A idéia era de ir no encalço dum lendário rancho (acampamento de caçador) enfiado nalgum cafundó dos arredores do Rio Sertãozinho, região serrana de Biritiba-Mirim. Mas nem sempre as coisas terminam conforme planejado, principalmente qdo se está atrás duma agulha num palheiro. Entretanto, esta busca infrutífera resultou num pesado circuito de 25kms q percorreu três das gdes quedas deste setor q antecede a descida até Bertioga: as cachus da Pedra Furada, Light e Lagarta. E com bônus. Não tropeçamos com rancho algum, mas tivemos a satisfação da descoberta duma reliquia intacta datada da época da industrialização da Baixada Santista: um forno produtor de carvão q guarda a triste memória da exploração vegetal da região conhecida como Sertãozinho do Tietê.
Pusemos pé no asfalto da SP-98 depois das 9hrs da matina, sob um céu estupidamente azul e isento de td e qq interferência atmosférica. A promessa de bom tempo justificava o trânsito carregado sentido litoral, o q nos deixou sob alerta no decorrer da caminhada pela rodovia até a entrada da trilha. Sem nenhuma integrante femenina desta vez, eu e a dupla R&R (Ricardo e Ricardo) pudemos puxar um pouco mais o ritmo e bolar algo mais “perrengoso” praquele lindo dia. O destaque deste trecho extenso sempre é algum animal silvestre atropelado no acostamento, infelizmente. Já me deparei com td tipo de cobras, gdes roedores e até uma jaguatirica. Desta vez trombamos com um lindo beija-flor, de coloração esmeralda reluzente, q provavelmente deu de cara com o pára-brisa dalgum veiculo.
Abandonamos o barulho dos veículos no asfalto por volta das 10hrs, no km 80, e mergulhamos no frescor silencioso da mata fechada. Vale tb mencionar q foram aterradas toras de madeira no acostamento, próximo á trilha, impedindo assim qq veiculo de estacionar ali. Disto deduzo q enfim estão se fazendo valer os esforços da Faz. Pirambeiras em coibir a farofa no atrativo, algo já previsto. Essa medida é claramente pra impedir o estacionamento de vans de agências ecoturistas no lugar q, por sinal, era quem levava verdadeiras multidões à cachu. Agora quem quiser acessar á queda terá q fazer igual ágente, ou seja, andarilhar os mais de 3kms do ultimo pto de busão até a entrada da picada. Ou, aumentando o custo da trip, pegar uma lotação em Mogi e descer no km 80. Resumindo, esta medida não deixa de ser uma boa noticia, pois vai filtrar rigorosamente quem acede o atrativo, e consequentemente o impacto ambiental será menor.
Pois bem, uma vez na mata a caminhada transcorreu sem nenhuma intercedência, principalmente pelo fato da vereda encontrar-se em boas condições e mto bem pisada. E o melhor, a recente estiagem na região deixou o chão bem firme e compacto, facil de pisar, nos costumeiros trechos de brejo, lama e charco onde geralmente nenhuma bota saia ilesa! Tocando então em frente, num piscar de olhos passamos a acompanhar um simpático córrego q logo é atravessado, saltando de pedra em pedra. Isso logo após ignorar a bifurcação oficial q leva à Cachu Furada. Neste trecho cruzamos com dois caçadores (portando enormes espingardas!) no sentido contrario, com quem trocamos cordialmente acenos. Nestes cafundós é sempre bom manter a política da boa vizinhança, mesmo com gente q pratica uma atividade extrativista ilegal.
Daqui em diante a trilha, menos pisada, se estreita e mostra menos sinal de uso. Uso humano, claro, pois as pegadas de antas enormes foram recorrentes o dia td. Mas ainda assim a vereda é bem obvia pro olhar mais atento, e acompanha (a distancia) o Rio Sertãozinho, q rumoreja nalgum canto a nossa direita. O caminho sobe e desce continuamente, mas a caminhada é agradavel e não demanda mto esforço. No caminho é possivel encontrar vestígios duma pequena muretinha e até alguns tijolos no chão, datados da época da construção da Represa Andes e, consequentemente, da Rodovia Mogi-Bertioga.
