Retrospectiva 20 anos Alta Montanha –  Os Campos do Paraíso

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O Portal Alta Montanha foi idealizado com o objetivo de divulgar informações e histórias e relatos das aventuras realizadas no Brasil. A narrativa de Marcelo Brotto sobre os Campos do Paraíso foi um dos primeiros textos públicados no portal contanto sobre como foi esta aventura. Veja ele na íntegra:

Os Campos do Paraíso

            A Rota

Faço parte do vento…
Em busca das terras que certamente não existiriam, a não ser que alguém acreditasse no contrário. Foi assim que aconteceu. Na trégua das nuvens, as montanhas mostraram sua verdadeira face. De longe pareciam estéreis, porém, vistas mais perto…
Montanhistas de alma, amigos de muitos anos. Esses eram os aventureiros que numa manhã de sábado puseram-se a andar em busca dos Jardins do Éden. Tudo começava num antigo pasto seguindo por uma trilha que desembocava em um tradicional rio de pedras coloridas. Dali por diante o caminho se embrenhou em uma magnífica floresta levando-os a um acampamento de caçadores. Pouco tempo depois encontraram outro rio, este, porém, formado por uma seqüência de pequenas quedas. Logo perceberam que não estavam na direção certa. Deveriam ter rumado mais a sudoeste do que a oeste. A essa altura a chuva que havia começado fina, engrossava. Decidiram, portanto, desistir da subida e tentar novamente em outra oportunidade. Retornaram vasculhando cada indício de trilha que pudessem encontrar. Já próximos ao primeiro rio desconfiaram de uma entrada à esquerda. Confirmaram. Era ali mesmo.
Mais confiantes de suas possibilidades marcaram para o ano seguinte uma nova investida a fim de chegar definitivamente em campo aberto.

            A Ascensão

Em meados do outono lá estavam novamente. O mesmo pasto, o mesmo rio, porém, dali por diante tudo era novidade. Árvores altas e esparsas, carregadas por bromélias e folhagens caracterizavam a paisagem nas primeiras horas de caminhada. Pássaros dos mais variados ecoavam seus cantos dando ao ambiente uma agradável sonoridade.
Logo chegaram à metade do percurso. O ponto era um pequeno riacho, assinalado igualmente no mapa. Fizeram uma pausa para repor as energias e abastecer de água. Quando resolveram retomar a subida, deram por falta da continuação da trilha. Este imprevisto, no entanto, não os tirou a motivação. Decidiram por abrir caminho através do implacável vara-mato, com suas tradicionais bromélias rasteiras, cipós entrelaçados e bambus aos montes. A partir daí a progressão tornou-se lenta e penosa. A dureza da vegetação aos poucos feria braços e pernas, fazendo com que cada passo fosse vencido com grande esforço. Era preciso sair dali e reencontrar o caminho antes que o sol baixasse no horizonte. Sabiam que naquela posição só haveria uma rota a tomar. E ela apontava para o alto da serra. Com enorme persistência conseguiram, após duas horas, vencer a mata e reencontrar a prometida trilha.
Andaram por mais algum tempo até abordarem em uma crista descampada de onde vislumbraram um panorama extraordinário. À frente deles erguia-se uma magnífica montanha de rochedos escarpados tendo à sua esquerda duas belas cascatas que saltavam dos finos campos do alto da serra. A sombra, projetada pelo avançado do sol no horizonte, já engolia por completo as encostas. A luz que ainda pairava sobre os despenhadeiros, somada ao silêncio absoluto, trazia um irremediável sentimento de paz. Perplexos por tamanha beleza resolveram prosseguir, mesmo com a possibilidade de pegar a noite pela frente.
Dali por diante tudo se resumiu a pequenas árvores, cansaço e escuridão. O estreito rastro serpenteava metro após metro sem dar sinais de que estaria por terminar. Houve um momento em que eles se sentaram e apagaram suas lanternas. Enquanto reorganizavam suas forças, passaram a prestar a atenção na mata e em si próprios. Anos a fio trilhando pelos mais diversos caminhos dessas terras os fizeram tão semelhantes à floresta quanto seus naturais moradores. Já estavam, portanto, aptos a contornar qualquer dificuldade que os impedisse de alcançar seus objetivos. Minutos depois, reabilitados, prosseguiram para enfim encontrar os primeiros campos de altitude. Procuraram um bom lugar para levantar acampamento e ali pernoitaram sem saber exatamente onde haviam chegado, pois apenas a luz da manhã poderia revelar os detalhes da paisagem.
Quando o sol nasceu no dia seguinte, tiveram a certeza. Haviam encontrado os Campos do Paraíso…

O Retorno

“Sou gaivota por sobre o mar,
Meu vôo é volta de qualquer lugar,
Desapareço no tempo no ar,
Antes que um olho consiga piscar,
Num vôo rasante o que eu vi
não dá pra acreditar, não dá pra acreditar!
Minhas penas tremendo,
Me levem daqui, me levem daqui.
Faço parte do vento,
Vou me embora correndo,
Se acalme, se acalme…” (Blindagem)

A chuva que nos trouxe até aqui se desfaz. A terra mostra suas dádivas. Os campos têm mais vida do que se podia imaginar, o céu, mais estrelas do que se podia contar. O sol faz o oceano resplandecer como um imenso espelho pontilhado por barcos pesqueiros. Orquídeas [1], bromélias e pequenas flores se espalham sobre as rochas e capins. Em suas encostas ipês amarelos e cascatas formadas por ipirangas. Nada tão inacreditável quanto seus habitantes. Uma cobra, três quatis, um escorpião, dois caranguejos, uma grande tartaruga e muitas andorinhas. Uma terra que aprendeu a se camuflar e proteger seus segredos. Um lugar que poderia simplesmente não existir. Mas ele existe…

            por Marcelo Brotto
Curitiba, 21 de dezembro de 2002

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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