Até pouco tempo atrás escalar as agulhas da região de El Chaltén, na Patagônia argentina, era um projeto para poucos “top climbers” já acostumados com grandes paredes e grandes desafios. Escalar estas agulhas enalteceu a fama de grandes escaladores, como Jim Bridwell ou Jim Donini entre outros grandes nomes que enfrentaram, venceram e se tornaram mitos neste confim remoto do planeta onde é mais comum ter dias com tempestade do que com céu azul.
É exatamente esta a dificuldade de escalar em Chaltén. Algumas vias podem não alcançar grande níveis técnicos, no entanto, mesmo assim é um ambiente hostil e as dificuldades são outras. É comum em um dia fazer sol e calor, de repente o tempo virar e começar a nevar e a fazer frio. Às vezes a névoa vai embora, mas aí é o vento que faz seu papel de assustar e tirar, literalmente, algumas cordadas da parede.
Até o começo do ano 2000 não existia nada além de alguns campings e um hostel na pequena Chaltén, cidade que praticamente fechava no inverno. Hoje há diversos hotéis, restaurantes e facilidades. Com a abertura do aeroporto de El Calafate, ir para a região escalar se tornou fácil e rápido. Isso tudo ajudou bastante e diversos escaladores conseguiram ter sucesso nas paredes e agulhas da região. Com a notícia de toda esta facilidade, uma leva de pessoas ainda não preparadas invadiu as montanhas da região achando que de fato era fácil mesmo, mas não é.
Diferente da Europa, onde há equipes de resgate profissionais nas montanhas, equipadas com helicópteros e amparados por precisas previsões meteorológicas, a Patagônia não conta com nenhuma destas facilidades. Na semana passada, um acidente com uma equipe de resgate amadora mostrou este lado negativo e colocou a argentina em alerta.
Uma ampla janela de bom tempo, abriu as possibilidades de escalada para todos que se encontravam em El Chaltén e evidentemente numerosos escaladores ávidos por granitos saíram em busca de seus objetivos. Entre ele figuravam os alemães Kastining Diltman e Ralf Gantzhurn que sofreram um acidente no norte do Fitz Roy quando ascendiam a supercanaleta. O primeiro deles caiu numa greta e sofreu múltiplas fraturas e traumatismos. Eles não iam encordados.
Devido à gravidade das feridas, foi solicitado evacuação aérea por helicóptero. De forma voluntária, o piloto Pablo Argiz, se colocou à disposição imediatamente, no entanto, ele próprio perdeu a vida tentando realizar o resgate. O escalador alemão foi levado mais tarde até El Calafate, resgatado de forma tradicional pelos voluntários por terra.
Paralelamente outro acidente ocorreu no glaciar embaixo do maciço do Cerro Torre, protagonizado pelos italianos Daniele de Patre e Andreas, que pediram ajuda de escaladores voluntários para poder descer. Um deles, o alpinista americano Colin Haley explicou desta forma em sua página no Facebook: “Um mês e meio depois de minha chegada na Patagônia, finalmente chegou uma janela de bom tempo em El Chaltén. Desgraçadamente, Sarah Hart e eu dedicamos a primeira metade da janela ajudando a resgatar a dois escaladores muito inexperientes que haviam sofrido uma queda no glaciar do Cerro Torre. Sem dúvida é frustrante para a equipe voluntária de resgates ter que ir atrás de algum escalador acidentado toda vez que abre uma boa janela de tempo, sempre pela falta de habilidade básica destes alpinistas que deveriam ter como pré requisito experiência antes de entrar em um lugar como este. Não estou seguro de qual é a solução, mas está claro que o nível médio dos escaladores no maciço de Chaltén é muito mais baixo hoje do que uma década atrás”.
Veja mais:
:: Região de El Chaltén no Rumos: Navegação em montanhas
:: Livro Seguridad y Riesgo – Editora Desnível
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NOTA OFICIAL SOBRE OS BRASILEIROS DESAPARECIDOS DURANTE UMA ESCALADA NA PATAGÔNIA ARGENTINA
*CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE MONTANHISMO E ESCALADA*
A Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME) entrou em contato com a Dra. Carolina Codó, médica do Posto de Saúde e Coordenadora do Grupo Voluntário de Resgate de El Chaltén, Argentina, hoje, dia 23/01/2019, que nos relatou as informações a seguir.
