Democraticamente F…

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Mesmo antes de nos metermos a caminho, já o nome da via estava decidido.
Democraticamente f…dos! Foi como nos sentimos ao escutar no dia 3 de Outubro a monocórdica e aborrecidíssima voz do Victor, a anunciar um “enorme aumento de impostos”.

 

Democraticamente f… fez-me pensar “Com tão brutal roubo, como vou conseguir dinheiro para renovar os friends? E como vou conseguir pagar gasolina e portagens para ir à Meadinha? O melhor é aproveitar já o próximo fim-de-semana e gozar ao máximo o último 5 de Outubro, antes que me tirem a guita dos bolsos…que são cada dia mais pequenos! Passar fome ainda vá que não vá, mas não ter dinheiro para escalar???”
Na manhã de sexta-feira estávamos decididos a escalar aquela fissura que nos atraía já há alguns anos. Democraticamente, optamos por seguir um dos dois caminhos que visualmente traçámos no granito da Meadinha já há algum tempo.
No flanco direito da Meadinha, os primeiros friends entraram no primeiro largo da bonita via “Puerta Sur de los Dioses” para poucos metros acima derivarem para uma fissura à direita. O Paulo seguiu depois entusiasmado até se deparar com uma placa… longa!
Para manter a coisa o mais “clássica” possível, derivou para o terceiro largo da “Caravela Roxa” (recente via dos “Abismados” Sérgio e Natália e do Marco Cunha, que já se tornou numa referência naquele flanco da parede), contornando finalmente uma lastra para a esquerda, o que o posicionou numa reunião afável para se fazer à bonita fissura que atraiu os nossos olhares há tanto tempo. 50m de escalada separavam-nos agora da plataforma inicial.
Pouco depois, o Paulo caçava a dita fissura, primeiro em travessia fácil da esquerda para a direita para depois com um passo já mais duro com direito a entalamentos perfeitos entrar na porção vertical da fissura. Mal o vi desaparecer escuto um comentário tristonho e… algo estranho: “Está aqui um perne com argola! E este canto da fissura parece estar bastante escovado!”.
De facto, já tínhamos percebido desde baixo uma mancha no canto da dita fissura, mas o musgo intocado tanto no acesso como em toda a continuidade da fenda deixou-nos baralhados! De facto não nos pareceu muito lógico alguém ter o trabalho de se pendurar para fazer uma pequena escovagem a meio da parede, até porque sempre pensámos que a filosofia de abertura na Meadinha era…desde baixo!
Mas mudam-se os tempos e mudam-se as tendências, não só havia uma estranha escovagem perdida, como um perne ao lado da fissura, o que indiciava que o alinhamento poderia ser um projecto de alguém (mas então, porque não escovaram toda a fissura? E porque deixaram um perne num sitio de tão fácil colocação de um friend?). De inicio… para manter a coisa num nível “ético” aceitável, o Paulo protegeu num friend, mas com o cérebro baralhado pelo que encontrou, lá acabou por usar o perne, para me dar segurança e descermos novamente para a anterior reunião.
A incerteza acerca da possibilidade de a fissura ser já um projecto, levou-nos a outros caminhos. Ainda com bastantes horas de luz, o caminho tinha de ser… para cima! Decidido democraticamente, na nossa democracia a dois!
Assim, apontámos para um canal/chaminé que se pronunciava mais à esquerda e lá rumámos ao topo da parede. O largo revelou-se uma boa surpresa, meio em chaminé, com saída para placa onde o Paulo colocou um perne burilando elegantemente, equilibrado nos típicos cristais da Meadinha e a uma… já razoável distância da última protecção. 55m mais colocaram-nos à distância de um largo de saída da parede.
O último largo iniciou-se numa larga fissura situada à esquerda do último lance da “Caravela Roxa”. Após ponderar acerca da colocação de mais um perne, o Paulo decidiu proteger com um friend nº5 bem empurrado para o interior da fissura. O friend, ficou na fissura, mas o homem, entrou pela placa à sua esquerda onde, apesar de não ser muito duro, é proibido cair!
De 50m mais acima veio um grito “REUNIÃÃÃÃOOOOOOO!”. E pouco depois começaram os problemas do segundo de cordada… eu! Enfiada no interior da fissura, os meus braços eram curtos demais para alcançar o friend. Tentei uma táctica espeleológica, pendurei a mochila no arnês e retirei o ar dos pulmões para me enfiar ainda mais. De braço esticado conseguia apenas tocar no mosquetão. Retirar o friend, nem pensar! Já a rosnar consegui colocar o estribo no mosquetão do friend, mas como o estribo ficava demasiado dentro da fissura a coisa também não foi eficaz. Após muito esforço, tentando subir um pouco entalada na fissura, lá consigo… ainda hoje não sei bem como… resgatar o camalot Nº5. Um conselho? Se não quiserem torturar o segundo de cordada, levem o Camalot Nº6 para que a colocação fique um pouco mais à face na fissura.
Entrando depois na placa da esquerda, o largo mostrou-se bonito e pouco depois reuni-me com o Paulo e com uma cordada que tinha acabado de repetir a “Caravela Roxa”. Mais uma opinião positiva!
Estava aberta a “Democraticamente f…” e ainda tínhamos 2 dias pela frente.
Sábado aproveitámos para repetir a “Toma lá bolachas”. Valeram-nos as duas repetições anteriores da via, que a deixaram mais limpa, para desta vez a repetirmos em livre. Fica a nota que o Topas tentou sacar o passo Alvarinho, à entrada do 3º largo. Ainda não saiu, mas a quem quiser a garrafa, aconselha-se vivamente ir lá com alguma rapidez!
No Domingo resolvemos dedicar a nossa atenção a outra via, uma que ainda não tem nome mas já conta com dois largos abertos! A ver se breve a vamos terminar e quem sabe, repetir a escalada da bonita fissura central que nos ficou na retina. Esperamos ansiosos por mais essa abertura!
Daniela Teixeira










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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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