom dia Vietnam!” A luz matutina já ilumina o acampamento mesmo antes do sol despontar no horizonte e começam a se perceber nitidamente os contornos das montanhas em redor, como a Serra Chata – à leste, o Morro do Taff – ao norte e o imponente chapadão da Serra Grande – a oeste, do outro lado do Rio Tibagi, objetivo seguinte do nosso planejamento para aquele feriado e que passamos a “namorar” dali para a próxima incursão daquele dia e domingo, visando subi-la. Apesar de estar tão “pertinho” ali do Agudo, chegar do outro lado implicava uma grande volta, de cerca de 120 km, já que em casa havíamos analisado previamente os possíveis roteiros e os mapas a respeito.
 
À medida que o dia vai clareando percebemos a dimensão do fantástico espetáculo que se descortina abaixo de nós. Todo o curso do Rio Tibagi encontra-se encoberto por uma espessa camada de nuvens, com as montanhas em redor se elevando sobre elas, como se fossem ilhas em meio a um rio de nuvens, criando um ambiente ao mesmo tempo belo e surreal, daqueles que se vêem apenas nos filmes que retratam mundos paradisíacos, longínquos e perdidos.
 
Aos poucos o acampamento vai criando vida, com os demais companheiros saindo de suas barracas. Como no horizonte longínquo há uma espessa bruma devido ao longo período de estiagem, o disco solar demora a aparecer no horizonte, tingindo de vermelho o céu enquanto seus os raios de luz passam a revelar as diversas faces das elevações em nossa volta, antes obscurecidas pelo manto negro da noite. Um espetáculo difícil de descrever e que somente quem já o assistiu no alto de uma grande montanha, sabe como é, e que ali no alto do Agudo ganha uma feição toda especial. Um imenso e indizível êxtase de liberdade e adrenalina misturado ao mesmo tempo com uma sensação de grande paz e tranquilidade.
 
Muitas fotos depois (o amanhecer é um dos melhores momentos do dia para se obterem ótimas imagens com inúmeras nuances de brilho, cor e luminosidade), cada um vai preparando o seu desjejum. Enquanto isso eu, o Mageta e o Serginho nos dedicamos à tarefa de instalar o novo livro de registros no cume (que sabíamos estar ausente) e repor a tampa do tubo de PVC que o protege, anteriormente depredada. Cumprimos a tarefa rapidamente e efetuamos os devidos registros, ao que rapidamente fomos seguidos pelos demais. No fim o Serginho ainda deixou uns adesivos de seu “patrocinador” como brinde no saco plástico com o qual protegemos o caderno.
 
Mais fotos, de todos os ângulos possíveis e imagináveis (incrível como o Pico Agudo, suas formações rochosas e seus arredores são fotogênicos). Destaque, no cume sul, para a vista da Agulha Reinhard Maack, suas fendas e blocos de rocha superpostos, iluminada pelos raios do sol e para as chamadas Corredeiras do Inferno, no Rio Tibagi, que com o nível muito baixo de suas águas formava diferentes praias nas margens. 
 
Desmontamos acampamento e demos por concluída nossa estadia naquele lugar especial.  Iniciamos o retorno, descendo a montanha às 10:30h. O calor já nos fustigava, pois todo o primeiro trecho de descida na encosta alta do Agudo é exposto ao sol. Muita poeira também. Como sempre, caminhamos em dois grupos, um destacamento mais “avançado” (neste caso beem avançado), praticamente descambando morro abaixo, e o outro, mais cuidadoso e lento, na retaguarda, onde me incluo.
 
Se a subida já foi um pouco tensa em certos trechos a descida nos reserva alguns trechos digamos bem “emocionantes”. Com pouquíssimo ou nenhum apoio para a desescalaminhada, terra e pedras soltas ao serem pisadas levantam muita poeira e nos pregam alguns sustos por conta dos escorregões, que em virtude da altura de uma possível queda e das pedras onde se poderia “aterrizar” não inspiram muita tranquilidade. Em dois trechos mais complicados o Mageta ancora novamente a corda para o apoio na descida, que além de novamente nos poupar algum tempo também poupa a montanha de algumas agressões involuntárias de nossas passadas e escorregadas, pois é virtualmente impossível não erodirmos o terreno. Cabe aqui a observação de que estaremos sugerindo entre as entidades de montanhismo paranaenses a realização de trabalhos de contenção e a instalação de cordas fixas nos trechos mais frágeis da encosta (sabemos da existência do Clube de Montanha Norte Paranaense, tentamos contato, mas ao que parece está inativo). Não pela facilitação do acesso, mas é que pelo movimento que a região tem atraído (cruzamos com pelo menos 20 pessoas subindo ou descendo o Agudo, em 2 dias), somado às condições do terreno, bastante arenoso, há grande tendência de destruição dos poucos remanescentes de vegetação ainda existentes nas bordas da trilha, agravando ainda mais a situação de exposição do solo, pois é onde o pessoal tende a se agarrar na falta de outros tipos de apoio. Na época de chuvas que se inicia com a primavera a situação da trilha só deve piorar, aumentando ainda mais a exposição do solo.
 
