Moeses Fiamoncini está no Nepal se recuperando de suas últimas escaladas no Manaslu e no Dhaulagiri. Atualmente ele é o montanhista brasileiro com o maior número de cumes acima de 8 mil metros de altitude. Mas para alcançar essa marca precisou se desafiar seus próprios limites e medos. O Portal Alta Montanha entrevistou o brasileiro para saber um pouco mais sobre suas aventuras. Confira:
Como você se sentiu ao chegar no cume do Dhaulagiri? Foram várias tentativas desde 2019 quando sofreu o acidente, certo?
Consegui escalar o Dhaulagiri na minha terceira tentativa neste terreno. A primeira tentativa foi no outono de 2019. A segunda tentativa na primavera de 2021. E agora novamente na temporada de outono/2023
O acidente de 2019 quase me tirou a vida, estava muito perto do cume. Nesta ocasião estava em uma cordada com o chileno Juan Pablo Mohr, sem oxigênio suplementar, sem sherpas e sem cordas fixas.
O acidente aconteceu durante a travessia de uma parede de rocha coberta por 30cm de neve que eu estava escalando sozinho, à 8120 metros. Sofri uma queda de 20 metros onde minhas botas, luvas e Down Suit encheram de neve, quebrou meu capacete e quase morri de hipotermia. Um acidente que quase tirou minha vida a 8.100 metros sem Sherpa e sem oxigênio suplementar. Até tentei me levantar e seguir para o cume, mas infelizmente sozinho e naquela situação à -27 graus com rajadas de vento que chegavam até 55km/h nada pude fazer além de tentar descer para o C3 e tentar sobreviver.
:: leia a matéria completa: Moeses Fiamoncini relata queda no Dhaulagiri
Na escalada de 2021 vinha da minha primeira tentativa de escalar o Annapurna I, já estava bem desgastado psicologicamente. Aquela temporada no Annapurna I não tinha sido fácil. E depois de um ciclo de aclimatação no Dhaulagiri, mais da metade dos participantes estavam com covid e a expedição acabou sendo cancelada.
No ano seguinte na primavera/2022, tinha pago a permissão para escalar o Dhaulagiri, mas depois de mais uma difícil temporada no Annapurna I com alguns resgates de amigos e de ver a situação que eles desceram da montanha, eu como líder da expedição Annapurna/2022, não tive cabeça para continuar escalando logo em seguida.
Na primavera/2023 foi mais um ano que tinha o Dhaulagiri em mente. Paguei a permissão e mais um ano com muitos resgates no Annapurna I. O que mais me abalou dessa vez foi a morte do meu querido amigo irlandês Noel Hanna, depois de fazer cume acabou falecendo no acampamento 3 a 6500 metros de altitude. Nessa ocasião acabei voltando menos de 70 metros do cume. Minha terceira tentativa frustrada sem cume do Annapurna I.
Logo em seguida fui para a temporada no Paquistão. A bola da vez era o Gasherbrum I com 8080 metros de altitude. Mas infelizmente na minha segunda rotação de aclimatação, acabei caindo em uma greta e finquei os crampons no joelho direito, pensei que era o fim! Mas depois de 14 dias me recuperando no acampamento base, consegui fazer cume e me tornar o primeiro brasileiro a conquistar os 5×8000 na cordilheira do Karakoram e sem uso de oxigênio suplementar. Uma conquista que levou quatro anos de muito planejamento, dedicação, e vontade de vencer.
Um mês de descanso e retornei ao Manaslu no Nepal para seu cume real. Sempre pensando na possibilidade de ir ao Dhaulagiri na sequência. Com o cume do Manaslu em apenas seis dias, a motivação foi lá em cima e fui direto para o Daulaguiri. Dessa vez consegui a enorme proeza de chegar ao cume de uma montanha que tem mais ou menos 647 cumes e 86 mortes. Uma porcentagem bem alta que coloca o Dhaulagiri como uma das montanhas mais mortais do planeta.
