Os fornos de Ponunduva

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Ele surge feito castelo medieval numa curva da precária via, onde sua arquitetura gótica se eleva do pasto resistindo ao tempo e a negligência. São os “Fornos de Ponunduva”, patrimônio histórico datado do inicio do século passado, e q produziu mto cal enqto perdurou a “EF Perus-Pirapora”. Situado nas entranhas do vale do Ribeirão Ponunduva (oeste de Cajamar, SP) e facilmente acessiveis de carro por poeirenta estrada de chão, era meu desejo de faz tempo conhecer estas ruínas pouco conhecidas. Emendando à visita desta relíquia q conta muito duma Sampa de outrora, esticamos por toda crista do “Morro da Placa”, o que vingou num circuito “histórico-natureba” pra andarilho nenhum botar defeito.

Chegamos na pacata Cajamar por volta das 8:45hrs naquele domingão ensolarado de céu azul. No carro estava eu, Lore, Alê, Carol e a espoleta Chiara, parceira canina de outras tantas aventuras. Ali, na simpática Praça das Lavrinhas, encontramos o Márcio e a Elisa, q completariam a trupe trilheira da vez. Reunidos, ajeitamos as mochilas e pusemos pé na estrada tocando pro norte, onde num piscar de olhos deixamos as últimas residências da pequena cidade. Dali bastou seguir até a esquina da Faculdade Anchieta e tocar pela Rua Pedro Domingues, q logo se torna uma precária e empoeirada via de terra. Daí em diante não tem mto erro pois basta seguir sempre sentido oeste, isto é, a via principal e ignorar qq bifurcação menor ou q perca altitude. 

A pernada pela estrada de chão transcorreu então sem gdes intercedências, e se a região já transpirava ar interiorano ele se intensifica ainda mais ao passar por plantações de milho, e cruzar algumas poucas chácaras com cavalos e galinhas correndo por td lado, q fazem a alegria da Chiara. Mas não tarda pra deixar td civilidade pra trás de vez e o silencio reinar absoluto pela larga vereda, q alterna lama e poeira seca, ao mesmo tempo em q serpenteia a morraria e ganha altitude imperceptivelmente. Uma florestinha nos garante a sombra necessária neste trecho do trajeto, embora o dia alterne uma fina nebulosidade clara.

Após acompanhar um bom tempo um pequeno córrego q marulha a nossa direita e passar por um pequeno laguinho a nossa esquerda, abandonamos a sombra da estrada palmilhada – cada vez mais precária – q segue sentido oeste acompanhando a encosta da serra em nível. Ao invés disso, tomo uma vereda menor, erodida e sulcada, q sobe forte e sinuosamente a íngreme encosta sentido norte, até atingir o topo dum espigão serrano q deriva daquele detentor da placa. Uma vez no alto dessa crista, tomamos outra vereda q retoma o rumo oeste, subindo suavemente e descortinando bela vista de td o entorno: desde o vale inicialmente percorrido, o serrote da placa e o espigão oposto, q provavelmente será nossa rota de retorno. Em tempo, a vegetação desta panorâmica se resume basicamente a reflorestamentos de eucaliptos e focos descampados.

A partir daqui provavelmente apareçam bifurcações, mas basta sempre se manter no ramo q suba pois aqui, em tese, “tds os caminhos levam a Roma”, no caso, a placa, cada vez mais e mais próxima. No entanto, já logo no alto desta pré crista resolvo sair da minha rota na primeira bifurcação, ou melhor, trifurcação, as 9:40hrs: ao invés de seguir reto pela esquerda, subindo suavemente, invisto num dos dois ramos da direita, q desce e acompanha a encosta em direção a uma dobra serra. O primeiro já conhecia da vez anterior e leva a uma pequena queda d’água, motivo q vou pelo segundo caminho q surge na minha frente. E, a diferença da vez anterior, me mantenho sempre por ele sem retornar a via principal.

Pois bem, indo sempre por esta via, ela toma direção sul bordejando em nível e encosta florestada, mas não demora a embicar e forte morro acima. E tome piramba íngreme, agora no aberto, o q nos afasta uns dos outros e deixa a Carol e a Lore na rabeira. A Chiara, por sua vez, despiroca como sempre na dianteira, como se fosse a guia da nossa excursão, pra dar súbitas paradas a espera de sua zelosa dona. No entanto, o q o terreno abusa de declividade ele tb exagera em largos visus, uma vez q passa a descortinar um generoso e fundo vale a nossa direita. E assim, com a brisa soprando no rosto ganhamos altitude num piscar de olhos.