Mas não demora muito, no alto dum pequeno morrote, a tropeçar com uma trilha fugindo pela esquerda da principal. Evidente, bem pisada e com tempo de folga, resolvemos dar uma explorada na dita cuja apenas p/ começar a desecalaminhar aquela íngreme encosta. Mãos e braços ganham a mesma importância q pés e pernas naquela forte descida, se agarrando em qq agarra, árvore ou pedra do entorno. Num piscar de olhos caímos nada mais nada menos q na Cachu Furada, as 10:50hrs, mais precisamente às margens do belo poço situado na parte superior da queda. Noutras, a trilha palmilhada dá acesso direto ao atrativo sem dar as trocentas demoradas voltas q demanda a picada oficial. Há tb uma pequena e imperceptivel clareira capaz de comportar uma barraca antecede o acesso á pedra da cachu. Restos de fogueira e nenhum lixo confirmam q ela é bem utilizada, mas felizmente pouco conhecida.
De resto, é sempre bom voltar a esta pitoresca cachoeira pra poder ver o manso Rio Sertãozinho ser literalmente cuspido pelas entranhas da pedra, pra dali prosseguir seu sinuoso (e mais furioso) curso rumo o majestuoso Itapanháu. A profusão de vistosos buquês de lírios vermelhos ornando ambas margens do rio apenas coloriam ainda mais aquele panorama já idílico pela presença da queda. Pausa pra um breve descanso e algumas fotos, claro. O q me chamou a atenção foi o fato de não presenciar nehyuma farofa de agencia aqui, mesmo com o dia magnífico a pino. É, os troncos barrando estacionamento realmente devem estar fazendo efeito, o q é uma boa noticia. Entretanto, outro detalhe tb foi reparado nesta visita.
Já tinha escutado rumores mas desta vez constatei pessoalmente a presença de escadas de ferro fincadas na rocha ao lado da queda, num trecho onde era necessário desescalaminhar uma longa raiz até o pé da mesma. Pois bem, o único pto de apoio pra descer, a tal raiz, foi serrado e a presença das escadas não ajuda em nada pois foram fixadas de forma bem tosca q são removidas facilmente. Mais uma medida das agências ecoturistas (odeio essa raça!) em q os visitantes criassem dependência delas pra aceder a base da cachu, no caso, de equipo q garantisse a descida em segurança. Contudo, isso ficou apenas mais difícil e não impossível. Com cuidado ainda é possivel desescalaminhar o q restou da raiz, usando as agarras rente á pedra como apoio.
Zarpamos dali coisa de 10minutos após chegar e, escalaminhando pelo mesmo caminho da ida, logo caímos novamente na vereda principal. Dali em diante foi um sobe e desce quase q constante, sempre acompanhando o rio a distancia, ora próximo ora pouco mais longe. A rápida exploração de outra picada q nascia da principal e logo sumia na vegetação nos proporcionou o primeiro vara-mato daquela agradavel manhã. Em poucos minutos caímos num belo e plácido remanso do Rio Sertãozinho, cujas águas serviram tanto pra molhar a goela seca e refrescar nossos rostos já suados.
Voltamos a vereda principal e prosseguimos a pernada, q se manteve dali em diante livre e desimpedida. Vez ou outra havia mata tombada no caminho, mas nada q um simples desvio não resolvesse. Foi após andar um tanto, as 11:50hrs, q nos deparamos com uma óbvia encruzilhada, onde tocamos pra direita, pois ia na direção do rio. A medida q avançávamos o som inconfundivel do rugido duma queda foi se tornando mais claro. E ela se materializou mais adiante, depois q tocamos pra esquerda na bifurcação sgte.
Era exato meio-dia qdo desembocamos na clareira gramada ao lado da muretinha de contenção da Represa Light, q segura as águas calmas do Sertãozinho pra depois serem despejadas furiosamente rio abaixo pela maravilhosa Cachoeira Light. Um enorme poço ao sopé da cachu convida prum refrescante mergulho, coisa q nenhum dos varões do trio se dispõe a fazer tendo em vista a temperatura fria da água. Em virtude disso nos limitamos simplesmente a clicar o belo atrativo, descansar nas varias pedras do entorno e forrar o estomago, q naquele horário já pedia alguma coisa goela abaixo. A ausência total de lixo denuncia a pouca visitação do lugar. Assim como a Represa Andes, esta bela cachu é freqüentada apenas por poucos aventureiros e, claro, por caçadores. Esporadicametne por um ou outro vândalo, conforme mostram as pixações numa gde estrutura metálica parecida com chaminé ou respiradouro, elevando-se em meio a mata e sendo lentamente engolida por ela.
Após um pouco mais de meia hora de descanso retomamos a pernada, agora retornando pela mesmo caminho até a ultima gde encruzilhada. A esta altura do campeonato já havíamos desistido da busca do tal rancho pois, sem info algum concreta, erao mesmo q buscar agulha num palheiro.Agora nossa tendência era fuxicar novas picadas (pois havia muitas mesmo) e buscar interceptar o tradicional “Picadão do Geraldo”, ao norte. Na encruzilhada tocamos reto, pois sabíamos q o ramos da direita fatalmente ia de encontro com uma das curvas do Sertãozinho e passaria a acompanha-lo o resto do tempo. Não era pra onde íamos.
