Não foi tão fácil escrever sobre Chico Mendes, e por três principais razões: a longa história de 1½ séculos que convive com a borracha, a diversidade de assuntos sociais, naturais e econômicos tratados e o conteúdo político da atuação de Mendes.
O Seringueiro – Chico Mendes e os Povos da Floresta
O Acre
O Acre é um dos nossos Estados com menor densidade demográfica e o mais recentemente ocupado. Até meados do século XIX não se pensou em ocupação sistemática da área. Isto só ocorreu no último quarto do século, quando migrantes do Ceará colonizaram o território à busca da borracha. Até então, a região pertencia à Bolívia.
Mas os seringalistas pediram a anexação ao Brasil. O Governo brasileiro sensatamente achou melhor negociar com a Bolívia e comprar o Acre no começo do século XX. O Barão do Rio Branco conseguiu convencer a Bolívia (e o Peru) a que nos fosse cedida uma região que nosso governo havia antes reconhecido como boliviana.
Na realidade, foi uma compra – de mais de 160 mil km² de floresta então altamente cobiçada. E o preço que pagamos foi algo como 5% do valor atual da mais barata terra nua de seringal.

O Acre era habitado apenas por índios, até que bolivianos e então brasileiros se interessaram por suas florestas. A Bolívia chegou a vendê-lo para um sindicato de investidores, depois indenizado pelo Brasil.
O Acre é uma economia basicamente extrativista, rica em madeiras, seringueiras e castanheiras. Ocupa um baixo platô arenítico, inclinado no rumo do Rio Amazonas ao norte. É recoberto pela floresta amazônica aberta, numa região de grande biodiversidade, mas pobre e vazia – e visualmente um tanto monótona. A Amazônia é impressionante, mas pode não ser bonita.
O Primeiro Ciclo
A Amazônia é o celeiro da borracha – no Pará e no Amazonas, e por causa dela no Acre, brotou um extraordinário surto de progresso a partir de fins do século XIX.
Por quase um terço de século, o Primeiro Ciclo da Borracha tornou Belém e Manaus as mais ricas e avançadas cidades brasileiras – eram ambas chamadas de Paris. Esta foi também uma riqueza cruel, que mutilou e escravizou os seringueiros, muitos deles cearenses fugidos da longa seca que assolou sua região natal.

O Teatro da Paz de Belém, construído no auge do Ciclo da Borracha, quando a capital paraense era chamada de Paris dos Trópicos.
Até que as mudas da seringueira, contrabandeadas a partir de Santarém por um aventureiro inglês, foram plantadas em série na Malásia e no Sudeste Asiático, produzindo uma borracha de produção mais controlada e barata.
A Bolívia não tinha saída para o mar e havia nos vendido o Acre com o compromisso de construirmos a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, para escoar o látex. Em 1912, a inauguração da ferrovia ironicamente coincidiu com o fim do Ciclo.
O Segundo Ciclo
A Amazônia mono produtora entrou em estagnação – no seu rastro, desemprego, êxodo e ruína. Porém, com a II Guerra Mundial, os japoneses invadiram o Sudeste Asiático e cortaram o fluxo de suprimento de borracha para o Ocidente.
O Governo americano solicitou ao brasileiro que os seringais amazônicos fossem urgentemente retomados. Foi o Segundo Ciclo da Borracha – aos 35 mil seringueiros desempregados, juntaram-se 54 mil nordestinos, alistados compulsoriamente. A produção necessitava alcançar mais do dobro da então existente.
O passado se repete e os homens trabalham para virar escravos, no dizer de Euclides da Cunha. Esse Ciclo é fugaz: dura entre 1942-45, quando a guerra acaba. Os soldados da borracha não tiveram qualquer assistência, 30 mil deles morreram de doenças tropicais ou do ataque de animais selvagens.
E, os que não desperdiçaram a vida, perderam o emprego: no fim desta saga, apenas 6 mil dentre os recrutados retornaram às suas terras natais. Uma vergonha nacional, sem culpados, só vítimas.