Após um tempo e duas paradas de descanso, de cruzar uma clareira gramada com sinais de fogueira e de tocar suavemente por uma vereda q sobe o restante do morro em nível, as 10:30hr alcançamos a borda norte do morro. Florestada, o lugar é pto q delimita o fundo vale e nos separa do imponente Morro do Matheus, ao norte. E a partir dali simplesmente vamos tocando pro sul pela obvia, esburacada e erodida via, q palmilha o restante da crista até o verdadeiro topo do morro. O vista é generosa pro quadrante norte, recheada de vários mirantes e cocorutos privilegiados. O detalhe deste trecho é a presença de adeptos de quadriciclo no trajeto e de boa parte do pasto da encosta norte da serra encontrar-se queimado.

E assim, as 10:45hrs pisamos no alto dos 1080m do Morro da Placa, tb chamado de Mirante da Placa, onde temos uma pausa mais q merecida pra descanso e lanche na cia dum trio de bikers q tb estava no local. O GPS do Marcio acusa 7,8km percorridos e um desnível de quase 400m a partir de Cajamar, agora pequenina a leste. Sim, o desnível é baixo, mas isso é o de menos. O q importa é o visu. Diferente da placa de retransmissão do Ciririca (PR), esta daqui serve  de referência ao tráfego aéreo. Com aproximadamente 25m de altura por 15m de largura, quadriculada em branco e laranja, a estrutura metálica salta aos olhos dos pilotos da aeronaves, por mais míopes q sejam. Localizada num dos pontos mais altos da serra, a visão e o panorama que este pico proporciona são realmente dignos de nota: a leste temos td trajeto feito até ali, além de Cajamar, Jordanésia, Polvilho (outro distrito de Cajamar) e, beeem atrás, o Pico do Jaraguá; enqto o quadrante norte escancara td parede esmeralda da Serra do Japi, Jundiaí, Franco da Rocha, Caieiras, Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus. Com algum esforço é possível ver o Morro Negro, na Serra do Voturuna, e até o Morro do Capuava, a oeste.

Revigorados e de bucho cheio, as 11:40hr demos continuidade a nossa jornada, agora rumo os “Fornos de Ponunduva”, motivo principal do role daquele dia. Recordo q da primeira vez q estive na placa voltei mediante a emenda de picadas q tocava sentido Cajamar, e só no caminho tomei ciência da presença dos tais fornos, situados bem ao sul, o q me deixou com a leve sensação de dever não cumprido naquela ocasião. Agora era diferente, pois na pose de infos suficientes e da carta da regiao não deixaria passar batidos aqueles atrativos pouco (ou nada) conhecidos de Cajamar.

Sendo assim, tomamos a mesma via pela qual viemos so q no sentido sul/sudoeste, sempre nos mantendo na crista da serra, agora descendo suavemente e revelando agora uma bela vista daquele quadrante a nossa frente. Varias picadas surgem a esquerda da via, tds se entrecruzando ate dar no “Bar do Antonio”, modesto boteco entocado no alto do selado de ligação de morros, a sudeste. Mas a gente se mantém sempre na principal, q vai cada vez se alargando mais e mais ate se transformar numa legitima e poeirenta estrada q vai perdendo altitude num piscar de olhos, na mesma medida em q desvia suavemente pra sudoeste. No caminho, vários atalhos no pasto abreviam nossa rota, ao mesmo tempo q nos oferecem uma bela perspectiva da Serra dos Cristais, ao sul.

E assim, ao 12:20hr a estrada termina desembocando no fundo do vale ao sopé dos morros, mais precisamente num largo estradão de terra q atende pelo nome de vários nomes locais, desde Estrada Municipal Flávio Benedutti, Avenida das Nascentes e até Rua Massaguaçu. Independente do nome, o fato é q tomamos pra esquerda e simplesmente fomos tranquilamente pela via, sentido leste. Com suaves sobes e desces, serpenteamos a morraria do caminho e passamos por uma ou outra chácara no caminho. Veiculo q é bom, nada, embora houvesse um precário pto de ônibus  (q confundimos com lixeira) a beira do caminho.

Pois bem, após andar um tanto chegamos numa bifurcação onde surgiram duvidas sobre q direção tomar. Nessas horas nada melhor q perguntar aos locais, e assim soubemos q os fornos estavam na via da direita. Foi ai q a Carol e a Elisa, cansadas, permaneceram a nossa espera ali, já q nossa jornada depois prosseguiria pela via da esquerda, ou seja, novamente em meio aos serrotes q derivam da placa. E assim, o resto da trupe foi fazer rapidamente um breve ataque aos ilustres “Fornos de Ponunduva”, nos quais chegamos pouco antes das 13hrs após descer um fundo vale, q pela carta corresponde exatamente ao vale do Ribeirão Ponunduva.

