O dia não ajudava em nada e o tempo se apresentava bastante incerto, mas mesmo assim o amigo e veterano montanhista Alberto Ortenblad não declinou da pernada. Tb pudera, detentor de ótima memória no alto dos seus 70 anos bem vividos, a tempos me cobrava de levá-lo a este maciço vizinho da Pedra do Sapo, pico que lhe despertou o interesse por esta região vizinha de Mogi das Cruzes da qual sequer sabia existência. Sendo assim, ele e sua simpática esposa, a Alê, passaram cedo em casa me buscar. O grupo era completado pela Carol e mais dois integrantes de “quatro patas”, a Chiara e o Luvinha, pet do Alberto. A espivetada basset estranhou a principio seu companheiro da mesma espécie, mas depois os dois se integraram de tal forma q pareciam filhotes da mesma ninhada.
A viagem até nosso destino foi embalada tanto por conversa sendo colocada em dia como pelos inúmeros causos das viagens do Alberto, e num piscar de olhos nos vimos rasgando o asfalto da SP-98, q abandonamos lá pelo km75. Uma vez no bairro rural de Manoel Ferreira a viagem de dá pela “Estrada da Adutora” (SP-43) tocando no sentido leste, acompanhando os antigos dutos que emprestam o nome a via. O sacolejo da Pajero pela precária via em nada lembrava as aventuras anteriores pela região, trajeto monótono normalmente feito a pé. Uma fina garoa caia sobre o pára-brisa e as janelas do veiculo emolduravam unicamente uma paisagem nebulosa e opaca, não dando margem pra nenhum vislumbre dos maciços da região.
E assim após 8kms trepidantes habilmente vencidos pela Alê no volante – onde ignoramos as saídas pra Faz. da Forquilha e Faz. Marilena – pouco depois das 10hrs encostamos-nos à margem da via a fim de estacionar o veiculo. Como referencia do lugar, é logo após uma placa da Suzano Celulose indicando ali ser a “Fazenda Casa Verde” (e logo após um pequeno sitio com um simpático laguinho). Pois bem, aqui a Alê optou em nos aguardar no veiculo por não se sentir disposta a andar naquele tempo úmido, ao contrário da bicharada, que naquela altura despiracora em focinhar tds aqueles novos odores do sertão de Biritiba-Mirim.
Mochilas nas costas, pusemo-nos a andar logo depois indo em direção ao pé da pedra através da larga vereda que nasce da estrada. Na verdade esta via secundária fora uma antiga via de extração de madeira, atualmente desativada e tomada parcialmente pelo mato. No caminho desviamos duma enorme e funda vala pra só então depois pisar na bucólica trilha que toca sempre na direção sul, ladeando a encosta sempre em nível. A caminhada é tranqüila e desimpedida, sempre nos mantendo no caminho mais batido, ignorando as ramificações a esquerda. Daqui já seria possível ter uma linda vista do contraforte norte da pedra emergindo da profusão de bosques de eucaliptos, onde a lâmina rochosa, delgada e espichada da Esplanada se assemelha facilmente ao casco dum navio invertido. No entanto, brumas alvas preenchem todo o quadrante em questão.
Temos uma noção da proximidade do sopé da pedra qdo a estrada embica de vez morro acima, mas é logo na primeira curva fechada que é preciso abandonar a via principal. De cara a via principal se bifurca em dois caminho a frente tomados parcialmente pelo mato, mas a gente ignora ambos em prol duma trilha menos obvia que se pirulita encosta acima, a nossa direita. Este inicio de trilha ta bem menos evidente e com mais mato que outrora – sinal de pouco visitada – mas está ainda lá. E afastando os galhos e capim q teimam invadir nosso caminho vamos ganhando altura em largos ziguezagues encosta acima, em meio a um bucólico bosque de eucaliptos., onde a cachorrada resolveu disparar na dianteira.
Não tardou pra mergulhar de vez no frescor úmido da floresta mais fechada (secundária, no caso) onde a vereda aparenta nivelar além de se apresentar bem mais batida q antes. Enormes matacões surgem a nossa esquerda, empilhados na encosta, despertando nossa atenção pras enormes grotas formadas entre as junções das pedras. Visivelmente ladeando um pequeno vale não tardou em cruzar dois ptos de água corrente e potável, locais q eventualmente costumam estar secos. Mata caída e obstáculos no caminho? Poucos e fáceis de transpôr. Após o segundo correguinho existe uma vereda que nasce da principal e toca pela direita. Não vá por ela e mantenha-se na principal (q em nivel na encosta), a menos q deseje emergir num cocorutinho rochoso da larga laje da Esplanada, aventurinha ja relatada noutra ocasião.
Pois bem, após um tempo caminhando em nível a declividade aumenta e a trilha sobe forte, marcando a ascensão final até a crista. Agora não tem mais erro pois é só tacar pra frente, alternando pisadas tanto no chão enlameado como na própria laje rochosa da crista. Num piscar de olhos a vegetação diminui de tamanho e sua diversidade de flores explode em vários tons do espectro. Mata nebular e td sorte de planta adaptada a umidade tomam conta do pedaço, mas o que mais chama a atenção é um liquen claro que literalmente forra boa parte do caminho como se fosse “neve” á margem da trilha. Pausa pra fotos, claro! Ironicamente, uma vez no aberto e cercados da alva opacidade, as brumas a nossa volta conferiam um charme mágico ao trajeto pela áspera laj, agora com mato caindo de ambos lados. Em tempo, no trajeto há uma boa área de acampamento capaz de comportar duas barracas confortavelmente.
