A trilha da represa

1

Construida em 1916, a Barragem e Represa do Graça faz parte do Sistema Alto Cotia no abastecimento de Sampa. Juntamente com a Represa Pedro Beicht, ambos integram a Reserva do Morro Grande. Situada ao norte da reserva, a Represa do Graça possuía muitas estradas de manutenção que serviam tanto pra acessar Embu das Artes como delimitar propriedade da Sabesp. Aproveitando um dia quente de sol a pino, fui então xeretar uma destas antigas vias que hoje deu lugar a uma simpática trilha, passivel de ser percorrida a pé. Um rolezinho circular de quase 17kms com direito a vilarejo fantasma, dois belos mirantes, peçonhenta no caminho, picada de marimbondo e tchibum em cachoeira. E não necessariamente nessa ordem.

Embarquei no intermunicipal “506 – Jd Sandra” pouco antes das 8hr no pto em frente a Decathlon da Rod. Raposo Tavares (SP-270), mais precisamente na altura do km 16. O trânsito fluía  bem e sendo assim o busuca tocou desimpedidamente pela via com poucas paradas, passando pela Granja Viana e pelo centrão de Cotia. Num piscar de olhos, abandonamos a via principal e o  coletivo passou a se embrenhar nos cafundós rurais do município, tocando agora pro sul. O cinza da urbe já dera lugar ao verde de cultivos e plantios a muito, numa paisagem q facilmente  evocaria o interior paulista.
Saltei no pto final lá pelas 8:45hr, já no tal Jd Sandra, lugar onde literalmente o “Judas perdeu as botas”. Bairro rural bem simples a margem da extensa planície de várzea da bacia do  Cotia. Daqui foi so tocar pro sul, cruzar um pontilhão de concreto por onde marulhava um manso córrego, q a carta topográfica denunciava ser o próprio Rio Cotia. Ao interceptar a  Estrada do Morro Grande desviei pra esquerda e por ela segui por um tempo, agora sentido sudoeste. A farta vegetação de ambos os lados deixava  a paisagem parecida a um “túnel verde”, q  eventualmente mostrava pelas frestas q bordejava extensos banhados da supracitada bacia a minha esquerda.
Ao cruzar mais um pontilhão sobre um afluente do Rio Cotia é q a paisagem se abre momentaneamente e pude observar, a oeste, uma enorme serra forrada de verde q se elevava sobre a  horizontalidade daquela região de ares tipicamente interioranos. Mas logo surgiu uma bifurcação, e o bom senso me manteve na via da direita pois ia na direção desejada, ou seja,  sudoeste. Subindo suavemente ainda pela Estrada do Morro Grande, logo adiante me deparo com nova bifurcação: esquerda, bairro do Morro Grande; direita, Cachu da Graça. Como já conhecia  a queda doutra visita já datada, tomei a outra via.
Dali em frente foi uma subida só e logo percebi o motivo do nome do bairro, um punhado de residências alocadas nas encostas dum enorme e abaulado morrote florestado. Contudo, ao me  deparar com as primeiras casas do limite leste do bairro surge mais uma bifurcação onde basta seguir reto, sempre subindo, agora na “Estrada da Barragem” (também conhecida como “Estrada  do Pirassununga”). Antes, porém, uma breve picada a direita me leva as ruinas do q outrora foram simpáticas casinhas coloridas. A impressão dum vilarejo fantasma não é gratuita, mas  depois soube que ali era um núcleo residencial, construído antigamente para alojamento dos trabalhadores que construíram a barragem e a Estação de Tratamento de Água. Pelas informações  prestadas parece q ali serão implantadas as bases de um polo ecoturistico da região. No caso, o único de novo que tem lá é uma USB..Vejamos..
