Uma pernada, quatro pedras: Travessia Elefante – Estudantes

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Situada a 980m de altitude, a “Pedra do Elefante” é o ponto turístico mais alto de Ribeirão Pires (SP), com vista panorâmica de boa parte do município. Contudo, o serrote que abriga este atrativo é repleto de outros monolitos ao largo dos seus quase 6km de extensão. E mais, existem outros tantos que coroam os morros que se erguem pelo quadrante norte. Disso nasceu a idéia do rolê praquele sabadão de inicio de junho, embalado num céu claro de outono: uma travessia pela cumieira de boa parte desses pequenos serrotes passando por suas quatro pedras mais significativas, a “dos Estudantes”, a “do Jacu”, a “Rachada” e a “dos Estudantes”. Uma simpática caminhada de 15kms e quase 400m de desnível somados que, emendando diversas veredas, começou em Ribeirão Pires e findou nos cafundós de Suzano.

Fazia já um tempão que protelava esse rolê por este ou outro motivo, mas bastou a visita da Lau pra tomar vergonha na cara e concluir de vez aquela bagaça. Afinal, era a oportunidade dela conhecer quatro pedras duma tacada só! Na verdade eu já conhecia boa parte das veredas oficiais isoladamente, tanto a dos Estudantes, do Jacu e do Elefante. Faltava apenas emendar de alguma forma o miolo do restante do trajeto, que se resumia ao trecho situado entre a Pedra do Jacu e a Pedra dos Estudantes, passando pela Pedra Rachada, setor este que pra mim era uma total incógnita. Mas após uma rápida estudada de Google Earth abracei enfim o bate-volta, já atentando pra eventuais rotas de fuga no caso de não encontrar vias que viabilizassem em tempo hábil a pernada. Pronto e vamuquivamu!
Após tranquila viagem pela linha turquesa da CPTM, saltei com a Lau as 10:30hrs na pacata Ribeirão Pires, que por sua vez acordara faz tempo naquela manhã de sábado. O friozinho matinal era levemente confrontado com os acolhedores e bem-vindos raios do Astro-Rei, anunciando mais um dia de céu azul e tempo bom. Nos dirigimos ao Terminal Rodoviário, situado ao lado da estação, onde embarcamos imediatamente no circular “Vila Bonita”, de horários bem regulares.
A agradável viagem no busão transcorreu sem grandes intercedências, e entre uma conversa e outra apreciávamos o bucólico visual que a janela emoldurava. A medida que deixávamos a cidade e tomamos a Estrada de Sapopemba, o cinza da horizontalidade das construções do centro de Ribeirão Pires dava lugar ao verde da mata da morraria ao redor. Sempre pela supracitada estrada, o latão eventualmente desviava pra rodar pequenos bairros encravados em meio a morraria, pra depois voltar à estrada principal. Foi ali que já foi possível avistar o serrote que pretendíamos alcançar, destoando elegantemente dos morros ao norte e coroado por uma enorme “barbatana” rochosa que se elevava acima do arvoredo ao redor.
Assim, após menos de meia hora no coletivo, saltamos no ponto em frente ao “Clube Hipico Amarelinho”. Daqui basta simplesmente tocar pelo asfalto da principal via do pacato bairro até altura do numero 900. Ali abandonamos a via principal por uma pequena viela transversal de paralelepípedos, a Rua Malvina Tavares, que logo se desfaz na mais pura estrada de chão. Subindo suave e lentamente, notamos que ladeamos este inicio de encosta serrana, que aqui se vê forrada de reflorestamento de eucaliptos. Assim o caminho nos leva no que parece ser o colo do abaulado serrote.
Contudo, logo adiante surge uma bifurcação sem placa, mas o sentido a seguir é óbvio, isto é, pra direita. Pronto, não tem mais erro, daqui em diante basta sempre se manter nessa rota, subindo suavemente pela larga vereda, tão vermelha quanto erodida, diga-se de passagem. Jipeiros e motoqueiros fizeram questão de detonar este inicio de via, onde não raramente se desvia de enormes valas de terra. Não posso deixar de reparar no quanto esta via foi ampliada desde minha última visita; uma vez que década atrás a via tinha metade da largura atual. Mas a ascensão só ganha mais declividade conforme se avança, sempre cercado de muita mata ciliar, embora após um tempo a subida arrefeça e se torna mais agradável. Este trecho é bem bonito pois a cumieira é fartamente florestada, e a iluminação tênue matinal penetra pela copa do arvoredo formando belos efeitos, compensando o suor que já escorre farto pelo rosto.
