Quando a vinda da Corte portuguesa para o Brasil facilitou a abertura de nossos portos, uma leva de naturalistas ocidentais veio conhecer a nossa formidável natureza. A mais importante dessas expedições foi a de Spix e Martius, de 1817 a 1820. Eu acho poética a forma como Martius, pela primeira vez na história, classificou a nossa flora.
No histórico livro de sua viagem, o país foi dividido em cinco regiões fitogeográficas – a flora amazônica ou Náiades, a nordestina ou Hamadríades, a do centro-oeste ou Oreades, a da costa atlântica ou Dríades e a flora subtropical ou Napeias.

A visão de Martius sobre a nossa natureza exuberante.
Eis como Martius enxergou a caatinga: um quadro desolador onde o mato parece estar morto e o morador erra desesperado no deserto … o país apareceria ao visitante apenas como deserto luxuriante … um sertão que o hostiliza sem cessar. Cito essa passagem para mostrar que, desde sempre, a caatinga foi vista como feia, estéril e pobre.
Você já ouviu isso, caatinga é uma palavra indígena que significa mata branca. Ela acontece na seca, quando os galhos aparecem esbranquiçados pela perda das folhas. Estas são em geral finas e pequenas, com o dorso também branco, como acontece com o arbusto saacatinga. Acho curiosa essa noção, pois a caatinga sempre me pareceu mais obscura do que clara.
As árvores quando existem são baixas com troncos grossos e retorcidos, como a umburana e a braúna. Poucos são os frutos e as flores. Na seca, suas folhas costumam cair para evitar a perda de água – são as chamadas caducifólias, o que contribui para o aspecto geral ressequido. Mas os caules verdes são capazes de produzir a fotossíntese e as raízes tuberosas, de armazenar água.

Caatinga nos períodos seco e úmido.
Porém nem sempre a cobertura passa de arbustiva, da qual são exemplos a faveleira e a quixaba, e algumas vezes é apenas herbácea, como nos casos da macambira e do jericó. Porém a caatinga não contém gramíneas. Ela pode gerar emaranhados baixos de galhos e raízes, ou então carrascos desordenados com plantas lenhosas ramificadas e enredadas entre si.
Ela é plena de espinhos, pois estes evoluíram a partir das folhas, para reter água e afastar predadores. Eles se exibem esplendidamente na coleção de cactos do bioma, como nas grandes estruturas dos madacarus, xique-xiques e facheiros. Mas também se mostram ameaçadores nos pequenos e formosos quipás, rabos de raposa e coroas de frade.
Mas queria fazer o registro da notável recuperação da caatinga logo após as primeiras chuvas. O pálido branco, cinza ou ocre se transforma no mais verdejante milagre, em cores tão vivas que antes parecem imaginadas do que de fato enxergadas. Tive esta experiência por duas vezes: na caatinga baixa em PE e na formação florestal no CE. Em ambas, nem a mata atlântica seria rival de tanto verde.
Não é fácil falar da caatinga sem ser nordestino, pois ela é um bioma muito mais rico e diverso do que percebido pelos olhos daqueles que, como eu, habitam as regiões temperadas do Brasil.
A maior expressão da caatinga corresponde àquelas vegetações baixas, extremamente secas e espinhentas, que recobrem solos rasos e pedregosos e que perdem suas folhas na seca – são as plantas hiperxerófilas, que respondem por 35% da região, como a catingueira e a jurema.

Vegetação hiperxerófila, com cactos e arbustos emergindo do solo ressecado e pedregoso.
Mas a mais frequente manifestação é a da vegetação chamada de hipoxerófila, que corresponde a 45% do Nordeste e que aparece nos solos planos e fundos, sob formas arbóreas e não só arbustivas, como a aroeira, o angico, a umburana e as urtigas.
O restante 20% do Nordeste é representado pelo agreste, a vegetação de transição entre a zona da mata do litoral e o sertão do interior, e pelas ilhas úmidas, como por exemplo os peculiares brejos de altitude, algumas vezes com surpreendente flora de mata atlântica.
Assim, a vegetação inclui desde plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas e florestais, que alguns botânicos separam em agrestes, campestres, carrascos e matas secas. Outros a dividem em estépica (herbácea rasteira), mata ombrófila densa ou aberta (com folhas largas e perenes), mata estacional decidual e semidecidual (com queda total ou parcial das folhas na seca) e savânica (herbácea e arbustiva). Muitos nomes para uma realidade diversa.
Essa é a descrição usual deste bioma, que era visto como uma degradação mais ou menos homogênea das vegetações exuberantes da floresta amazônica e da mata atlântica.
Elas teriam definhado no Nordeste, sob o efeito do clima seco e do solo pobre. Como se fossem uma versão vegetal do gado curraleiro. Hoje se sabe, ao contrário, que a caatinga é heterogênea, plena de diversidade e de endemismo.