E dessa forma fomos tocando indefinidamente pro noroeste, contornando a base dum gde morro q, na carta, consta com 820m, no mesmo instante em q uma neblina se debruçava p/ logo depois se dissipar. A picada mostra sinais de antigo calçamento de pedras e o q resta das muitas pinguelinhas q cruzamos ainda exibe pequenas paredes de sustentação semi-intactas. Assim, lentamente fomos desviando do norte e começando a retornar no sentido da rodovia, ou seja, rumo sudoeste. Como não desejávamos voltar pra SP-98, a meio caminho abandonamos a picada em favor doutra lateral direita q ia pra oeste, sentido o tal “Picadão do Geraldo”. Aqui eu já me situei pois já conhecia a dita cuja de mto tempo atrás, e falei pro pessoal se preparar pra travesia dum riacho. Batata, não deu nem 5min o largo córrego apareceu, infelizmente sem pedra ou ponte alguma. O jeito foi cruzá-lo sentado num tronco atravessado nas duas margens, já q ninguém tava com saco de remover as botas e chapinhar o pezinho na água.
Num piscar de olhos, as 14hrs, caímos no famoso “Picadão do Geraldo”, vereda q considero a espinha dorsal de muiats aventuras desta região. Mas a trilha palmilhada cruzava esta principal e tinha continuidade sertão adentro. Como ninguém conhecia esta continuidade resolvemos meter as caras nela, e la fomos nós. Relativamente bem pisada e com pouco mato a invadi-la, nosso rumo ia de encontro ao norte, onde o som de água correndo em abundancia foi aumentando consideravelmente. E assim, após tomar a direita na bifurcação sgte a picada foi descendo ate dar nas margens da bucólica e escondida Cachu da Lagarta, as 14:15hrs, queda pequena (se comparada as anteriores) cujo charme maior é seu convidativo (e gelado) poço aos pés e estar completamente enfurnada no meio do mato, escondida da maioria.
Pois bem, retomamos a pernada desta vez voltando pelo mesmo caminho e tomando a esquerda na ultima bifurcação, ou seja, subindo suavemente pra sudoeste. Mas não demorou pra tal vereda começar a se entupir de mata e mais mata no caminho, q obrigou os Ricardos a colocarem seu afiado facão a trabalhar. Estavamos numa visível antiga estrada de extração de madeira, fato confirmado pelo corte vertical das encostas, mas cuja mata em volta já estava reivindicando novamente posse daquela encosta do morro. Como a idéia era atingir a Estrada da Adutora (ao norte, do outro lado da serra) o jeito foi acompanhar as “estradas” q fossem naquela direção e rasgar mato qdo elas fugissem demasiado da rota. Pronto.
Começamos então sucessivamente a andar por estrada, rasgar mato e cair noutra estrada tomada pela vegetação. O processo se manteve por um bom tempo, e assim fomos ganhando altitude ate atingir o alto dum morro. Ali azimutamos nossa nova rota, tendo como referencia a Pedra do Sapo. Contudo, a carta mostrava q ainda havia dois fundos vales a serem cruzados, e dessa forma buscamos sempre nos manter nas encostas ou cristas, evitando a perda de altitude. E assim avançar lentamente.
E foi dessa forma q após escalaminhar uma encosta ate dar quase no alto dum novo morrote q tivemos uma grata surpresa, as 15:30hrs. Durante minhas andanças pela Serra do Mar sempre me deparei com td tipo de fornalhas enfiadas em encostas serranas, seja por Paranapiacaba, Marsilac ou Curucutu. Mas eu nunca tinha encontrado um forno completo, inteiro e em tão boas condições como aquele, justificando assim o meu deslumbramento com tal achado. A ausência de trilha ao lugar e sua localização (quase cume) favoreceram sua preservação, q mantém o teto intacto. Só não sei precisar a data do mesmo, pois houve dois gdes ciclos da exploração vegetal pra produção de carvão vegetal antes da criação do PE Serra do Mar: o período de industrialização da Baixada Santista, q demandou de muita lenha pra abastecer as locomotivas q iam (e vinham) ao porto de Santos, isso sem contar do gde apetite das fornalhas industriais situadas no interior; e o período de déficit energetico da década de 40, onde teve escassez de óleo diesel uma vez q td sua produção era destinada a abastecer maquinários q se encontravam na 2ª Guerra Mundial. De qq maneira, aquele forno intacto é testemunha desse período pois guarda a memória catastrófica da exploração da Serra do Mar.
