Ao longo destes poucos anos vivendo a escalada tradicional, sempre ouvimos histórias de pessoas falando das dificuldades e medos que passaram durante a escalada desta via. Eu mesmo nunca havia imaginado estar lá e sempre quando vinham me falar da domingos, sempre me perguntava se estava pronto, tecnicamente e psicologicamente. Tinha noção que é uma via de enorme responsabilidade.
Dessa vez, meus companheiros Marcio Faria e Victor Germano estavam realmente convencidos a entrar nessa linha e me convidaram para essa aventura. Percebi que dessa vez não podia deixar passar. Tudo estava se encaixando, tinha os parceiros disposto e nos sentíamos preparados após uma temporada memorável de escalada em São Bento do Sapucaí. Imaginar terminar a temporada entrando nesta via seria um sonho.
Começamos o planejamento uma semana antes da data combinada. Como de costume, buscamos informações sobre a rota em alguns relatos que encontramos na internet e conversamos com poucos escaladores que haviam tentado ou repetido a via. Nada do que encontramos foi muito animador, eram histórias de muitos perrengues, dificuldades, quedas, ataque de marimbondos, estratégias que não deram certo, tetos, passagens expostas, corda abandonada e fuga… Achamos pouquíssimas pessoas que terminaram a via de fato. Concluímos que a via realmente devia ser bem dura em vários sentidos, mas que com estratégia e disposição seria possível pelo menos tentar com o mínimo de segurança.
Não tínhamos nenhuma experiência em bigwall, provavelmente iriamos perder um pouco de tempo com procedimentos e coisas básicas que para nós não são triviais. Algumas técnicas só conhecíamos na teoria e para atingir o objetivo deveríamos ter tempo suficiente para progredir sem pressão, com segurança e com um certo conforto. Enfim, nosso principal objetivo era curtir a escalada e nos divertir.
Combinamos de levar tudo para base da via já na Sexta-Feria de noite. Já conhecíamos a trilha, o rapel de acesso e a base da via. Cada um com sua mochila de ataque, equipamentos,
3 cordas e um tambor de plástico de 50L, o nosso haulbag improvisado cheio de tralhas.
Depois de uma longa caminhada e rapel carregando tudo isso, chegamos até a base da via, sentamos, relaxamos e comemos um lanche. O relógio marcava 23hs e alguém veio com a ideia de começarmos a escalar a primeira cordada. Por que não? A empolgação era tanta que quando nos demos conta o Victor já estava equipado e encordado pedindo segurança, colocamos os Headlamps e a meia-noite ele já estava fixando a corda na P1. Jumareamos, içamos o haulbag, montamos um varal, e as duas da manhã já estávamos tomando um chá no estreito platozinho da Domingos Giobbi, prontos para dormir. Era muita emoção finalmente estar naquele lugar. Agora é pra valer, nossa aventura havia realmente começado!
No sábado o dia amanheceu clássico, todo o vale coberto pela cerração da manhã e nós acima das nuvens deitados no meio do Baú acordando com a luz do dia e com a natureza.
A felicidade e paz de estar naquele lugar, naquele momento foi incrível, tudo calmo, sem barulhos e muita energia. Tomamos um café da manhã e começamos os trabalhos. Me equipei e logo estava na ponta da corda resolvendo as passadas da segunda cordada da via. Escalei tranquilo, um longo A2 com muitas colocações, inúmeras sequências cliff, algumas passadas em livre um pouco de rocha podre, uma delícia de cordada, constante e completa.
Com a corda Fixa na P2, rapidamente o Marcio subiu para continuar os trabalhos. A terceira cordada é o crux da via, uma bela travessia em um teto cotado em A3, com colocações moderadas, ruins, uma ou outra boa e no final muitos micros. Simplesmente alucinante! Marcio foi resolvendo tudo com calma e cuidado, passando lance a lance, e as 15:40 já dava para ouvir os gritos de comemoração, corda fixa!! nosso objetivo de sábado estava concluído, Corda fixa na P3. Ótimo dia!
Nesse primeiro dia o Victor ficou com o trabalho sujo, fez nossa segurança e limpou as duas cordadas, jumareou muito e tomou enormes pendulo, Valeu Vitão!.
Fim de dia indescritível, pôr do sol espetacular, lindo e com a sensação de parte do dever cumprido. Mais uma vez no platozinho, dormimos satisfeitos e felizes por tudo estar acontecendo bem.
Domingo o dia começou bem cedo, era o dia do último ataque, tomamos café, empacotamos as coisas e começamos o longo trecho de jumar até a P3. Cheguei em primeiro e quando o Victor chegou, sem cerimonias, começou a guiar até a P4, um A2 com a orientação um pouco difícil, muitos buracos de clifs pendulo no meio e passadas em livre. Victor mandou muito bem na guiada e em pouco tempo estamos juntos na P4 de baixo de uma grande fenda.
Guiei essa fenda, uma pouco estranha, aberta, bem vertical com muitas peças medias e pequenas, micros. E a P5… em 2 pitons da época da conquista.
Logo na sequencia Marcio mandou a última cordada. Arrisco a dizer que é uma das cordadas mais belas do Baú, uma travessia em fenda diagonal que corta parte da face norte, bem aérea e exposta, com o início em artificial e a sequência restante em livre, um 5º grau maravilhoso, um presente para quem chegou até lá.
Chegamos na P6 as 18:50 com mais um pôr do sol espetacular, a chegada no cume foi inesquecível, muita alegria e sensação de superação. Ficamos um tempo tentando entender o que tinha acontecido naquele momento, conseguimos derrubar um mito de nossas cabeças e concretizar um sonho. São nesses momentos, quando percebemos que superamos nossos limites e realizamos coisas que um dia pareceram improváveis que nos fazem refletir e entender o porquê sempre voltamos e nos arriscamos nas montanhas. Todos esses intensos sentimentos de medo, alegria e superação misturados com a natureza e amigos são momentos únicos e vão muito além de terminar uma via. No final, completamos a via, mas além disso, conseguimos realmente viver intensamente um fim de semana que vamos relembrar por muito tempo.