A propaganda oficial dizia que a borracha era tão importante como o fuzil para ganhar a guerra. Muitos dos Soldados da Borracha sequer foram avisados de que a II Grande Guerra tinha acabado.
O apogeu do café no Sudeste tornou a região politicamente esquecida -aquele foi o tempo dos Barões do Café, não os da Borracha. E a sombra da miséria uniu-se á da floresta.
Com a invenção e aperfeiçoamento da borracha sintética, a versão natural da seringueira tornou-se mera coadjuvante na produção dos pneus. E nunca mais a demanda pelo látex voltou ao nível original, uma riqueza afinal perdida.
Xapuri
Esta é até hoje uma região extrativista e despovoada do sul do Acre. Seu nome veio de uma tribo indígena e seu começo, de um seringalista cearense que lá se estabeleceu no início do Ciclo da Borracha.
Mas Xapuri já era conhecida antes de Chico Mendes: foi o berço da Revolução Acreana, quando os brasileiros se rebelaram contra o domínio da Bolívia e fundaram uma breve República.
Ficava em Xapuri a sede do exército acreano e foi de lá que o militar gaúcho Plácido de Castro iniciou sua vitoriosa revolta por um Acre independente.
Mas o Brasil preferiu negociar com a Bolívia e o Peru, adquirindo o território no começo do século XX. Depois desta época, Xapuri foi a capital do Acre Meridional, antes que as três capitais regionais fossem extintas.

A Igreja de São Sebastião em Xapuri foi construída durante a Revolução Acreana. Continua uma cidade pequena, com 20 mil pessoas.
Apesar de pequena, Xapuri continuou rica – seu centro urbano era luxuoso, seus seringais eram os melhores da Amazônia e seu comércio era ativo, controlado pelos sírio-libaneses. A floresta servia para ocultar a situação de miséria social das famílias dos seringueiros.
Mas este silêncio foi rompido por volta de 1970, com a abertura do Estado para a pecuária, promovida pelo Governo Militar – então o rebanho, de apenas 100 mil bovinos, alcançou em 2010 mais de 2½ milhões. E aqui começa uma outra história.
O Seringal
Já é tempo de visitarmos a operação de um seringal. Há várias espécies de árvores produtoras de látex, mas nenhuma é tão perene e produtiva como a seringueira (hevea brasiliensis). E nenhuma das seringueiras tem a qualidade daquelas dos afluentes amazônicos do sul, onde fica o Vale do Rio Acre.
Lá, em Brasileia e Xapuri, assim como nos demais lugares, operava o sistema chamado de aviamento, segundo o qual o seringueiro era compelido a comprar suas necessidades no barracão do seringalista, na orla do rio de acesso.
Este era o assim chamado dono da terra – mas, na maioria dos casos, ele só se apoderara delas, pela violência ou precedência. A dívida contraída pelo seringueiro ao preço abusivo das mercadorias e pela fraude na pesagem da tara fazia dele um homem que trabalha para escravizar-se.

A incisão na seringueira é uma operação delicada, que pode ofender a árvore. A produção não depende do capital, mas do trabalho humano.
Os seringueiros recebiam a estrada da seringa limpa e a barraca de moradia pronta no que se chamava colocação, ou seja, o seu local de trabalho – onde cuidariam de meia centena de árvores em algo como 300 hectares de mata. Cada um trabalhava a horas de distância do próximo. Esse era o chamado regime do toco.
Para sobreviver, teria de extrair o látex de junho até o início das chuvas; trabalhar antes das águas do fim do ano no roçado de mandioca, milho e feijão; durante as chuvas, alternativamente caçar, pescar e colher as castanhas depois de março; e receber o carinho e o apoio da família, tão isolada quanto ele.
Se o seringalista poderia ter uma centena de colocações, operar uma embarcação e frequentar as casas de tolerância das capitais, o seringueiro já lhe chegava endividado pela longa viagem até o Norte. Este não foi um parceiro de trabalho ou um freguês do barracão, foi uma criatura coagida e aprisionada, que se prendia caso fujisse e se arruinava caso ficasse – cheguei lá com muita roupa e saí nu, conta um deles.
Mas essa história não era tão inocente. Os matos não eram vazios, lá viviam os índios. E coube aos seringueiros eliminá-los. Também eles fraudavam os patrões, ao vender o produto para os regatões, comerciantes embarcados que sobreviveram à seringa e até hoje praticam o seu comércio ribeirinho. E colocar falsos pesos no interior das bolas de látex ou fugir pelos rios e matos, deixando o passado e a dívida para trás.