Após muitas fotos do achado prosseguimos nosso vara-mato, primeiro tocando pra sudoeste e depois indefinidamente pro norte. Sempre pela encosta conforme as condições se mostrassem favoráveis, e de preferência sem perda de altitude. O tempo foi passando e passando, e o sobe e desce inipterrupto tornou-se cansativo e desgastante. As paradas de descanso foram quase nulas pois temíamos q a escuridão nos surpreendesse ali, no meio do nada e lugar nenhum. E pra mim pernoitar ali estava totalmente fora de cogitação, pois não estava preparado pra isso. “Dormir aqui neste fim de mundo repleto de bosta de anta no chão? De forma alguma”, pensei comigo mesmo. Por este motivo nossas poucas e breves paradas foram unicamente pra estudar a carta e avaliar o rumo a ser tomado, sem deixar o corpo esfriar.
E assim o tempo foi passando, e a gente se ralando no meio do mato naquela corrida contra o relógio. De estrada ou trilhas já não sabíamos a mais de 2hrs e estavamos avançando no peito, na raça. Naturalmente q td sorte de vegetação agreste deixou marcas em td mundo, fossem espinhos cravados na carne, rasgos provocados por voçorocas de cipó unha-de-gato ou queimaduras vindouras deaquelas plantinhas q aderem na pele feito velcro. E td ardia ao menor contato com o suor salgado. Mas foi sometne qdo deu 17hrs e ainda estavamos naquele cafundó verde q vislumbrei a real (e indigesta) possibilidade de ter de passar a noite ali. Pernoitar pq dificilmente rasgariamos mato na escuridão, ainda mais qdo tínhamos pela frente um trecho repleto de gretas e pedras.
O cansaço foi pegando e a lentidão tomando conta de nossos pasos. Após coletar a preciosa agua num correguinho situado entre as dobras de dois morrotes, um lampejo de esperança tomou conta da gente. Ao ver a Pedra do Sapo, por entre a frestas da mata, pudemos estimar o qto faltava pra atingir a parte baixa de crista do serrote em q estava situado. Dessa forma azimutamos naquela direção e fomos em frente, alternando vestígios de trilha (antigas estradas) e rasga-mato nervoso. E assim, após uma penosa subida q quase consumiu o restante de nossas energias, as 18hrs desembocamos no selado visado, onde uma precária vereda na crista terminou nos levando á trilha oficial da Pedra do Sapo! Desnecessario mencionar a alegria geral q tomou conta de tds.
O resto da trilha ate o pé da serra não nos tomou nem meia hora, feitos com maior cuidado, e sob fachos de lanterna pra auxiliar. Na “Estrada da Adutora” fomos recebidos por cintilantes vagalumes q coirtavam a atmosfera de forma impar, e olhando pro céu nos maravilhávamos em como o firmamento pode ser tão diferente dali sendo tão próximo da maior Metrópole da America Latina. Após “fazer a feira” numa horta próxima, chegamos em Manoel Ferreria um pouco depois das 19hrs, onde desabamos no tradicional (e único) boteco q domina este velho e pacato bairro rural de Biritiba-Mirim. “Ces tava no meio do mato?”, pergunta um pinguço pra gente, com os zóio vermelho de tanta cana. “Tavamos!”, respondemos. “Pois toma cuidado em não entrar na mata e se manter na trilha… ta cheio de bicho por lá!”, retruca ele, mal sabendo do perrengue q recém havíamos deixado pra trás.
Bebericamos cerveja e mastigamos salgados enqto aguardávamos o busao de volta, retorno este do qual so cheguei em casa por volta da meia-noite. Sim, as distancias aqui são longas. Mas e daí? É o preço pago pra ter o privilegio de ter um domingo diferente, com muita caminhada no meio do mato. Desfrutando da beleza de cachoeiras enfiadas no meio do sertão onde ninguém vai. Apenas os mais ousados. Palmilhar uma região onde somente caçador mete as caras e onde ainda é possivel descobrir relíquias do século passado. Um lugar onde os sentidos são postos a trabalhar com td sua força, lapidando assim tanto o farejo de navegação como o bom senso na continua tomada de decisões. Pensando assim, o tributo pago é até barato, e mais q justo pra se ter um dia de vivência plena e satisfação total nestas bandas do “Sertãozinho do Tietê”. E o tal rancho perdido? Claro, mais um motivo pra voltar á região pruma nova e vindoura aventura.
Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.