A Serra dos Pireneus articula a formação do Caiapó ao sul com a do Espigão Mestre ao norte. Não exibe uma grande expressão geográfica, mas tem uma história interessante e uma localização especial.
A fundação de Pirenópolis no início do século XVIII remete à busca do ouro, cuja extração entretanto durou menos de meio século. Uma modesta agricultura de subsistência perdurou a seguir durante um longo período de estagnação. A criação de Goiânia e Brasília nas proximidades fomentou o turismo, hoje a maior fonte de renda regional.
A cidade de Pirenópolis ocupa o centro da Serra dos Pireneus. Esta vila colonial é atravessada de norte a sul por uma escarpa, resultado do encontro do elevado planalto brasileiro a leste (numa altitude de 1.000m) com uma formação 300m mais baixa a oeste.
A escarpa formou-se em períodos muito remotos, associados à colisão de placas do continente ancestral Gondwana, que unia a América a África. Mais tarde, a região foi sendo retrabalhada, com uma série de dobras, falhas e deformações, que modelaram seu relevo.
Sua rocha básica é o quartzito de origem sedimentar, que aparece dobrado e fraturado, normalmente na direção E-W. É uma região de aspecto áspero, com estreitos vales encaixados entre serras. Os Pireneus se estendem por 150 km, desde Inhumas ao sul até Cocalzinho ao norte. Seu trecho central de 40 km abrange Pirenópolis e Corumbá de Goiás.
O planalto possui uma savana de aspecto campestre e rochoso, sendo irrigado por rios que descem para o Paranaíba, afluente do Paraná. A região interna apresenta vegetação mais densa, banhada pelos cursos da bacia do Tocantins-Araguaia. Os dois rios cujas nascentes pertencem à serra correm em direções opostas: o Rio das Almas para o Tocantins e o Rio Corumbá para o Paranaíba.
O bioma da região é o cerrado, com suas árvores pequenas, de troncos estriados e retorcidos, com folhas duras e ásperas, crescendo num solo aparentemente árido e pobre. Este visual esconde uma grande diversidade vegetal, com inúmeras flores, sejam arbustivas ou arbóreas – que decoram as arvores de porte, as palmeiras e os arbustos, intercalados com várias gramíneas.
Na realidade, há momentos em que parece haver regiões de transição no cerrado, com exemplares seja da mata atlântica ou da caatinga convivendo com os campos tão típicos daquela vegetação. Isto pode acontecer devido à posição central do cerrado na geografia brasileira, compartilhando fronteiras com os outros biomas, dos quais passa a sofrer influência.
Não tão rica como no Sudeste, a fauna do cerrado é, ainda assim, bastante variada, principalmente em pássaros. Devido às altitudes rochosas, é possível o avistamento de aves raras, como a águia chilena e o urubu rei. Os mamíferos mais típicos são os macacos, os lobos guará, as antas e os tamanduás – e, eventualmente, onças e jaguatiricas – mais facilmente encontrados nos locais úmidos das veredas e matas. Estas, entretanto, estão sendo crescentemente fragmentadas devido à ocupação do solo.
O nome da serra que compõe a escarpa a que me referi antes foi dado por seus habitantes. Diz a tradição local que havia catalães nas proximidades, que achavam o perfil ondulado da serra semelhante ao dos Pirineus, cadeia situada entre a França e a Espanha. De fato, ela apresenta as três corcovas que lhe dão um desenho sugestivo.
Mas a Serra dos Pirineus tem importância histórica. A Constituição brasileira do século XIX determinava uma grande área no Planalto Central para nela estabelecer nossa futura capital. O astrônomo Luiz Cruls chefiou uma comissão que chegou à vila de Pirenópolis para demarcar os quatro vértices do chamado Quadrilátero Cruls, num trabalho aventuresco que durou meio ano. O local foi escolhido devido à longa vista propiciada do grande planalto.
Cruls concluiu que a região era salubre, segura e bem irrigada. Suas planícies, segundo disse, tinham declividades suaves que se prestavam admiravelmente para uma grande cidade. E lá foi construída Brasília, embora os atuais limites do Distrito Federal resultassem apenas 1/3 do Quadrilátero.
Naquela época acreditava-se que o Pico dos Pirineus estaria a 3.000m de altitude, superando os três gigantes então conhecidos: o Itatiaia, o Itambé e o Itacolomi. Porém Cruls determinou, pelo ponto de ebulição da água, que ele mediria 1.385m – e estava rigorosamente certo.
Mas, antes da Comissão Cruls, a região foi visitada no início do mesmo século pelo incansável naturalista Saint-Hilaire. Sua viagem a Goiás foi de grande importância histórica, pois escreveu sobre a vila, as fazendas, os índios e os costumes.
Havia na região a ideia de que a Serra dos Pirineus deveria ser abraçada por um parque natural. Praticamente cem anos depois da Comissão Cruls, foi lá criado um pequeno Parque Estadual, com 3 mil ha. Naturalmente, seu ponto de maior interesse é a montanha, na realidade uma feiosa e modesta formação em quartzito que você percorrerá em cerca de ½ hora. Fica a 20 km de Pirenópolis, através de uma estrada irregular de terra.
À semelhança de Goiás Velho, Pirenópolis tem também a sua Cidade de Pedra, composta por aforamentos rochosos numa extensa área de talvez 600 ha, considerada a maior do país. Fica a mais de 50 km da cidade, por um acesso um tanto precário.
Lá o quartzito forma impressionantes figuras lembrando objetos, rostos ou animais, que se desenvolvem ao longo de labirintos rochosos, intercalados com zonas de arbustos e gramíneas. As trilhas são irregulares e de difícil orientação, sendo penoso o avanço através delas, pois é uma região quente e seca.
Apesar de seu aspecto seco, a região é banhada por diversas cachoeiras, abastecidas pelos aquíferos da região. A maior parte delas fica a distâncias moderadas da vila, de até 20 km, sendo com frequência algo urbanas, como as do Abade, de Bonsucesso e do Rosário.
Mas, a meu ver, não há nada comparável às Cachoeiras dos Dragões (a 40 km ao norte). Ficam numa área alta e isolada que acabou sendo comprada por um grupo budista, que nomeou as oito cachoeiras lá existentes de acordo com os passos do autoconhecimento. Estes foram ilustrados por histórias do dragão: por exemplo, Dragão Azul, Dragão Verdadeiro ou Rei dos Dragões, uma para cada queda. Percorre-las ao longo de 4 km é um dos caminhos mais emocionantes que conheço.
Pirenópolis é uma cidade alegre, voltada para a sua cultura – o principal evento são as Cavalhadas, no início do inverno, onde é encenada já há quase dois séculos a batalha entre mouros e cristãos, durante três dias de luxo, festa e alegria. Mas não se trata de um espetáculo encenado para os visitantes, como esses Carnavais das cidades praianas, e sim de uma tradição vivida a cada ano com emoção por seus habitantes.
1 comentário
Bacana a cobertura, as fotos… Vale o reparo no texto sobre o turismo ser a maior fonte da econô
mia. Vale entrar no site da prefeitura e certificar se desses dados… Nilza M. Brito