Mas, por outro lado, a face norte não é técnica – você nem precisa de botas duplas, piquetas ou grampões. A aproximação nem é tão longa, são 42 km que podem ser interrompidos em Confluencia, após a qual começa o interminável trecho nivelado e arenoso, chamado de Playa Ancha.
E o acampamento de Plaza de Mulas é uma espécie de celebração da variedade de raças e esperanças reunidas naquela pequena área plana no sopé da grande montanha.
Então, essa história é sobre este local, e não sobre os acampamentos nevados e inclementes de Canadá, Nido de Condores e Berlin. Tampouco sobre o trecho seguinte, a pedregosa canaleta que conduz ao estreito cume da montanha, aonde não cheguei. E nem sobre as borrascas horrorosas que me encontraram descendo a montanha e refugiado dentro da barraca.
Em Plaza existem naturalmente barracas de variadas cores e formatos. De todas, havia uma que me chamou a atenção: parecia uma North Face futurista, numa incrível cor roxa. Pensei tratar-se de mais um europeu com equipamento de última geração. Qual não foi nossa surpresa ao saber tratar-se de um carioca duro, que havia costurado ele mesmo sua tenda, copiando os modelos importados! Chamava-se Alexandre Oliveira, ele chegava e nós retornávamos.
Tinha pouca comida, roupas insuficientes e faltava-lhe uma panela, e é claro que lhe passamos a nossa. Bem como muitos dos mantimentos que havíamos herdado de um grupo de gaúchos que desistira. Nós tínhamos uma barraca adicional onde arrumamos de forma perfeita nossa comida – tinha um corredor central e mantimentos arrumados de cada lado. Ela era a mais bem abastecida do lugar, motivo de muitas visitas invejosas dos montanhistas acampados.
Depois, ao voltar de uma viagem à África, soube da morte de Mozart Catão no Aconcágua. Recebi uma mensagem de um amigo que sabia onde eu estava. Numa dessas ironias da vida, estive no Aconcágua exatamente com seu companheiro de Everest Valdemar Niclevicz, com quem continuei me relacionando nos anos seguintes.
E, chegando a São Paulo uma semana após, descobri nas revistas as fisionomias de seus companheiros Alexandre Oliveira e Othon Leonardos. Soube mais tarde por um amigo comum que ele voltou ao Aconcágua já no ano seguinte. Fico até certo ponto feliz por nunca ter conhecido Mozart ou Othon, espero que permaneçam na boa companhia de Alexandre nessas neves eternas.