A terra de Goiás me parece dispor de uma diversidade de usos que São Paulo tinha quando eu era menino. As lavouras goianas abrangem toda uma variedade de grãos, em oposição à monotonia dos canaviais paulistas. Goiás não conta com a Mantiqueira e o Litoral, mas possui muitas árias de interesse. Vou sucessivamente abordar meia dúzia delas.
Um desses locais é Pirenópolis. Acho que poderia escrever umas quatro colunas sobre esta região que adoro, mas vou resumir em apenas duas.
Assim como a antiga capital Goiás Velho, Pirenópolis foi o berço do coronelismo goiano. Foi exatamente para isolá-lo que se articulou a construção da atual capital Goiânia.
Mais tarde, o norte goiano sofreu outro revés, com a separação do novo estado de Tocantins. É um tanto estranho como as duas vilas não parecem até hoje participar do grande agronegócio goiano.
Depois de um passado recente de decadência, a vila foi restaurada, tornando-se atração para os turistas afluentes das cidades próximas, Brasília e Goiânia. Pirenópolis é um raro caso que reúne natureza, cultura, história e lazer.
Por isso, costuma ficar lotada nos fins de semana – as principais atrações são as Cachoeiras do Abade e de Bonsucesso, uma sucessão de quedas com fácil acesso. Mais além fica o pequeno e rústico PE dos Pirineus – além da Rua do Lazer, onde as mesas tomam o lugar dos carros.
Existe também a Cidade de Pedra, um conjunto impressionante e desorientador de rochas em que a erosão esculpiu as mais estranhas formas. O local é distante e isolado, recoberto por um áspero cerrado rupestre.
Pirenópolis é atravessada de norte a sul por uma escarpa em quartzito sedimentar, resultado do encontro do elevado planalto brasileiro a leste com uma formação bem mais baixa a oeste. É esta serra que dá nome à cidade.
Diz a tradição local que havia catalães nas proximidades, que achavam o perfil ondulado da serra semelhante ao dos Pirineus. O bioma é o do cerrado, com um clima algumas vezes árido.
A Serra dos Pirineus tem importância histórica. A antiga Constituição brasileira determinava uma enorme zona no Planalto Central para nela estabelecer nossa futura capital.
O astrônomo Luiz Cruls chefiou uma comissão que veio a Pirenópolis para demarcar os quatro vértices do chamado Quadrilátero Cruls. Foi um trabalho aventuroso que durou meio ano.
O local foi escolhido devido à longa vista propiciada do planalto brasileiro. Cruls concluiu que a região se prestava para acolher uma grande cidade. E lá foi muito depois construída Brasília, embora os atuais limites do Distrito Federal resultassem apenas 1/3 dos do quadrilátero original.
Naquela época, acreditava-se que o Pico dos Pirineus estaria a 3.000 m de altitude, superando os três gigantes então conhecidos: o Itatiaia, o Itambé e o Itacolomi. Porém Cruls determinou, pelo ponto de ebulição da água, que ele mediria modestos 1.385 m – e estava rigorosamente correto.
É em Pirenópolis que se realizam durante três dias as Cavalhadas, quando se simulam já há quase dois séculos as batalhas entre mouros e cristãos. Estes são representados por cavaleiros ricamente vestidos em vermelho e azul, montados em esplêndidos animais.
No fim do último dia, todos os cavaleiros foram rezar à noitinha junto ao pátio de uma igrejinha. Depois de tanta exposição pública no estádio da cidade, esta parecia uma cerimônia privada, quase sem ninguém.
Comentei com uma senhora: Foram três dias de poeira, barulho e calor. Ela disse: Pois para mim, foram três dias de família, tradição e alegria. E ela tinha razão, a Cavalhada, diferentemente do Carnaval, é uma festa feita para os habitantes locais, não os turistas de fora.
A tarde terminava, era o nosso último dia lá e olhei já com saudade as derradeiras cores laranja no horizonte, antes que a escuridão viesse nos abraçar.