A caatinga no traço de Aziz Nacib pode ser vista como um bioma pobre, feio e monótono.
Há algumas razões para isso. Seus solos formam mosaicos, sejam de origem cristalina ou sedimentar, por vezes rasos e pedregosos ou então profundos, com fertilidade variável, arenosos ou argilosos.
O clima foi muito variável no passado, com extremos de aridez, calor e frio, criando vegetações diferenciadas. Existem terras frias, com umidade e árvores de porte, não apenas áridas e secas. Além disso, ocorreu o contato fecundo com outros biomas, como a floresta amazônica, o cerrado e a mata atlântica.
A caatinga é um bioma que só existe no Brasil. Seu banco genético só pode ser encontrado aqui. Afirma a Associação Caatinga (resumido): Quando os cientistas compararam as espécies daqui com as das outras regiões áridas, verificam que nossas espécies não apenas eram diferentes e exclusivas, como também apresentavam uma diversidade maior. Mas então, o que fez a caatinga ser única? Foram os eventos relacionados às variações no clima e no solo que ocorreram há milhares de anos e que fizeram com que a vida se estabelecesse de uma forma diferente e peculiar.
Deixe-me abordar a caatinga pelo relevo, não só a flora. A maior parte dela ocorre nas depressões circundadas pelos planaltos nordestinos. É a conhecida depressão sertaneja, que representa 70% do território.
Dela existem entretanto algumas (grandes) exceções, como o Planalto da Borborema, o Raso da Catarina e a Chapadas Diamantina e Ibiapaba/Araripe, com mais de 20%, quando a vegetação da caatinga habita não só as depressões, mas os planaltos.
Ecorregiões da Caatinga
| Paisagem/Região | Estados | Área (mil km²) |
| Campo Maior | PI e MA | 41.4 |
| Chapada Diamantina | BA | 50.6 |
| Dunas do São Francisco | BA | 36.2 |
| Depressão Sertaneja Sul | BA | 373.9 |
| Planalto Borborema | AL, PB, PE, RN | 41.9 |
| Ibiapaba-Araripe | CE | 69.5 |
| Raso da Catarina | BA | 30.8 |
| Depressão Sertaneja Norte | PB, RN, CE | 206.7 |
| Total | – | 851.0 |
Fonte: ICMBio segundo Velloso, Sampaio e Pareyn, 2001.
O Nordeste estende-se ao longo de um pediplano ondulado, resultante da erosão das antigas escarpas do período Cretáceo (há 100 milhões de anos). O que acabou deixando alguns vestígios isolados das superfícies mais jovens – são as chapadas, serras e pontões, em ordem de erosão crescente do ambiente que as envolve.
Então, nas chapadas ainda existem cerrados (como no Araripe), nas serras, há florestas úmidas (como em PE) e nos pontões aparecem caatingas arbóreas (como no RN).
Inversamente, ocorrem enclaves de caatinga fora do Nordeste, como na região do Jequitinhonha em MG. Entretanto, as vegetações arenosas das campinaranas amazônicas não são consideradas caatingas, por serem botanicamente diferentes.

A caatinga se estende pelo interior de todos os Estados do NE e alcança um pouco mais de 10% da área do Brasil.

Os biomas brasileiros – floresta amazônica, a caatinga, o cerrado, a mata atlântica, o pantanal e os pampas.
Por isto, a caatinga deve ser vista como uma manifestação fitogeográfica e não apenas vegetal. Um outro ingrediente importante é o clima, pois tanto o relevo como a fauna e a flora interagiram e resultaram do clima seco da região, inclusive da sua ampla variação no passado remoto.
Chove na região entre 200 e 800 mm a cada ano. As chuvas são torrenciais e irregulares, concentrando-se no início de período úmido, de janeiro a maio. A seca costuma se estender por até 9 meses. A temperatura média pode ultrapassar 30⁰C. O semiárido é uma das regiões secas mais quentes do planeta. Veja como ela coincide com o chamado polígono da seca.

Mapa do chamado polígono das secas,
Os grandes rios da região são poucos, apenas dois com cursos e volumes realmente grandes: o São Francisco e o Parnaíba. A extensão de território por eles atravessada os torna fundamentais para a sobrevivência da natureza. A maioria dos rios nordestinos é intermitente ou temporária, nascendo normalmente nas encostas das serras.
Embora não tão variada, a fauna regional é interessante por sua capacidade de adaptação climática e alimentar. Ela é obrigada a recorrer a migrações nos períodos de estiagem. A densidade de indivíduos é naturalmente baixa pela severidade do ambiente e o endemismo não é elevado. Porém, surpreendentemente até hoje, a fauna foi pouco pesquisada.

A fauna da caatinga.
Os mamíferos não costumam ser de grande porte: veado catingueiro, lobo guará, cachorro do mato, cutia, tatu peba e sagüi, embora haja referências às onças parda e pintada. Assim como os ofídios e os répteis, as aves são abundantes, com especial menção à ararinha azul, ao gavião real e à arara azul de lear.
A caatinga é o terceiro ecossistema brasileiro mais degradado, atrás da mata atlântica e do cerrado. O território da caatinga é a mais povoada região semiárida do mundo, com 30 milhões de pessoas.
Como cenário do contato inicial do colonizador português, foi o primeiro interior desflorestado do país. Hoje 70% de sua área foi alterada pela ação humana e apenas um décimo disto encontra-se protegida em reservas. Além disso, muitas delas não são exclusivas de caatinga, contendo com frequência cerrados e planaltos.
Atualmente a cobertura vegetal tem sido destruída para abastecer siderúrgicas de outras regiões, bem como cerâmicas e gesseiras locais, ou substituída para a formação de pastagens e o plantio de algodão.
Pasme, a média anual perdida tem sido igual a 85% da Amazônia, uma região quatro vezes maior. Diz-se que é o mais fragilizado dentre os nossos biomas.
É impressionante constatar como o homem está conseguindo desertificar essa região naturalmente desértica.















