Começo aqui um conjunto de dois artigos sobre um assunto que tem sido muito debatido: qual é a extensão do Brasil destinado à nossa agropecuária e quão nociva ela se mostra ao meio ambiente.
Existe um assunto que me persegue há muitos anos. Entre elogios e denúncias, a mim parece difícil decidir se nossa agropecuária seria uma aventura vitoriosa e inocente para a produção de alimento ou uma atividade predatória, insistentemente nociva ao meio ambiente. Não tenho um juízo final, mas veja meus argumentos.
O Planeta Cultivado
Nos fins de 2017, um trabalho conjunto da agência espacial e do serviço geológico norte-americanos mapeou as áreas cultivadas em todo o planeta. Pela primeira vez, as imagens do satélite Landsat permitiram comparar as áreas de cultivo (mas não as de pastagem e de floresta) de forma precisa e homogênea. O resultado foi surpreendente.
A área cultivada no mundo era de quase 20 milhões de km², com uma grande concentração de 40% em apenas cinco países, naturalmente todos eles enormes. A Índia ocupava incríveis 60% de sua própria área com cultivos, a Europa dedicava 55% e a maior parte dos países, de 20 a 30%. Cada pessoa consumia em média 4 hectares por ano para sua sobrevivência.
Devido à presença de desertos, montanhas, rios e florestas em cerca de ¾ do planeta, a média mundial da ocupação com lavouras era de 12,5% (acredito que a proporção em relação às áreas efetivamente cultiváveis seja o dobro):
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País
Área Cultivada
(em mil km²)
Proporção da Área do País
Proporção do Total Mundial
Índia
1.800
60,5%
9,6%
Estados Unidos
1.680
18,3%
9,0%
China
1.650
17,7%
8,8%
Rússia
1.560
9,5%
8,3%
Brasil
640
7,6%
3,4%
Total Mundial
18.700
12,5%
39,1%
Dentre os grandes países, só o Canadá e a Austrália dedicam menor proporção de sua área com o cultivo do que o Brasil. As razões são as suas extensões de gelo e de deserto. Globalmente, os grandes países cultivavam quase 20% de seu território e preservavam 10%. O Brasil cultiva 7,6% e, segundo a Embrapa, preserva inacreditáveis 66,3%.
O Mundo Rural Brasileiro
Diz o belo estudo da Embrapa que o mundo rural brasileiro é, na prática, uma sucessão de ilhas e arquipélagos de cultivos e pastagens num imenso oceano de formações vegetais nativas, em diferentes estados de proteção, preservação e conservação. No Brasil, ao contrário do que ocorre na maioria dos países, não é a zona rural que contém manchas de florestas e de vegetação nativa; é a imensa e diversificada área de vegetação nativa que contém as atividades rurais. Voltarei adiante a esta opinião.
Conforme a Embrapa, se o Brasil cultivasse três vezes mais, chegando a algo como a média de 20% de cultivo dos grandes países, esse percentual ainda não superaria a vegetação nativa que nossa agropecuária preserva, pois surpreendentemente ela ocupa apenas metade de seus imóveis. Também revisitarei este assunto.
A Embrapa
Acho que seria interessante falar sobre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Há meio século atrás, nasceu do esforço do governo brasileiro para desenvolver pesquisa agropecuária voltada para um ambiente tropical.
Não havia então tecnologia agrícola para um bioma de cerrado como o nosso – toda a pesquisa era voltada para regiões temperadas. Esse esforço ajudou a transformar o Brasil. Hoje a nossa agropecuária é uma das mais eficientes e sustentáveis do planeta. Incorporamos uma larga área de terras degradadas aos sistemas produtivos, comenta a empresa.
A Embrapa é uma empresa enorme e complexa. Opera no Brasil quatro dezenas de unidades descentralizadas, focadas seja em regiões como a Amazônia e o Pantanal, seja em culturas como soja, mandioca e café, seja em criatórios como bovinos e peixes, ou ainda atividades voltadas para a biologia, a genética, a energia e a silvicultura.
Seus esforços de inovação são voltados para negócios empresariais ou familiares, para comunidades tradicionais ou grandes corporações. Colabora com centenas de pesquisas, convênios e parcerias. Emprega quase dez mil pessoas e gera um faturamento de US$ 1 bilhão. A Embrapa é uma empresa de conhecimento, de aplicação e de desenvolvimento inteiramente nacional, que os brasileiros devem conhecer e valorizar.
A Natureza Resguardada
Deixe-me agora comentar sobre as áreas resguardadas na natureza brasileira. Esta não é uma palavra usual, eu a aplico aqui para diferenciá-la dos termos mais comuns, que você encontrará a seguir. O estudo da Embrapa a respeito divide as áreas resguardadas em três categorias.
A primeira, de preservação, refere-se às áreas que pertencem às nossas fazendas, mas não são exploradas por elas. Isto se deve á imposição da chamada reserva legal, ou seja, de 20 a 80% da área total (dependendo da região e do bioma) deve ser preservada. E também ao fato de que nem todas as fazendas já exploraram todas as suas extensões. A área preservada do país seria de 2.180 mil km².
A segunda, de proteção, inclui as chamadas unidades de conservação e as terras indígenas. As UCs são formadas principalmente por nossos parques naturais. As terras indígenas, muito maiores, são aquelas demarcadas e atribuídas às diferentes tribos brasileiras.
Note que, em princípio, esta área não deve diminuir, a menos que UCs e TIs sejam extintas – ao contrário, deve aumentar ao longo do tempo com a criação de novas unidades. A área total de proteção soma atualmente 2.060 mil km².
A terceira, de conservação, é bastante curiosa. Segundo a Embrapa, ela se refere ás enormes extensões de terras devolutas e não cadastradas. As terras devolutas são aquelas que pertencem à União e não tiveram destinação específica.
Porém, podem ser regularizadas por seus ocupantes, desde que demonstrem a sua posse. Veja que, à medida que o país for sendo ocupado, as áreas preservadas das fazendas e conservadas da União devem ir se reduzindo gradativamente. Esta área é estimada em 2.090 mil km².
Os Gigantes da América
É interessante comparar a destinação das terras nos dois gigantes da América, representada nas figuras a seguir:
O resumo do uso territorial é mostrado na tabela abaixo, a área sombreada significando o total resguardado (ou seja, preservado, protegido e conservado). No Brasil, ele seria de 66% vs. 20% nos Estados Unidos.
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Uso do Território Nacional
Brasil
EUA
Áreas cadastradas de proteção rural
25%
zero
Vegetações nativas em terras devolutas
17%
9%
Terras indígenas demarcadas
14%
2%
Unidades de conservação integral
10%
9%
21%
29%
Lavouras
8%
17%
Florestas plantadas e exploradas
1%
28%
Demais usos
4%
6%
Total
100%
100%
Portanto, o Brasil teria uma posição privilegiada no mundo: um produtor fundamental, com enorme potencial e intensa preservação. Será? Veja a continuação na próxima coluna.