Uma vez na “Estrada da Barragem” a paisagem muda totalmente. O asfalto dá lugar a uma precária via de chão, as residências a muito ficaram pra trás e a mata farta me brinda com a sombra  necessária praquele dia estupidamente limpo e ensolarado. Visivelmente já dentro da Reserva do Morro Grande, passo por antigos maquinários da adutora assim como a própria Estação de  Tratamento de Cotia e até um campo de futebol. Qto mais adentro, agora em nível e sempre pro sul, a vegetação a minha volta parece se tornar cada vez mais e mais espessa, embora por  algumas raras frestas a minha direita consiga efêmeros flashes do espelho dágua da Represa da Graça.
Mas minha caminhada não demora a ser interrompida por uma porteira devidamente trancada, avisando dali ser propriedade da Sabesp e qq espécie de invasão figurar como crime. Contudo,  minha idéia passa longe de me manter na via principal ou de continuar pro sul. Ao invés disso, me embrenho numa evidente picada que ramifica pela esquerda do portão e prossegue pela  cumieira no sentido leste. Me então pirulito pela dita cuja em meio a farta e espessa vegetação de ambos lados, com praticamente nenhuma variação de desnível. As vezes tem uma ou outra  lombada mas no geral a altitude se mantem sempre a mesma. Marcos de concreto da Sabesp são onipresentes pela direita, enqto pela esquerda vez ou outra surge alguma cerca delimitando  propriedade particular a partir daquele quadrante.
Mas não dá nem 10 minutos pela vereda q ela desemboca no aberto, a margem dum amplo e largo mirante. O lugar na verdade e o topo da morraria cuja encosta desce suavemente pro norte,  coberta de pasto ralo onde alguns matacões pipocam aqui e ali. O lugar dá vista panorâmica de todo setor norte da região, onde apenas algumas residências do bairro do Morro Grande  destoam da paisagem predominantemente verde q toma conta da paisagem. Olho pro relógio e são apenas 10:15hr, apenas pra chegar a conclusão de q a caminhada ta rendendo bem.
A pernada prossegue mergulhando novamente na mata fechada, cuja vereda fica lindamente iluminada pelos raios solares q conseguem furar a copa do arvoredo. O chiado alto dum gavião e um  estabanado jacú nos arbustos parecem incomodados pela minha presença. Sim, minha passagem não passa despercebida aos habitantes locais. Mas é justamente qdo percebo algo se mexendo do  lado de onde recém-havia pisado q redobra meus sentidos e destila adrenalina na minha corrente sanguínea. É, uma linda jararaca se contorce quase q mimetizada na folhagem a beira da  trilha. Aos poucos e sem deixar de me encarar – provavelmente injuriada por ter seu banho de sol interrompido – se pirulita pra dentro da mata, a contragosto.
Após o susto, a jornada tem continuidade com os sentidos redobrados, claro. Ainda no frescor da mata fechada a vereda se esgueira sinuosamente pelo topo da morraria, passando por duas  obvias veredas q nascem pela esquerda. A primeira fui bisbilhotar, passa pelas ruinas de alguma construção ilegal e aparentemente desemboca noutra, logo abaixo. A outra vereda deixei  pra xeretar na volta, decisão q mostrou-se oportuna depois.  Mas por volta das 10:45hr desemboco no segundo mirante do rolê, basicamente com as mesmas características do anterior, cujo  único vestígio de civilidade ficou por conta da geometria alva dum condomínio, a noroeste. O resto, verde, verde e mais verde.
A partir daqui o caminho vira pro sul, desce de forma imperceptível como tb passa por trechos bastante erodidos e alagados. Depois retoma a direção nordeste numa reta só, pra a partir  dali começar a descer forte acompanhando uma sequencia de pinnus perfilados, sinal já de estar deixando a reserva. E num piscar de olhos, la pelas 11:20hr de fato desemboco numa estrada  de chão que coincidentemente também atende pelo nome de “Estrada da Barragem”, já em território de Embu das Artes. Daqui eu apenas toquei pela supracitada via e subi rapidamente o  morrão  a nordeste apenas pra ter um belo visu de Embu e retornei á vereda, onde descansei a sombra dum enorme pinheiro.
