O Dedo de Deus, a história do montanhismo e Teresópolis nisso tudo

0

Conquista de teresopolitanos foi uma das principais responsáveis para a evolução do esporte.

Quando começaram a subir montanhas em nosso país? A partir de quando houve interesse em desbravar os altos montes? Certamente, as primeiras ascensões às formações rochosas brasileiras aconteceram durante o período das explorações territoriais empreendidas pelos bandeirantes a partir do século 16, mas sem os fins que buscamos hoje. Oficialmente, os primeiros registros de pessoas chegando aos pontos mais altos do país apareceram no século 19, destacando-se o pioneirismo, a pesquisa e levantamentos topográficos. Na metade desse século, já se fala em subidas à Pedra da Gávea, elevações da Serra da Carioca e Maciço da Tijuca, feitas por ruralistas do ciclo do café, entre outros feitos pelo Brasil. Mas foi em 1912 que  cinco moradores de Teresópolis acabaram se tornando os responsáveis por um dos principais feitos do montanhismo tupiniquim: A conquista do Dedo Deus! O dito impossível acabou se tornando um marco desse esporte que tem tudo a ver com a terra de Teresa e, logicamente, com o Rio de Janeiro!
 
1817 – Esse foi o ano em que cidadãos estrangeiros teriam subido pela via hoje conhecida como Costão do Pão de Açúcar e colocado uma bandeira no seu topo. O fato teria ferido os brios dos alunos da antiga Escola Militar da Praia Vermelha, que pouco depois teriam repetido a façanha, hasteando o pavilhão nacional. Em 1856, foi a fez de José Franklin Massena vencer parte das Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia. No Paraná, a Serra do Marumbi recebeu a primeira equipe de montanhistas do Brasil, que em 1879 planejaram toda a escalada no que hoje é conhecido como Monte Olimpo, em homenagem ao pioneiro Joaquim Olímpio de Miranda.  Antes de terminar aquele século, novas investidas nas Agulhas Negras – ainda consideradas como ponto mais alto do país – por Horácio de Carvalho e José Frederico Borba.
 
A CONQUISTA DO DEDO
 
Mas o verdadeiro desafio que se apresentava na virada do século só foi vencido no início da sua segunda década: O Dedo de Deus. Há muito considerado como inatingível, pois derrotara várias levas de veteranos montanhistas estrangeiros, acabou sendo conquistado por alguns teresopolitanos que, embora aficionados das atividades ligadas à natureza, não tinham grande experiência em escalada. Eram eles o ferreiro José Teixeira Guimarães, o caçador Raul Carneiro e os irmãos Acácio, Alexandre e Américo Oliveira. Contaram também com a preciosa colaboração do menino João Rodrigues de Lima, que percorria diariamente a longa subida até a base da escalada, levando comida para o grupo.
 
Os preparativos para a conquista foram minuciosos, compreendendo desde o planejamento da operação e definição da rota, até a fabricação e seleção do material técnico empregado (grampos, estribos, hastes, brocas marretas, etc.). Destas últimas tarefas, incumbiu-se o próprio Teixeira, valendo-se para isso dos conhecimentos adquiridos na sua profissão de ferreiro.
 
No dia 3 de abril de 1912, o grupo partia para seu memorável feito. Com ajuda de pesadas cordas de sisal, bambus e ferragens, os diversos obstáculos foram, dia após dia, ultrapassados. Coragem, determinação e muita cooperação evidenciaram-se como qualidades imprescindíveis para subjugar o perigo, o cansaço, o frio e as condições adversas com que se defrontavam. Paredões abruptos, chaminés estreitas, passagens sobre abismos, tudo foi aos poucos superado, graças ao arrojo e espírito de equipe dos cincos companheiros. Finalmente no sexto dia – 8 de abril de 1912 – o grupo atingia o topo da montanha.
 
Tomados por intensa emoção abraçaram-se com alegria e tremularam a nossa bandeira, ao mesmo tempo em que eram saudados à distância pelos que os acompanhavam de binóculos e lunetas. No retorno, foram merecidamente recebidos como verdadeiros heróis pelo povo de Teresópolis. Dessa forma, a conquista do Dedo de Deus representou um marco glorioso na história do montanhismo brasileiro. O caminho idealizado por Teixeira, e que mais tarde recebeu o seu próprio nome, constitui, ainda hoje, uma importante via de acesso ao cume do imponente penhasco. O grampo criado por ele para se proteger de eventuais quedas também entrou para a história e prática do esporte até hoje. 
 