Os escaladores brasileiros Leandro Iannotta (MG), conhecido como Mr. Bean, e Fabrício Amaral de Souza (ES) foram avistados por último na quinta enfiada da via de escalada Franco-Argentina, no Monte Fitz Roy, em El Chaltén, na sexta-feira, dia 18/01/2019 por volta das 14h.
Os escaladores que os avistaram estavam descendo da mesma montanha enquanto uma tempestade se aproximava. A tempestade atingiu a montanha no mesmo dia um pouco mais tarde.
No fim de semana, ainda sob um clima muito ruim, dois brasileiros subiram até o Paso Superior, acampamento avançado para quem deseja escalar o Fitz Roy por esta via, e que fica a cerca de 6-8 horas do vilarejo. Relataram terem encontrado documentos do Leandro, saco de dormir e equipamentos que optaram por não utilizar enquanto escalavam a montanha. Os brasileiros resgatistas não conseguiram avançar mais por conta da tempestade e desceram dali mesmo para El Chaltén.
No dia 21/01/2019, segunda-feira, a Dra. Carolina Codó enviou um grupo voluntário de resgatistas para fazer as buscas por Mr. Bean e Amaral. O grupo era composto de escaladores experientes da Argentina e da Itália. Saíram de El Chaltén à noite, por volta das 23h30min para poderem aproveitar uma pequena janela de clima bom previsto para o início da tarde do dia seguinte. Um outro grupo de espanhóis também subiu neste dia com um drone para tentar fazer imagens da base do Monte. Lamentavelmente, um dos espanhóis teve um acidente no percurso, caindo cerca de 30m nas imediações da Laguna de Los Três, a partir de onde começa o trecho técnico da caminhada de aproximação, demandando uma outra operação de resgate para tirá-lo da montanha. As informações são de que esse espanhol acidentado se encontra no hospital em El Calafate.
Os argentinos e os italianos chegaram ao Passo Superior e conseguiram avançar até a base do Fitz Roy. A intenção dessa equipe era subir por um trecho de 300 m, conhecido como Brecha dos Italianos, que leva a um grande platô conhecido como Silla, de onde parte a via Franco-Argentina e outras. Porém encontraram as condições muito duras, com mais de 50 cm de neve que havia caído durante a tormenta, e o clima começou a piorar. Eles, então, tiveram que retornar, chegando a El Chaltén no dia 22/1/2019, terça-feira, por volta das 20h.
Esse grupo relatou ter visto um ponto negro na Silla. Porém, não conseguiram distinguir o que poderia ser e tiraram fotos, ainda a serem processadas.
Com a descida desse grupo e uma previsão de clima ruim para os próximos dias, além do acidente que ocorreu com o espanhol durante a operação de busca, a Dra. Carolina deu por encerrada a operação de busca aos brasileiros por parte do Grupo Voluntário de Resgate de El Chaltén. Ela ressaltou o fato de já haver passado seis dias desde que eles foram avistados por último e as más condições do clima, tendo nevado frequentemente nas montanhas durante esse tempo. Destacou o grande risco que os resgatistas correm e as más condições da aproximação decorrente da neve que caiu nos últimos dias.
A Dra. Carolina também informou que há um helicóptero da Gendarmeria Argentina em El Calafate esperando uma janela de bom clima para poder circular pela região e verificar se veem alguma coisa. Há a previsão de uma pequena janela no dia 25/01, sexta-feira, mas que uma boa janela ocorrerá possivelmente somente no fim do mês.
Mr. Bean e Amaral, ambos experientes escaladores em paredes longas e vias complexas tanto em terras brasileiras, como fora delas. Tinham não apenas experiência para tentar escalar essa montanha, como também entendiam os riscos envolvidos.
A CBME lamenta profundamente o acidente, entende que a dor é grande e deseja força aos familiares para enfrentar esse momento.