Pois bem, descansado comecei a refazer o caminho de volta pela mesma picada, com a diferença de que após o segundo mirante adentrei naquela picada transversal que deixei pra explorar.  Lembra dela? Pois bem, a vereda começou a descer no sentido noroeste, bordejando a encosta do morro pelo q logo deduzi ser uma antiga estrada de reflorestamento. O corte vertical na  encosta serviu pra corroborar minhas suspeitas. Mas a via aqui perdeu altitude agradavelmente em meio sombra fresca, num trajeto que se mostrou tranquilo e sem intercedência alguma.
E assim as 12:45hr desemboco noutra via de chão, a “Estrada do Dae”, que nada mais é uma via q bordeja o tal “morro grande” pela base até dar no bairro que lhe empresta o nome. Cheguei  no bairro por volta das 13:30hr sob um sol de rachar miolos. Claro que parei num bar pra molhar a goelam mas isso foi insuficiente. Precisava molhar o corpo e nada melhor doque dar um  pulo na Cachu do Graça, que conheci alguns atrás. Pra isso bastou tomar a “Estrada das Mulatas”, uma poeirenta via de chão q passa pela entrada principal da Estação de Tratamento e  acompanha uns dutos concretados pela esquerda.
Mais ou menos na metade do caminho me pirulito pela evidente picada, mocada no mato a minha direita. Ela desce a encosta do morro até o fundo daquele verdejante vale, onde o ruído de  água aumenta conforme avanço. Num instante dou nos primeiros lajedos por onde um mirrado Córrego Cotia singrava em meio as pedras. Já descrevi este lugar noutra ocasião, portanto vou  direto ao ponto. A única diferença era a quantidade de água despejada pela queda, bastante reduzida em relação a minha visita anterior. Ao invés da poderosa queda dupla havia apenas um  escasso filete dágua q ao menos providenciou uma refrescante chuveirada natureba que veio a calhar naquele inicio de tarde calorenta. Bem, se me safei duma picada de cobra horas antes,  aqui não pude fazer o mesmo diante dum maledito marimbondo. O infeliz apareceu do nada em meio a mata e pimba! Resultado: deixou minha canela e pé esquerdo doloridamente inchados pelos  dois dias sgtes.
Na sequência, pra não voltar pelo mesmo caminho prossegui pela picada q acompanhava o rio acima, alternando ambas margens. Indo agora pela sua margem esquerda, a vereda se estreita em  meio a íngreme encosta, onde se vê a água represada em pequenas poças ao largo do rio. Mas cerca de 15 minutos depois do banho a vereda sobe o vale e me larga outra vez a beira da tal  “Estrada das Mulatas”, na altura do pontilhão de concreto sob o rio. Daqui foi só retroceder pela poeirenta estrada e tomar o caminho de volta até chegar novamente no Jd Sandra, as  15:30hr. Antes, claro, passei no mercado e abasteci minha mochila com o precioso liquido, desta vez “cevada gelada em lata”, q molhou minha goela durante a viagem de ônibus.
A “Trilha da Represa” é apenas uma das muitas veredas esquecidas naquele cafundó verdejante de Cotia. Existem outros caminhos transversais e um, mais especificamente, desce pro sul num  estirão até desemboca as margens da Represa Pedro Beicht, já quase nos limites de Itapecirica e São Lourenço. Quem sabe uma pernada maior, com direito a pernoite no meio da Reserva do  Morro Grande? Sim, a mente andarilha viaja longe nas possibilidades do lugar. Entretanto, vale frisar que a condução utilizada neste relato não circula aos domingos, mas não é nada que  baldeações devidas no Terminal de Cotia não resolvam. Basta se informar. Mas independente de transporte, fica a dica desta opçãozinha interessante e descompromissada de rolê semi- urbanóide pertinho de Sampa. Temperado com visus, mato, água e, dependendo, até com cobra e picada de marimbondo.
Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Muito boa a matéria. Essa região me trás muita curiosidade de desbravar. Pois a maioria da galera que conheço que faz trilhas vai p Mogi ou Paranapiacaba. Pretendo conhecer essa trilha dia 30/04. Quer ir com a gente?

Deixe seu comentário