Como mencionei na introdução, as estruturas surgiram de repente na encosta, a nossa direita. Feito uma fortificação ou até um castelo, três imponentes torres emergiram a margem da estrada. Chamados tb de “Fornos de Cacupé” ou até de “Castelo da Rapunzel”, os “Fornos de Ponunduva” são testemunhos da pré-industrialização de Sampa, datados do inicio do século passado e q funcionaram até a década de 70. Suas torres queimaram muito cal, q ali era levado pelos vagonetes da “EF Perus-Pirapora”, construída unicamente pra esta finalidade, e a interligava à “EF Santos-Jundiai” por onde escoava a produção do minério ao resto do estado. Contudo, o tempo foi cruel pra outrora hiperativa fábrica de cal. As enormes torres de tijolos – ou caieiras – sentem o peso do abandono q, com rachaduras, umidade e até mato crescendo em volta, se mantém ainda em pé e resiste, como por milagre. Uma delas parece até q ancorada numa árvore, enqto outra logo se parte ao meio por conta dum enorme tronco emergindo pela boca duma das chaminés. Uma das paredes que unia as torres a muito já ruiu, e está tomada por terra e mato. Dos trilhos só restam os q se encontram no alto do forno, uma vez q o trem abastecia a caieira por cima. Já os trilhos do próprio trem a muito foram arrancados. Da casa fabril dos funcionários so restam as paredes pois o telhado ruiu a mto. Contudo, mais incrível de td é q td aquele fantástico pq industrial do inicio do século 20 se encontra assim, abandonado, desolado e decadente. E mesmo nessas condições precárias o lugar impressiona. Imagina se aquilo fosse preservado e restaurado?

Pois bem, após muitas fotos e contemplação daquela reliquia, retornamos a bifurcação onde as meninas nos aguardavam e prosseguimos nossa jornada, agora em direção a Cajamar. Ainda pela tal via de terra q atende agora por Rua Massaguaçu, fomos ganhando altitude sob um sol de rachar, lentamente. No caminho pudemos avistar a crsita descentente q havíamos palmilhado pra descer da placa, assim q percebemos q a via ia de encontro ao “Bar do Antonio”. Embora tentador, nossa rota era outra, leste, e assim tomamos uma vereda q ia no sentido desejado e assim deixamos a vontade de encostar no supracitado boteco sob risco de não levantar mais.

Novamente com pé na trilha, a picada tomou a direção desejada descendo suavemente um vasto reflorestamento de pinnus e eucaliptos, por entre as frestas da mata pudemos avistar Cajamar ao longe (sinalizado por uma enorme antena), em meio a morraria a leste. Contudo, nosso caminho permaneceu se mantendo na encosta, contornando em nível um fundo e enorme vale q se interpunha em nossa rota. Sem pressa alguma, bordejamos aquele vale sem problemas e, felizmente, na sombra. Mas ao chegar no selado de interligação ao espigão principal a vegetação nos abandonou e o sol inclemente caiu sobre nossas cacholas, o q atrasou nosso avanço. Bifurcações surgem a td hora mas o sentido é óbvio e intuitivo, ou seja, leste. Em caso de dúvida, basta seguir as marcações de plástico, pois aqui há mtos rallies de mtb e motocross.

Após uma subidinha suave onde cavalinhos pastavam perto do arvoredo queimado, alcançamos enfim o topo da crista desejada e dali basta tomar a picada q acompanha a abaulada morraria sentido leste, ora pelo alto ora pela encosta. É possível apreciar td caminho efetuado pela crista oposta, horas atrás, em meio as constantes frestas da mata. E assim a pernada segue durante bom tempo até dar noutra bifurcação significativa, onde ignoro o ramo da direita (q leva a uma enorme pedreira) e me mantenho na principal, ou seja, o ramo da esquerda.

Sempre pela picada principal e perdendo altitude de forma imperceptível, damos noutra bifurcação onde por curiosidade vamos pela opção da esquerda, embora da vez anterior tivesse tomado a direita. No entanto, aqui tds os caminhos levam a Roma, ou melhor, a Cajamar. E esta via tomada apenas retoma o fundo vale ao sopé da crista da ida, passando por baixo da linha de torres de alta tensão. Enlameada ate não poder mais, num piscar de olhos desembocamos na estrada principal da ida, e dali em diante é um abraço. Não tem mais erro. As 15:20hr pisávamos na simpática Praça das Lavrinhas, onde bebemoramos merecidamente antes de tomar rumo pra casa, claro.

Os “Fornos de Ponunduva” são apenas algumas das várias caieiras remanescentes espalhadas por Cajamar q ainda resistem ao tempo, abandono e até especulação imobiliária. Há ainda o complexo do Gato Preto e da Água Fria, ramificações significativas da “EF Perus-Pirapora” q ainda restam relativamente intactas. Tds de fácil acesso, gde importância histórica e por incrível q pareça entregues a própria sorte. Mas uma coisa é certa: do jeito q tá um dia td irá pro chão, levando junto o pouco q resta da história de São Paulo. Um patrimônio histórico q pode muito bem se tornar uma das maiores atrações de Cajamar, se devidamente restaurado. Preservar o passado ou presenciar melancolicamente q, assim como o cal queimado nos fornos, estas ruínas virem pó dum dia pro outro? Eis a questão…

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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