Uma vez no alto da serra emergimos num trecho aberto, já marcado por um enorme bloco de granito a esquerda, sinal da existência duma provável antiga pedreira local. Ainda pela abaulada crista e após cruzar o último cinturão de mata finalmente desembocamos numa enorme clareira de capim baixo, onde se ergue a nossa frente o imponente bloco de granito que atende pelo nome de Pedra do Elefante. Formato de paquiderme não sei, mas olhando bem aquele colosso de pedra lembrava mais a próa de um navio ou uma baleia flutuando. Coisas de perspectiva ou apenas imaginação. Isso fez com que a Lau ficasse de certa forma desapontada pela pedra “não parecer tanto assim com um elefante”.
Não devia nem ser 11:20hrs e fizemos ali nosso primeiro e breve pit-stop, á altura de 980m. Pausa pra descanso, mastigada de sandubas e bebericada de alguns goles de água. Lixo? Nenhum, mas infelizmente havia pichações na superfície porosa da pedra, coisas recorrentes do acesso fácil ao atrativo. Restritos apenas a bater fotos, abrimos mão de tentar subir ao alto da pedra, utilizada também na prática de escalda e rapel. Grampos fincados reforçam isso. Entretanto, empoleirados num rochedo menor, nos divertíamos apreciando a linda panorâmica que privilegia o quadrante norte. Uma extensão de puro verde esparrama-se pelo horizonte cortado por uma linha reta do Rodoanel Mario Covas, e delimitado no horizonte por pequenos serrotes que filtram trechos urbanoides de Guaianazes e Ferraz de Vasconcelos.
Descansados, levantamos o traseiro e pusemos-nos outra vez em marcha pela continuidade da vereda principal, que se esgueira ainda pela crista no meio da mata, logo atrás da pedra. E lá fomos nós através duma vereda bem mais estreita que a anterior e que anos atrás inexistia, pelo que mal me recordo. A caminhada então prosseguiu no mesmo compasso anterior, porém agora sim envolta em bonita e exuberante mata. A crista abaulada alternava-se em suaves subidas e descidas a todo momento, embora o terreno nivelasse boa parte do tempo, sempre com mato caindo de ambos os lados! Marcos de concreto detonados pelo tempo surgem a cada 50m, indicando alguma suposta demarcação de antiga propriedade.
Bem, a pernada então prosseguiu tranquilamente, sempre na direção nordeste e subindo-descendo suavemente em meio ao frescor da mata exuberante a nossa volta. Alguns gigantes da floresta tombados eventualmente surgiam como obstáculos, mas nada que um simples desvio não resolvesse. Frestas na mata emolduravam belos trechos da paisagem em volta, assim como me causou surpresa a enorme quantidade de monólitos de pedra pipocando ao largo de todo caminho, lembrando muito as serrinhas de Biritiba-Mirim e Mogi das Cruzes. A maioria era lindamente ornada de bromélias pendendo do alto e impressionavam pelo tamanho, enqto outros poucos padeciam de rabiscos promovidos por andarilhos irresponsáveis.
Após andar um tanto e passar pelos 1036m do pto culminante do serrote (sem visu devido á mata em volta) a picada declinou de vez em linha reta e começou a descer bem forte, passando por um pequeno foco de eucaliptos, ladear uma curiosa pedra meticulosamente rachada ao meio (que reforça a idéia do lugar ter sido outrora área de mineração) até desembocar num cruzamento. Como já sabia que o ramo da esquerda dava na Estrada do Pau-a-Pique e a outra se mantinha pela serra, decidi seguir por uma discreta vereda que dali nasce e num piscar de olhos desemboca na “Pedra do Jacu”.  A maioria costuma passar batido por esta trilha se saber das surpresas que guarda, mas esse não era nosso caso. Era perto das 13:20hr e foi ali que fizemos nosso segundo pit-stop de descanso.
O lugar é formado por um conjunto de várias pedras sobrepostas que formam não apenas uma simpática gruta; formava também uma larga rampa de descanso e, a maior providenciava um oportuno mirante que descortinava todo quadrante nordeste. Contudo, pra aceder o alto do mirante havia uma “escadinha” de madeira improvisada no arvoredo ao lado da rocha. De integridade duvidosa (pra não chamar de podre), testei a mesma e vi que guentava meu peso sem problemas. Após subir as aderências da larga rampa de granito me vi no alto daquela linda pedra, com sinais de chapeletas e grampos. A paisagem descortinada privilegia a estrada supracitada na base do serrote que venceríamos logo a seguir, assim como breves lampejos da represa de Taiaçupeva e Suzano. Em tempo, somente eu subi pois a Lau não sentiu muita firmeza na “escadinha”, que a bem da verdade se resumia a velhas tábuas de madeira fixadas no arvoredo por um sem-número de fitas adesivas.