Você escalou sem Sherpas e sem oxigênio, igual foi no Manaslu?
Sim, sem assistência de Sherpas nas duas escaladas. Em inglês usamos o termo “unassisted” isso quer dizer sem assistência. Isso significa que quando decidir sair do acampamento base, você estará por sua própria conta e risco, responsável pelas suas decisões.
Quais as maiores dificuldades que teve nessas duas montanhas?
Tanto no Manaslu como no Dhaulagiri a descida foi a parte mais difícil. Em ambas as montanhas fui o último a voltar e acabei descendo sozinho, sabia que se acontecesse alguma coisa comigo levaria muito tempo para ser resgatado e isso poderia ser fatal! Não tinha margens para erros! Foram muitos os momentos de contemplação, mas às vezes isso pode ser assustador, sozinho, acima dos 8000 metros, melhor não deixar os pensamentos negativos tomarem conta da mente e manter o foco na necessidade de descer o mais rápido possível. No Dhaulagiri sai às 16h do dia 28 do C2 e voltei ao C3 no dia seguinte as 18h30. Foram 26h30 minutos de escalada, um esforço sobre-humano.
Porque decidiu fazer o Manaslu novamente?
O Manaslu foi minha primeira montanha acima de 8000 metros que escalei em 2018. Fiz cume juntamente com o renomado alpinista espanhol Sergi Mingote que infelizmente faleceu em 2021 em uma escalada invernal no K2.
Nessa época tinha pensado ter chegado ao cume verdadeiro onde todos chegavam. Mas em 2021 uma foto de drone provou o que todos desconfiavam e o debate parece ter terminado! Agora a comunidade montanhista concorda que os alpinistas devem chegar ao cume real para completar a subida.
Havia mais pessoas com você na escalada do Manaslu?
Havia mais umas 12 pessoas. Mas eu estava por conta, sobre minha responsabilidade o fato de seguir para o cume ou descer. Quando estava chegando perto do cume mais baixo, todos já estavam descendo. Escalei a última parte sozinho e cheguei até o cume principal. Foi muita emoção, o lugar realmente era incrível, sentir os pulmões respirando acima dos 8000 metros na zona da morte é um feito para poucos seres humanos.
Quais as próximas montanhas que pretende escalar?
Com essa expedição ao Dhaulagiri completo 16 grandes expedições nos Himalaias. Foram 16 expedição para conquistar 8 cumes. Com a escalada do Dhaulagiri cheguei também na metade do @projetohimalaias8000. Ainda me faltam 7×8000. Muitas escaladas ainda estão por vir.
Há alguma coisa que queira falar ou destacar sobre suas escaladas, Moeses?
Uma vez conversei com o alpinista espanhol Sergi Mingote sobre cada vez mais expedições comerciais nos Himalaias. Ele me disse que o grande diferencial sempre seria entre as ascensões em montanhas de 8000 metros daqueles que usariam oxigênio suplementar e os que não usavam.
Eu, um pouco mais romântico, sonhava com o alpinismo dos anos 70, onde as ascensões eram muito mais raiz, alpinistas abrindo novas rotas e escalando em estilo solo e alpino. Estou falando sobre isso porque só gostaria de diferenciar os dois estilos! Sei que muita gente acha que é a mesma coisa. Muitas vezes a própria mídia publica um artigo e não faz menção sobre a diferença de com ou sem oxigênio suplementar.
Mas digo que a diferença é brutal. É só quem já provou das duas formas sabe o que estou falando. É a mesma coisa que mergulho com cilindro e mergulho livre onde usa os pulmões para descer o máximo possível nas profundezas do oceano, nos limites da fisiologia humana!
Assim é estar acima dos 8000 metros de altitude sem oxigênio suplementar. É para poucos e me sinto muito orgulhoso de estar fazendo o que gosto e representado meu país em algo tão único.
Só para reforçar o que disse: já são quase 12 mil ascensões ao cume do Everest com oxigênio suplementar e somente 216 cumes sem oxigênio suplementar. A diferença é brutal.