Vencidos os trechos de desescalaminhada da encosta e com a garganta e nariz secos de tanto engolir e respirar poeira começamos a descer pelo primeiro trecho de capinzal, o que em muitos pontos também envolvia alguma complexidade, visto que a inclinação do terreno, o solo arenoso exposto em vários locais (com pouquíssima aderência) e o peso das mochilas nas costas nos faziam escorregar, às vezes mais de 1 metro, nas passadas. Em alguns momentos tivemos que recorrer ao quinto apoio para não sofrer um acidente. Nada que uma dose extra de atenção e alguns minutos mais sob o sol forte não resolvessem. A recompensa logo veio sob a forma de uma pausa para respirar e se refrescar na sombra da mata abaixo, em que logo adentramos. Logo vencíamos o outro trecho de capinzal seco sob o sol escaldante para em seguida atravessar o último trecho de mata.
 
Poucos minutos depois, embalados na descida já cruzávamos o leito seco do riachinho, a cerca e o descampado ao lado do açude, enfrentando então a última porção de terreno aberto. Na chegada encontramos nossa vanguarda se refestelando sob a sombra das árvores no quintal do Sr. Livercindo, com o qual conversavam e logo também nos abrigamos na sombra. Aproveitamos uma mangueira com água corrente na cerca próxima para nos lavar e logo iniciamos o embarque do pessoal e suas mochilas para o retorno. Nos despedimos da família de sitiantes, e empreendemos nosso longo deslocamento até Sapopema pela poeirenta estrada, resgatando no caminho o jipe do Mageta e o VW Gol estacionado no Distrito de Lambari, onde fizemos breve pausa para molhar a garganta. 
 
SALTO DAS ORQUÍDEAS
 
Na cidade precisávamos buscar uma solução para o problema da suspensão da Bandeirantes, então paramos num posto de combustível na entrada de Sapopema em busca de uma oficina. Ali permanecemos algum tempo e descansamos do terrível calor que fazia. Após algumas conversas no posto o Mageta logo encontrou um mecânico ali perto e foi verificar, mas voltou avisando que o serviço iria demorar, então resolvemos em conjunto com os demais de esperá-lo numa atração turística bem próxima, o Salto das Orquídeas, uma sucessão de belas e refrescantes quedas d'água formadas pelo Rio Lambari, a 3,5 quilômetros da entrada da cidade e cujas fotos havíamos observado dias antes pela internet. Parecia interessante, especialmente pela possibilidade de um refrescante banho naquele calor e seguimos para lá, curiosos.
 
O Salto das Orquídeas fica numa propriedade particular, também uma RPPN, que explora a visitação do local mediante a cobrança de uma pequena taxa de visitação (as placas informavam R$ 3,00), permitindo camping, pesca (em açude delimitado) e banhos no Rio Lambari que forma várias quedas d’água. Na entrada da propriedade há uma lanchonete anexa que vende bebidas e lanches. Na verdade encontramos de cara uma baita farofagem, com direito a som alto tocando músicas de gosto duvidoso, o que afastou de imediato a tênue ideia que nos passou pela cabeça de passar a noite ali. Para piorar ainda mais a situação ficamos sabendo por um carro de som que haveria um comício ali horas mais tarde, de um dos candidatos a prefeito da cidade. Desta forma estacionamos as viaturas, vestimos roupas de banho e andamos em direção ao rio para descobrir o que o lugar poderia nos oferecer enquanto esperávamos o conserto do jipe do Mageta.
 