A floresta do sul do Acre é normalmente aberta pela presença de bambus, palmeiras ou cipós. Corresponde ao vale do Rio Acre, um curso lento e barrento, afluente do Purus.
E há dois aspectos que tornaram mais cruel a situação. Nas outras regiões de monocultura, como do café, da cana ou do algodão, as quedas nos preços não impediram que se produzissem os demais alimentos. Mas não na Amazônia, incapaz de criar sua própria agricultura.
Naquelas regiões, a propriedade e a qualidade da terra eram importantes para a produção das riquezas. Mas de novo não na Amazônia: a terra era abundante, sua qualidade não era relevante e tampouco sua propriedade.
A Pecuarização
A partir de meados da década de 1960, o Governo iniciou um plano para incorporar a Amazônia ao Brasil, sob o slogan de integrar para não entregar. Programas de polos, de assentamentos e de créditos pretenderam trazer o desenvolvimento à região e inseri-la no mercado.
Isto representou uma mudança na política governamental, com ênfase nas empresas agroindustriais, na agropecuária extensiva e na colonização privada. Essas ações foram acompanhadas por investimentos na infra-estrutura de transporte e energia e na extração e beneficiamento de minerais.
Comenta a professora Márcia Fittipaldy que a concentração fundiária, a exploração predatória dos recursos naturais, os fracassos dos projetos de interligação pelas estradas e o agravamento das disparidades sociais foram demonstrações do fracasso desses projetos, que deixaram traços que permanecem até hoje.

A pecuária amazônica – baixa produtividade, áreas enormes com poucos empregos, devastação da floresta e alteração do clima.
Durante o extrativismo, o seringalista não se preocupava com que o seringueiro tivesse a posse da sua colocação e o direito de lá permanecer. Ao contrário, sua fixação no local era necessária à exploração do seringal. Os conflitos ocorriam exatamente devido à submissão do seringueiro ao patrão.
Mas a introdução da pecuária corporativa criou uma nova lógica fundiária e econômica. Os agora proprietários precisavam desocupar as áreas: de árvores e de pessoas, para valorizá-las, negociá-las ou pastoreá-las.
Veja só: seringueiros para exterminar os índios e jagunços para expulsar os seringueiros – essa história não poderia terminar bem. Começaram então novos conflitos – sociais, econômicos e ideológicos.
Chico Mendes
É neste momento que entra o personagem desse capítulo: o seringalista e ativista sindical Chico Mendes. Sua origem é perfeitamente comum: veio à luz como tantos outros num seringal amazônico, no Município de Xapuri, perto de onde o Acre encontra a Bolívia.
Seu pai tinha-lhe dado nome igual ao seu, e assim nasceu Francisco Alves Mendes. O pai era emigrado do Ceará, algo então bastante comum. O filho passou a vida a seu lado, aprendendo a profissão.
Como era usual à época, os seringueiros eram analfabetos. Entretanto, Chico Mendes pôde ser ensinado por um vizinho, o ex-guerrilheiro comunista Euclides Távora.
Depreendo que ele não só aprendeu a ler, mas também a pensar. Como disse um parente seu, sempre gostou de ler folheto. Pois aquele era um mundo feito de injustiça e violência – permeado por conflitos sociais, econômicos e agora fundiários.

Chico Mendes (1944-1988) liderou um novo movimento de ecosocialismo no Brasil. Foi assassinado na sua cidade natal, para onde tinha retornado para passar o aniversário em família.
Mendes teve um segundo mestre, que desta vez o ensinou a agir. Wilson Pinheiro chefiava o Sindicato dos Trabalhadores da vizinha Brasileia.
Ele criou uma forma de enfrentamento chamada de empate, quando os seringueiros abraçavam as árvores para impedir pacificamente sua derrubada a fim de formar os pastos. Mais tarde, passaram a também usar suas mulheres e filhos. Pinheiro foi assassinado em 1980, na sede do Sindicato.

Chico Mendes foi chefe do STR de Xapuri e vereador pela cidade. Foi um dos fundadores do PT no Estado, mas não conseguiu se eleger prefeito ou deputado na década de 1980. Acusado de subversivo, foi preso e talvez torturado – e a polícia se recusou a registrar a ocorrência.
Em 1985, liderou o primeiro Encontro Nacional de Seringueiros, de onde veio a proposta de criar a União dos Povos da Floresta. Ela buscava representar indígenas, seringueiros e castanheiros, pescadores e ribeirinhos em torno da criação de reservas naturais que pudessem acolher essa gente ignorada, desprezada e despossuída.

Marina Silva e Chico Mendes foram candidatos pelo PT nas eleições de 1986. Ambos perderam, mas em 1990 o PT assumiu o Estado.
A ascensão do PT coincidiu com a grande projeção nacional de Mendes. Levou suas denúncias a todo o país e ao Exterior: à ONU e ao Senado americano.
Ele não era mais visto apenas como um sindicalista regional – era também um reformador social e um ativista ambiental. Sua ação extrapolou o grupo dos seringueiros ao qual pertenceu por toda a vida, para abarcar os povos da floresta, todos os trabalhadotres brasileiros e até a própria natureza.
Em 1988, foi assassinado a tiros de escopeta pelo filho de um grileiro cujo seringal havia sido desapropriado. Pai e filho foram condenados dois anos depois, julgados novamente, dados como desaparecidos, capturados de novo e aprisionados definitivamente em 1996.
A condenação foi um fato considerado inédito na justiça rural no Brasil. O então menino Genésio da Silva, que foi a única testemunha, disse que a morte não calou uma voz, mas levantou outras.

