Quando você quiser repousar e esquecer, viaje até a Serra dos Alves em Minas. Mínima, rústica e isolada, irá abrigá-lo em jornadas de inércia ou de cansaço, até que o tempo passe e você tenha de voltar à sua vida de antes, se de fato preferir retornar.
A Serra dos Alves
Apesar de remota, situada num pequeno platô a quase 900 metros, não é tão difícil chegar lá. Fica a menos de 20 km por uma estradinha sofrível desde Ipoema, que é um distrito de Itabira, tradicional cidade perto da capital mineira. Embora poucos venham pelo outro lado, é na realidade um distrito de Senhora do Carmo.
A origem do nome é a Fazenda das Cobras, de onde teriam vindo os Alves que colonizaram a pequena serra. Hoje não existem mais Alves por lá, entre as 86 pessoas que me disseram habitar o lugar. Ronaldo Albernaz, que mora na região, me conta que, até 2005, não se conseguia nem um refrigerante no vilarejo – mas hoje existem pequenas pousadas, bares e casas de aluguel.
Mesmo estando em Minas, Serra dos Alves não é um desses lugares com casarios e histórias coloniais. A bucólica Igreja de São José é de meados do século XIX, embora tenha num aspecto ingenuamente barroco. Ela é dominada de um lado pela serra logo acima, com suas paredes de quartzito formando um lindo platô, e, de outro, pelos enormes e escuros penhascos do Cânion Boca da Serra.
Naturalmente, a principal atração dos Alves (pelo menos para mim) é subir até a serra. A trilha é inicialmente sombreada, mas logo sobe pela encosta rochosa e exposta. Esta recebeu recentemente uma dúzia de cruzes brancas, replicando a antiga cruz única do cume. Acredito que este caminho sinalizado faça parte de uma dessas procissões tão queridas dos mineiros.
Este é um passeio curto, não passa de uma ascensão de 200 metros até o topo, a 1.375 metros. Mas a vista do alto é maravilhosa. A região conta com outras serras com o interessante aspecto de tabuleiro como essa do mirante – as Serras do Lobo e da Lapa.
Mas você também avistará a distante Serra do Caraça e o frontal Cânion Boca da Serra. O Caraça é uma conhecida região turística, que abriga um antigo seminário, um lobo guloso que aparece à noite, a mais alta caverna do país e o ponto culminante de todo o Espinhaço.
Claro que o Morro Redondo será visível, junto com a curiosa forma triangular do Bicudo, que culmina uma pequena serra com seu nome. Falarei dos dois logo a seguir.
Serra dos Alves é conhecida por suas muitas cachoeiras, com aquela rusticidade gelada do Espinhaço. A mais próxima é a Cachoeira do Bonge, a apenas 7 km da vila – uma íngreme descida irá levá-lo a uma queda um tanto agressiva de 80 metros. Acima do Bonge, você chegará à Cachoeira do Borges, que verte da mesma altura do alto de uma serra, com um belo poço.
As demais quedas são menores e distantes, com acessos difíceis: Elvira, Véu de Noiva, Embaúbas e Andorinhas, variando de 45 metros da primeira a 15 metros da última. O principal curso da região é o Rio Tanque, que corre ao norte para o Santo Antônio, afluente do Doce.
Você já tinha ouvido falar do Rio Tanque? Nem eu. É interessante como um curso pequeno e escondido como esse posa ter criado tanta beleza. Lembre-se que você está na vertente leste do Espinhaço, mais úmida e florestada que a oeste.
No caminho para o vilarejo, você já terá conhecido o Rio Tanque, se tiver parado numa ponte na estrada, onde ele forma a bonita Cachoeira da Boa Vista. Vale lembrar que, em Ipoema, há grandes quedas: as Cachoeiras Alta e Patrocínio Amaro, a moderadas distâncias da sede. Nesta última, você pode subir até o escarpado Mirante da Pedra da Tartaruga (a 1.150 metros), cercada pelo verde das colinas próximas.
Na Serra dos Alves, você pode escolher entre um pequeno cânion fácil ou um outro, longo e difícil. O gracioso Marques fica perto da vila e não lhe exigirá mais do que 2 km até seu mirante. Antes dele, você pode se banhar na pequena e bela queda do Rio Tanque. É um passeio bonito e tranquilo, talvez propício para o entardecer.
Já o Boca da Serra (que não visitei por inteiro) só será acessível após subir uma antiga estrada, da qual você deve sair à esquerda numa trilha pedregosa, para descer até ele, num percurso de mais de 5 km. Haverá uma rampa irregular até a Ponte de Pedra, um arco rochoso que atravessa a garganta bem acima do seu córrego. Não é um cânion longo e, curiosamente, também não é plano – diferentemente de todos os que conheço. Na volta, visite a delicada Cachoeira dos Cristais.
Mas não vá embora sem conhecer o gracioso Bicudo. Na verdade, nada tem a ver com a Serra dos Alves. Ele fica na direção de Altamira, um vilarejo do município de Nova União. Tem um perfil sugestivo, aparecendo com audácia no alto da serrinha por ele culminada.
Não é uma montanha elevada, a 1.540 metros, e nem sua ascensão é longa, pois você terá de subir um pouco menos de 250 metros verticais. Não existe propriamente uma trilha e você caminhará de forma irregular através das pedras até o seu cume.
A vantagem de se situar numa serra separada é que o Bicudo desfruta de uma vista estupenda. As vilas logo abaixo, as serras tabulares à sua volta, o Pico Montes Claros ao lado, o Caraça ao longe e até Belo Horizonte mais distante. Visitei o Bicudo ao chegar de uma viagem longa e a tarde desceu junto conosco montanha abaixo. Na volta, o vulto do Morro Redondo nos indicou o caminho.
Mas, para chegar ao Bicudo, você já terá passado pela maravilhosa igreja no alto do Morro Redondo (1.220 metros). Reconstruída a partir de uma modesta capela, foi inaugurada em 2008, num estilo que chamaria de lírico, pois até parece obra de um sonho.
O Morro Redondo em si já é um cenário encantador, quando surge isolado no meio de uma depressão, circundado pelo arco de cristas da Serra do Cipó. Então, ele é visível sempre que você subir nas serras à volta – com a inconfundível marca de seus muros singelos e sua cruz encantadora.
Então, assim é a Serra dos Alves: uma sedutora vila minúscula, num platô remoto, cercado por visuais diferentes, acessível a percursos diversos – longos e curtos, úmidos e secos, altos e planos – sempre abraçados pela natureza rústica e diversa do Espinhaço.