Imaginamos um bom banho de cachoeira para refrescar o corpo do calor e da poeira acumulados nas horas anteriores, e foi o que conseguimos. Saindo da área de estacionamento em direção ao rio andamos cerca de 1 km, sendo um pequeno trecho de estradinha e o restante nas margens e depois dentro do rio, cujo nível encontrava-se bem abaixo do seu normal. Depois de um longo trecho andando na água e saltando pedras, acompanhando o leito do rio por jusante, chegamos ao primeiro salto, por cima, com uma sucessão de degraus de pedra que desescalamos pelas laterais para chegar à base. Havia outras quedas maiores adiante, seguindo o rio, mas decidimos ficar por ali e tomamos uma boa ducha na refrescante cascata, o que foi muito revigorante após todo o calor e toda a poeira do dia.
 
O detalhe é que já se passavam das 17h e, afastada definitivamente a possibilidade de pernoitarmos em Sapopema, os dois grups defendiam objetivos conflitantes. Nós, de Curitiba, pensávamos em seguir rumo à Ortigueira para ao menos tentar explorar no domingo a Serra Grande, o chapadão que tanto nos deslumbrara do outro lado do Rio Tibagi enquanto estávamos no cume do Agudo. O Mageta, que acabara de chegar da oficina com a sua viatura consertada acabou optando, junto com os companheiros de Maringá, em seguir para a cidade de Faxinal, para um programa de relax que estaria no seu caminho de casa. A partir disso nos despedimos e nos separamos. Pegamos a estrada rumo a Curiúva e depois Telêmaco Borba (seria uma grande volta de mais de 120 km só de asfalto) entre Sapopema e Ortigueira e pretendíamos cumprir este trajeto rodoviário ainda naquela noite, para dormir o mais próximo possível do nosso objetivo no outro dia.  Jantamos na estrada e após cerca de 2h de deslocamento, nos instalamos num pequeno hotel na entrada do município de Ortigueira. O plano a partir disso era tomar um banho, descansar, e sair de madrugada em direção ao Distrito de Natingui, por onde se faz o acesso à Serra Grande, seguindo sempre por estradas de terra. 
 
A CONQUISTA DA SERRA GRANDE 
 
Antes das primeiras luzes do domingo estávamos reembarcando as mochilas na viatura. Pé na estrada e, raiando o dia, já havíamos cruzado o “centro” da cidade de Ortigueira e assistíamos agora o espetáculo de um sol vermelho se erguendo no horizonte na estrada rural a caminho da vila de Natingui. Sabíamos que até a tal vila seriam cerca de 45 Km de estradinhas e assim fomos tateando, tentando acelerar ao máximo o deslocamento, mas a estradinha em alguns trechos era muito precária, não permitindo desenvolver mais do que 30-40 Km/h. Pouquíssimo movimento na estrada. Paramos também sobre uma ponte de concreto que cruza parte do lago da Usina Mauá e, obviamente, fizemos algumas fotos. Pouco antes das 8h chegávamos à vila de Natingui, onde paramos para um rápido lanche e para nos informar sobre o acesso para a Serra Grande. Seguimos o rumo e as indicações recebidas e cerca de 40 Km e 1 hora depois estávamos aos pés do nosso objetivo. Decidimos contornar o maciço montanhoso pela esquerda (norte) e assim fomos seguindo a estradinha, que a cada km percorrido parecia ficar cada vez mais estreita e precária. Em dado momento atingimos a extremidade norte da Serra Grande, de frente para o Morro do Taff e para uma curva de 90 graus do Rio Tibagi. Tínhamos dali uma vista maravilhosa das redondezas. O progresso foi lento devido às incríveis paisagens e nossas paradas para fotografar e observar tudo.
 
Continuamos avançando pela estradinha, alternando paradas de contemplação e fotos com deslocamentos e agora adentrávamos nitidamente nas áreas das propriedades rurais existentes aos pés da Serra Grande, onde éramos obrigados a parar a cada instante para abrir e fechar porteiras (aliás o Serginho nunca abriu tantas porteiras na sua vida como naquele dia, tamanha a quantidade delas que cruzamos, dos mais variados tipos e tamanhos). Começamos então a percorrer toda a extensão de terreno que observamos anteriormente do alto do Pico Agudo, acompanhando na direção noroeste-sudeste a encosta oriental da Serra Grande. Seguíamos a precária estradinha, muito acidentada em alguns pontos, praticamente um off-road, numa linha quase paralela ao traçado do Rio Tibagi. Cruzamos pelo menos 3 sítios com áreas de campos, reflorestamentos de pinnus, pastagens e mangueiras, bem como enormes rebanhos bovinos. No entanto não encontrávamos viva alma humana… Ninguém! Achamos estranho, mas fomos seguindo. Em alguns trechos a estradinha sumia no campo e éramos obrigados a procurar a rota. Diversas paradas para captar fotos de variados ângulos do Pico Agudo, do Rio Tibagi e suas corredeiras e das paisagens exuberantes na encosta da Serra Grande, que acompanhávamos. De repente cruzamos com um cavaleiro, meio assustado, talvez com a nossa presença naqueles longínquos rincões. Levamos praticamente 2h para acompanhar toda a face leste do maciço para então, por volta de 11:30h estacionar na área da Fazenda Serra Grande, localizada num belo platô entre a Serra Grande e outra montanha a sudeste, o Morro do Meio, outra elevação de destaque na paisagem, cujo cume se ergue à cota dos 1110m segundo as cartas topográficas. A fazenda, que também encontramos deserta, era o ponto ideal para servir de base em nossa ascensão à cumeeira da Serra Grande e assim, deixamos o jipe para subir a pé a estradinha que nos separava daquele derradeiro objetivo antes de voltar para casa. 
 