Como ainda era cedo, fizemos ali mesmo na cota dos 900m, o nosso segundo relax do dia. A Lau lagarteou á sombra da pedra na base do mirante, enqto enquanto eu me metia a fuçar as proximidades do conjunto. Uma fenda entre as pedras levava a base da rocha-mor descortinando uma alta via negativada por onde devia descer a galera do rapel. Contudo, o único porém foram as poucas pichações encontradas no interior da gruta, evidenciando a proximidade do atrativo com a estrada supracitada. Depois disso juntei-me a Lau na preguiçada básica pois ainda teríamos um bom chão pela frente até a Pedra Lascada e dos Estudantes. Vale aqui salientar que por ora, felizmente, a Pedra do Jacu ainda está fora do roteiro da picaretagem de agências mercenárias (travestidas de grupos e “canais” de trilha ou caminhada), pilantras que não bastasse surrupiar informação daqui (sem nunca se dar digno respeito de mencionar fonte), ainda cobram por rolês que dispensam qualquer ônus.  Isso quando descaradamente se apropriam de fotos sem autorização do autor. Mas este será o tema de outro vindouro texto esclarecedor, dando nome aos devidos bois e com tudo bem printado. Aguardem.
Retomamos a pernada logo a seguir, tomando a bifurcação da direita que tangencia um aceiro recém-roçado e alguns pequenos blocos de rochas, pra depois então perder altitude interminavelmente através dum largo ombro serrano. Eventualmente surgem algumas baixadas alagadas ou tomadas pela lama, mas logo na sequência a descida prossegue suave e inipterrupta. O mau cheiro de carniça nos recebe quando pisamos na Estrada do Pau-a-Pique, mais precisamente no selado que divide a continuidade da serra palmilhada, onde basta andar um pouco em meio ao corte vertical da encosta e passar sob a linha de alta tensão pra reencontrar a picada, na outra margem da empoeirada via.
A subida do ombro serrano seguinte se dá nas mesmas condições que o anterior, ou seja, inicialmente através de muita erosão que so depois suaviza num chão compacto e homogêneo. A vereda alarga e estreita em meio a exuberante floresta, sempre bordejando uma cerca pela esquerda, inclusive tangenciando um oportuno mirante com bela vista da serra palmilhada hora antes. E assim, alcançamos o alto do morro as 14:45hr, marcado incrivelmente por um portal de pedra, sendo uma delas realmente rachada ao meio. Disso suponho que essa dali deva ser a tal Pedra Rachada (ou Lascada) que o povo daqui fala, que infelizmente não oferece muita vista do alto dos seus 980m devido a farta mata em volta. No entanto, uma picada próxima dali (bem fitada) leva num piscar de olhos a uma enorme clareira de acampamento, vigiada por um rochedo similar ao anterior, porém tomado de trocentas bromélias no alto. E frestas em volta permitem ver uma ou outra coisa.
Como tudo que sobe deve descer, mal chegamos ao alto da Pedra Rachada demos sequencia á interminável descida que veio a seguir, desta vez sem pausa pra descanso. Caminho bem ruim, diga-se de passagem, pois alterna muita erosão com trechos terrivelmente escorregadios e irregulares, onde por descuido consegui carimbar o “quinto apoio” de terra. Mas após um tempo na mata fechada desembocamos num trecho de encosta mais aberto, permeado de blocos de rocha cortados a prumo, onde trombamos com as primeiras vivalmas da travessia. No caso, era um animado grupo de jipeiros que, atolados num enorme buraco, matava o tempo “de reboque” fazendo churrasco ali mesmo, a margem da vereda. “Manda ver uma carninha ai, gringo!”,ofereceram eles e claro que não recusei.  O cheiro tava bem bão! Disseram que costumam fazer o trajeto no sentido contrário sem problemas, mas que desta vez inverteram o rolê e empacaram já logo no inicio. Claro que ficaram surpresos no fato da gente estar fazendo o mesmo trajeto deles (e muito mais) a pé!
Por mim ficava ali naquele animado e delicoso churrasco regado a breja, mas a Lau prontamente me chacoalhou lembrando do verdadeiro propósito de estar ali. Nos despedimos dos caras e prosseguimos a descida do morro, novamente no frescor da mata fechada com eventuais frestas pelo arvoredo. Numa delas deu pra visualizar perfeitamente a Pedra dos Estudantes, banhada pela luz dourada da tarde, coroando o verdejante morro a nossa frente, relativamente próximo. E assim, após ladear uma pedreira de porte mediano, terminamos caindo na bucólica “Estrada dos Moraes”, que acompanhamos por pouco tempo. Aqui vale atentar que esta via de chão se bifurca em estrada e numa íngreme picada, mas ambas opções logo se juntam adiante na chamada “Estrada do Morro Grande”, como é conhecida por aqui.