E Chico Mendes passou numa vida só de líder a herói, de herói a mártir e de mártir a mito. Minha impressão é a de que foi a pessoa no lugar e no momento certo: a revolta dos seringueiros contra a opressão no fim da ditadura, a voz da floresta diante da degradação ambiental, o movimento social pela reforma agrária.
Quando em 2007 a gestão das unidades de conservação brasileiras foi desmembrada do Ibama, o órgão que a recebeu passou a levar o seu nome, o ICM Bio.
Honestidade
Chico Mendes, como perseguido político, propiciou com sua morte uma indenização à sua viúva Ilzamar. Em 2008, ela recebeu o equivalente então a US$ 200 mil, acrescidos de uma renda mensal.
No ano seguinte, junto com sua filha Elenira, foi denunciada por desviar recursos da ONG criada em nome de seu marido. Na condenação, foram acusadas de fraudar convênios com o Estado no valor de US$ 300 mil.
Depois de assumir o poder no início da década de 2000, o PT foi envolvido em escândalos sucessivos. Os dirigentes e a bancada do Partido praticaram as formas mais sórdidas e continuadas de corrupção.
No Acre, o PT chegou ao governo antes, em 1990. Teria Chico Mendes, já na década anterior, que correspondeu à sua militância política, sido pervertido pela imoralidade da política?

A casa de Chico Mendes em Xapuri possuía apenas dois quartos. Este é o quarto onde dormia. Note a máquina Remington sobre a cômoda.
Chico Mendes parece ter sido um homem moderado. Diz sua filha Ângela que ele procurou o caminho do diálogo e do conhecimento. Alessandra Korap diz que seu legado foi a união, foi o amor à vida.
Um dia Ailton Krenak resumiu o que ele lhe disse: Nosso povo é o mesmo povo, nós não somos mais brancos. Temos uma cultura diferente da dos brancos e pensamos diferente dos civilizados. Aprendemos com os índios e com a floresta uma maneira de criarmos os nossos filhos… Nunca mais um companheiro nosso vai derramar o sangue do outro, juntos nós podemos proteger a natureza que é o lugar onde nossa gente aprendeu a viver.
Chico Mendes foi acusado, perseguido e inclusive julgado pelo Tribunal Militar, tendo sido absolvido em Manaus. Sua casa é hoje um museu. É uma construção simples e cabocla em madeira. Algumas pessoas que a visitam se emocionam com tamanha pobreza.
As Reservas Extrativistas
Os seringueiros eram chamados de guardiões da floresta porque só com a floresta em pé poderiam buscar o seu sustento. Diferentemente da castanheira, a seringueira é uma madeira fraca, sem qualquer uso nobre que não o látex. A rigor, mantê-la viva não é bem um ato de preservação, mas de extrativismo.
Como diz com clareza sobre Chico Mendes seu colega Osmarino Amâncio: Num primeiro momento, não sabia do que se tratava essa tal de ecologia, pensei que talvez fosse como uma sobremesa. Para mim e para os demais, incluindo não só Chico Mendes, mas a outra centena de companheiros morta pelo latifúndio, nossa luta tinha mais em comum com os sem-terra do sul do país do que com que essa conversa de salvar a floresta para conter o aquecimento global. Queríamos a floresta em pé, mas com os seringueiros morando nela, tirando dali seu sustento, colocando seu roçado, caçando, pescando e derrubando madeira para suas necessidades.