Quase uma hora de caminhada depois, com nossas cacholas fritando durante a subida pela estradinha que parte da fazenda e lá estamos nós no alto no setor sudeste da Serra Grande, com seus 1170m (IBGE), observando quase da mesma altitude o Agudo de Sapopema e a grandiosidade daquele vale formado pelo Rio Tibagi, pontuado por montanhas de diferentes formatos e belezas. Constatamos que poderíamos ter atingido a extensa área de cume de jipe pela estradinha se quiséssemos e que lá em cima existem duas linhas de cumeada com um pequeno vale e campos entre elas, onde pastava um enorme rebanho bovino. Isso era diferentemente do chapadão quase plano que se poderia imaginar olhando do Pico Agudo. Outra constatação foi de que a área, outrora, provavelmente fora recoberta com uma mata bem mais densa, a julgar pelos vários troncos calcinados de árvores de médio porte que encontramos ainda de pé naquela área, indicando que em algum momento pretérito as queimadas transformaram a paisagem e consumiram a vegetação de altitude dando lugar ao pasto para os ruminantes.
 
Percorremos apenas um pequeno trecho da extensa linha de cumeada oriental da Serra Grande na direção sudeste-noroeste acompanhando a encosta oriental e atingimos uma elevação que, tudo indica, deve ser o ponto culminante daquele conjunto, encimando um magnífico paredão rochoso que se projeta sobre o vale do Rio Tibagi (a apenas 20m abaixo da medida por GPS que obtivemos no cume do Agudo). O pouco tempo remanescente antes de iniciarmos nosso fatídico retorno às atividades mundanas na capital paranaense não nos permitiria explorar mais nada diante dos mais de 80 Km de estradas de terra e quase 300 Km de asfalto até Curitiba e que deveriam invariavelmente ser percorridos ainda naquele dia. Obtivemos o privilégio de conquistar outra montanha na mesma trip e já nos dávamos por satisfeitos. Admirados com os visuais, captadas algumas fotos, iniciamos a descida às 13h, já imaginando outra incursão por ali. Era o nosso alento naquele “final de festa”. Em breve estaríamos novamente imersos na loucura do trânsito, da cidade, das nossas profissões…
 
O retorno a Curitiba foi longo e cansativo, especialmente em função do tráfego na volta do feriadão, mas a viagem valeu cada gota de suor derramado, cada arranhão e cada grama de pó aspirado naquelas estradas. Sem dúvida tivemos contato com uma das mais belas paisagens de montanha do Paraná, quiçá do sul do Brasil. Montanhas agrestes, distantes, isoladas, maltratadas, mas ainda assim Templos do mais puro e audaz Montanhismo Paranaense, que merecem ser conhecidos, divulgados e, sobretudo, reverenciados.
 
Bons ventos!
 
OBS.: As paisagens naturais da região estão sendo seriamente ameaçadas com a construção de usinas hidrelétricas no Rio Tibagi e com o fogo usado pelos fazendeiros para a abertura de novas áreas de pasto. Apesar do Pico Agudo estar inserido em uma área de RPPN, isso não tem impedido as agressões à flora e à fauna do entorno, motivo pelo qual se cogita há tempos a criação de uma unidade de conservação pública naquela região, mas com a falta de vontade política e a ausência de pressão popular este projeto foi engavetado e a devastação continua. Provavelmente quando a sociedade acordar para os estragos que a região vem sofrendo talvez seja tarde demais e nada mais reste para conservar deste incalculável patrimônio natural…
 
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