Na sequência, já bem pertinho do sopé do morro que abriga nosso próximo destino, é preciso atentar numa curva fechada (que desvia forte pro sul) á espessa mata da margem esquerda da via. A entrada da trilha ta bem escondidinha, perto duma árvore cortada, mas uma vez encontrada não tem mais erro. A vereda mergulha na mata, desce um pouco passando por um mirrado correguinho que marulha entre pedras, sobe em diagonal pela encosta do morro, pra depois empinar bem forte numa linha reta pra cima! E tome piramba íngreme, de declividade de mais de 45 graus, morro acima! Chão liso e poucos apoios apenas adrenam mais esta árdua subida de quase 80m num estirão só!
A subida suaviza ao cair noutra picada maior que corta transversalmente o morro, em nível, e tomando o ramo da esquerda num piscar de olhos encontra a vereda principal, que por sua vez vem do norte. Ufaaa! Uma vez no descampado tomado de alto capinzal e blocos isolados de rochas imediatamente reconheci o trajeto. E após cruzar um pequeno foco de mata mais alta e trombar com visitantes no sentido contrário, finalmente caímos na base da chamada “Pedra dos Estudantes”, que na verdade é o conjunto de 3 enormes rochas dispostas no alto do morro: duas maiores na frente (uma delas em pé) e uma terceira, menor, atrás.
Mas claro que não ficaríamos na base, e dando a volta pela direita encontramos a estreita e íngreme vereda que se esgueira em meio a samambaias e rochas, demandando alguma escalaminhada  fácil, passando pelo meio da primeira e terceira pedra, 20m acima. Logo nos vemos pisando as aderências da larga e áspera rampa rochosa dos 960m do alto da “Pedra dos Estudantes”, que lembra uma versão reduzida da Pedra Grande de Atibaia. O sol ia lentamente se pondo a oeste, nos lembrando que era pouco depois das 16hr e no inverno escurece mais cedo, e pra mim estava fora de cogitação andar á noite. Ainda assim nos brindamos com um breve descanso, lanche e contemplação da bela panorâmica que privilegia o quadrante oeste de toda aquela região, com vistas de Mauá, Suzano e principalmente Mogi das Cruzes, sendo observada pela silhueta altiva da Serra do Itapety, que abriga o Pico do Urubu.
Nos pirulitamos coisa de dez minutos depois, preocupados com a noite nos surpreender ainda no mato. No entanto, nosso ritmo de descida pela vereda oficial estava satisfatório demais e assim caímos nos fundos da “Chácara Pantanal” e, na sequência, na “Chácara dos Mentirosos”, onde por sobre o ombro tivemos nossa última vista da pedra visitada, agora tomada pelos tons  alaranjados do crepúsculo daquele final de dia. Dali foi apenas se manter pela via principal até dar na frente da “Fazenda do Pneu”, ás margens da “Estrada Fazenda Viaduto”, conhecida via rural vicinal de Suzano. Ali esperamos um tantão pelo busão e nada, dai com locais fomos informados que o coletivo só passa de duas em duas horas. Aliás, condução é uma reivindicação antiga dos moradores dali, que parecem ter sido esquecidos pela atual gestão municipal.
Seguimos então o conselho dos prestativos moradores locais, no caso, uma galera pronta pra sair na balada. Andamos então menos de 2kms estrada acima, pro norte, que lá chegavam lotações de Suzano com muito mais frequência. Dito e feito. Já sendo inicio de noitinha e friozinho começando apertar, embarcamos numa trepidante van em direção ao centrão suzanense, onde finalmente tomamos o tremzão pra Sampa. Mas claro, não sem antes passar numa vendinha local e garantir o sagrado néctar de todo final de rolê, que sempre ganha forma duma gelada e deliciosa lata de cerveja.
Pra finalizar, vale a pena reforçar que esta pernada  é um roteiro agradável, descompromissado e tranquilo de um dia cheio, que não demanda muito esforço ou qualquer habilidade técnica. Ideal pra gente descondicionada ou que tenha dificuldade de orientação, além de poder ser feito em ambos sentidos. Pros mais dispostos e empenhados fica a sugestão de percorrer as veredas que se ramificam pelo quadrante oeste, a partir do espigão principal, ou explorar as mesmas montados numa magrela. Quem sabe encontre novas rochas de aspecto “zoomórfico” ou com formatos pitorescos que possam ser incluídos em novos circuitos ou travessias interessantes por esta região rural pouco conhecida, que faz divisa entre Ribeirão Pires e Suzano.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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