Propaganda do ICM Bio mostrando as produções de castanha, látex e banana da RESEX. Existe lá uma dezena de associações e cooperativas, para uma população de 10 mil pessoas.
Mas como preservar a floresta? A solução era óbvia: aproveitando a experiência da criação das Terras Indígenas, logo surgiu o conceito de Reservas Extrativistas. Nelas as áreas florestais pertenceriam ao poder público, porém seriam cedidas por contrato às comunidades tradicionais para um extrativismo sustentável, incluindo a agricultura de subsistência e a criação de animais.
As RESEX resolveriam também o problema do assentamento das populações rurais, funcionando como uma forma de reforma agrária.
Apareceram então dois outros tipos de reserva, com intenções semelhantes: as FLONA e as RDS. Ambas são de domínio público, acolhendo apenas a exploração do território, não sua propriedade.
Nas primeiras o objetivo é o uso sustentável da cobertura florestal nativa, vale dizer, o manejo controlado da madeira. As segundas contêm áreas naturais que abrigam populações que vivem da exploração sustentável da natureza – por exemplo, floresta inundada, manguezal, restinga, cerrado ou lagamar.
A partir de 1990, surgiu um gigantesco sistema de reservas federais no país. No Norte do Brasil, passaram a existir quatro dezenas de áreas extrativistas com 10 milhões de hectares e três dezenas de florestas nacionais com quase 20 milhões. O sistema das RDS permaneceu basicamente estadual ou municipal. E agora é o momento de falar da mais emblemática dessas reservas.
A RESEX Chico Mendes
A segunda reserva extrativista, e a maior delas jamais criada, foi chamada de Chico Mendes. Situada principalmente em Xapuri e Brasileia, locais históricos da luta do seringalista, tem quase um milhão de hectares, desapropriados de donos privados. Enquanto a pessoa que lhe deu o nome entrou para a história, vale descobrir qual o resultado da sua criação.

As duas primeiras RESEX do país foram criadas em1990 no Acre – Alto Juruá (540 mil ha) e Chico Mendes (930 mil ha) em Xapuri e Brasileia.
Este é o momento de medir a realidade. Vamos ouvir de novo Osmarino Amâncio: Tínhamos nosso pedaço de terra e autonomia para decidir como usá-lo, de acordo com o plano de utilização feito com nossa participação, conforme nossas tradições e necessidades.
Mas o tempo passou e perdemos essa autonomia. O controle da RESEX passou para um Conselho Deliberativo onde opinam muitos técnicos e outras pessoas que não vivem na Reserva e, ao que parece, não enxergam com bons olhos nossa permanência na floresta. A sobrevivência do seringueiro, do trabalhador extrativista, não é mais a preocupação central. Pelo contrário, de defensores da floresta, de mártires que impediram o avanço das grandes pastagens, lutando contra as queimadas e o corte raso, passamos a criminosos ambientais.

O que ocorre é que uma reserva sustentável deve necessariamente seguir normas de preservação – não há a autonomia inocentemente imaginada por Amâncio. Além disso, a dificuldade de sobreviver à base da seringa e da castanha levou os moradores a expandirem suas áreas de pecuária.
Triste ironia, pois a reserva nasceu da luta contra o avanço do gado. A pecuária tem sido mais lucrativa do que o extrativismo, pois o animal possui fácil liquidez, precisa apenas da mão de obra familiar e afinal o gado se transporta andando, mesmo quando os ramais em terra não são trafegáveis.

Há também trechos de floresta densa na RESEX, com magníficos exemplares como este.
E, pior, devido à instalação de fábricas processadoras de madeira no Acre, surgiu a pressão econômica para que fosse permitido o manejo florestal no interior da RESEX. Agora, a madeira não seria cortada apenas para pequenos usos ou para o espaço do pasto, mas também para seu aproveitamento definitivo e industrial.
Numa mata heterogênea como a acreana, para atingir uma espécie desejada, muitas outras acabam sendo derrubadas, e sua retirada do local destrói uma série de outras ao longo do caminho. Isto quando o controle não é simplesmente fraudado – o que suspeito seja a norma. O manejo florestal comunitário acaba sendo a meu ver um disfarce para a lenta devastação da floresta.
Os belos projetos alternativos tentados na Reserva não tiveram muito sucesso: pimenta, pupunha, café, pequenos criatórios, copaíba, andiroba. Nem duvide que foram feitos programas para a saúde, a educação, o saneamento e a moradia.
Afinal, o documento oficial que reúne todas essas bondades, o Plano de Manejo, é uma peça fruto da imaginação burocrática, não das duras realidades da natureza e do mercado.

Existe no interior da RESEX uma longa trilha turística que sai de Xapuri e chega em Brasileia, passando por várias colocações de seringa.
Então, a RESEX Chico Mendes – com pecuária e desmatamento e sem autonomia e diversificação – não foi capaz de alcançar a sustentabilidade socioeconômica tão anunciada. As práticas ecologicamente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis, tão apreciadas pelos discursos dos intelectuais do ambientalismo, sucumbiram por enquanto às misérias de nosso povo e de nossa política. E afinal não se cumpriu ainda o maior legado de Chico Mendes.