A IMPORTÂNCIA DOS CLUBES
 
No dia 1º de novembro de 1919, foi fundado no Rio de Janeiro o primeiro clube de montanhismo do país, o Centro Excursionista Brasileiro. Como montanha-símbolo foi escolhido o Dedo de Deus, que até hoje figura no centro do seu emblema. O CEB realizou inúmeras excursões e conquistas, inclusive na Serra dos Órgãos. Em 1926, o clube lançou a primeira publicação destinada à divulgação do esporte – o Excursionista – depois transformada em boletim interno. 
 
A partir dos anos 30, outras associações começaram a se formar e contribuíram para a aumentar o número de cumes e paredes conquistadas. Na década de 50, o montanhismo brasileiro começou a ganhar projeção no exterior. O Centro Excursionista Carioca empreendeu algumas expedições no continente sul-americano, trazendo as conquistas do Pico La Torre (Bolívia), Cerro São Paulo e Pico Brasil (ambos nos Andes Argentinos), além de uma ascensão ao Aconcágua; Em 1957, duas montanhistas do CERJ conquistaram o Pico do Rio de Janeiro, também situado nos Andes Argentinos.
 
Em relação aos clubes, nem todos prosperaram, e, com o passar dos anos, vários acabaram fechados ou incorporados a outros. Nenhum desses fatos, porém, impediu que o Estado do Rio de Janeiro, representado pelos clubes que subsistiram, se firmasse cada vez mais como polo irradiador do montanhismo no nosso país. Muito contribuiu para tal evolução a favorável topografia fluminense, que apresenta uma gama enorme de importante maciços, vários deles situados no perímetro urbano e nos arredores de diversas cidades ou em locais de acesso relativamente fácil. 
Atualmente, existem seis Centros Excursionistas na cidade do Rio de Janeiro: o Brasileiro, o Rio de Janeiro, o Carioca, o Light, a Unicerj e o Guanabara. Em outras cidades do Estado, há o Niteroiense (em Niterói), Petropolitano (Petrópolis), o Grupo Excursionista Agulhas Negras (o GEAN, em Resende), o Friburguense (Nova Friburgo) e o Teresopolitano (CET).
 
TERESÓPOLIS NO PONTO MAIS ALTO DO MUNDO
 
Além da conquista do Dedo de Deus e outras montanhas de relevante importância, Teresópolis teve o nome elevado ao ponto mais alto do mundo, o Monte Everest (8.848m). Em 14 de maio de 1995, os primeiros brasileiros a pisar naquele cume foram Waldemar Niclevicz e o teresopolitano Mozart Catão, que infelizmente perdeu a vida quando escalava a face sul do Aconcágua, na Argentina, em 1998.
 
A partir do início dos anos 80, dois nomes passaram a ser de extrema importância para o montanhismo: Sergio Tartari e Alexandre Portela, sendo o último morador da cidade. Em 1987, eles conquistaram o big wall Terra de Gigantes, na face sul da Pedra do Sino, além de abrir inúmeras vias em Salinas (Parque Estadual dos Três Picos).
 
Em 29 de agosto de 2000 foi fundada oficialmente a Federação de Montanhismo do Estado do Rio de Janeiro – FEMERJ, que congrega os principais Clubes e Centros Excursionistas do Estado do Rio. Desde então a FEMERJ vem realizando inúmeros trabalhos em prol do montanhismo no Brasil, mais notadamente no Estado do Rio de Janeiro, sendo, inclusive, filiada e representante da UIAA no Brasil. A UIAA (Union Internationale des Associations d'Alpinisme) é a organização internacional que representa mundialmente os montanhistas, sejam escaladores ou caminhantes. Com sede em Genebra, na Suíça, foi fundada em 1932 e tem como sócios cerca de 90 organizações, a maioria das quais federações nacionais de mais de 60 países. Créditos para as informações históricas – e mais detalhes – no site www.ceb.org.br
 
Compartilhar

Sobre o autor

Marcello Medeiros é Biólogo e Jornalista, escrevendo sobre montanhismo e escalada desde 2003. Praticante de montanhismo desde 1998, foi Presidente do Centro Excursionista Teresopolitano (CET) entre 2007 e 2013.

Comments are closed.