E assim um pouco antes do meio-dia emergimos nos 1050m da larga e áspera rampa rochosa q leva o nome de Pedra da Esplanada. Enormes bromélias dividem espaço com outras plantas e arbustos de altitude, mas o que mais espanta e o enorme véu branco que preenche todo quadrante norte e impede o fantástico vislumbre q dali se tem. Falei pro pessoal que com tempo favorável e atmosfera límpida teríamos a sgte panorâmica: em primeiro plano, teríamos um “mar de morros verdejantes” cortados por sinuosas estradas de terra em tds suas direções, onde reluziriam os espelhos d’água das Represas de Jundiaí, Taiaçupeba e Biritiba-Mirim; a noroeste, com esforço, teriamos a geometria de Mogi das Cruzes ao sopé da silhueta escarpada da Serra do Itapety; a nordeste, o domo abaulado do Pico do Garrafão afloraria imponente; e ao sul a paisagem seria comprometida pela mata, mas poderíamos, com algum esforço, distinguir alguns cumes próximos, em especial o do inconfundível Pico do Itapanhaú. Lixo aqui? Nenhum, a diferença da Pedra do Sapo. Mas mesmo privados de visual meus companheiros estavam satisfeitos simplesmente pela conclusão do rolê proposto.
Após um breve descanso e beliscada de lanche – sob o olhar atento e “pidão” dos pulguentos – retomamos o caminho de volta. Logicamente que o caminho de volta foi muito mais rápido que a ida, embora houvesse que tomar alguma cautela com trechos lisos feito sabão. Como chegamos pouco antes das 13hr no veiculo decidimos esticar até o “Casarão do Chá”, atrativo histórico-arquitetônico á beira da SP-98, feito todo de madeira encaixada e sem nenhum prego. Ou como preferem os mogianos: “patrimônio vivo cultura da imigração japonesa cujo estilo mescla o pórtico de templos nipônicos com a taipa de pilão paulista”.
Tomamos então a rodovia Mogi-Bertioga (SP-98) no sentido contrario ao do litoral, mas não tardou em abandoná-la no trevo da Estrada do Nagao. Felizmente esta td bem sinalizado no caminho e bastou obedecer as indicações do emplacamento. Chegamos no local por volta das 14hr, onde a bicharada novamente disparou afora do veiculo, ansiosa pra esticar as patinhas. Encravado entre plantações, restos de Mata Atlântica e antigos casarios de fazendas, o “Casarão do Chá” ocupa o lugar ao lado de um charco, num lugar de raro equilíbrio. Uma feirinha do lado de fora distribuía badulaques, petiscos e artesanatos. Gratuito, não tardou nem meia hora em conhecer tudo, inclusive de mandar ver refrescos e pasteis na saída. Voltamos pra Sampa logo na seqüência, claro, a tempo de saldar outros compromissos de ordem particular.
Ah, sim. O “Casarão do Chá” tem um historia interessantíssima q daria facilmente filme hollywoodiano: foi construído em 1942 pelo carpinteiro auto-didata Kazuo Hanaoka em madeira, blocos de pedra, paredes em taipa/bambu e cobertura com telhas francesas. O edifício, dividido em dois pavimentos de arquitetura tradicional japonesa, servia na produção de chá preto, abrigando a Fábrica do Chá Tokio, q prosperou enqto durou a 2ª Guerra Mundial. Depois disso caiu no esquecimento. Foi tombado nas três instancias (nacional federal e municipal) mas infelizmente continuou mal conservado durante bom tempo, até q foi preciso chamar alguém da “terra do sol nascente” pra restaurar o prédio, dada a dificuldade em encontrar algum mestre carpinteiro q conhecesse a técnica com q o lugar fora erguido. Hoje, restaurado e melhor conservado, o lugar exibe além do seus traços arquitetônicos algum maquinário da época e eventualmente seu espaço serve pra exposições escolares.
Finalizando, quem for pra “Pedra Esplanada” recomendo conversar com os moradores antigos da região, pois eles tem causos e estórias deliciosas a respeito da “Pedra da Laje”. Tem uma que até menciona a queda de um avião da Panair no local(!?). Com relação a vereda de acesso reparei que o caminho está mal conservado justamente no seu comecinho, portanto é fundamental que a trilha seja mais pisada pra não fechar em definitivo. Isto é, quem já conhece a picada saberá chegar nela, mas quem nunca pisou lá terá dificuldades pois o lugar tá bem descaracterizado. Mas enfim, nada que um bom farejo de trilha não resolva. Ou quem sabe seja melhor assim, manter a picada menos batida pra se manter protegida, isenta de lixo e farofa. Assim, com mais dificuldades de acesso a paz e integridade da “Pedra Esplanada” estarão sempre preservadas.