Brasileiros completam escalada de 4 montanhas acima de 6.000 metros em expedição de 15 dias na Bolívia

1

Entre o frio cortante, a altitude e o desafio físico, um grupo de montanhistas brasileiros decidiu encarar um dos maiores testes de resistência dos Andes: escalar, em sequência e em apenas duas semanas, quatro montanhas acima de 6 mil metros de altitude na Bolívia. A façanha, concluída em agosto deste ano, destacou não apenas a força física, mas também a resiliência e a disciplina necessárias para enfrentar uma expedição em alta montanha.

 

A expedição aconteceu entre 25/07 e 08/08 reunindo quatro participantes: Tiago Abreu, Fábio Verzani, Odeilton Mota e Edison Nunes. O quarteto iniciou a jornada junto, mas apenas Tiago e Odeilton completaram o desafio. Edison precisou abandonar a escalada após lesionar o joelho no Pico Áustria, montanha de aclimatação, e Fábio decidiu não seguir para o Pomerape.

Os quatro amigos que participaram da expedição. Foto: Tiago Abreu

No total de 14 dias de expedição, foram escaladas cinco montanhas: o Pico Austria (5.320 m), para aclimatação, seguido pelo Acotango (6.052 m), Parinacota (6.380 m), Sajama (6.542 m) e, por fim, o Pomerape (6.282 m), uma montanha mais técnica e pouco escalada da região.

As escaladas exigiram preparo físico e resiliência. Foto: Tiago Abreu

Tiago, que iniciou sua relação com as montanhas em 2018, relembra que o desejo de conquistar cumes maiores nasceu ainda em 2019, quando pensou em realizar um curso de alta montanha. A pandemia adiou os planos, mas em 2024 ele finalmente teve a oportunidade de concluir a formação com a agência Soul Outdoor, escalando montanhas como o Chacaltaya e o Charquini, além de uma tentativa no Huayna Potosí que precisou ser interrompida devido aos ventos fortes.
“Naquele momento, senti uma certa frustração, mas também nasceu em mim uma motivação ainda maior: voltar um dia para conquistar uma montanha acima de 6.000 metros”, lembra. E assim aconteceu, longe de desistir do montanhismo de altitude, Tiago decidiu retornar um ano depois para a Bolívia e escalar não apenas uma, mas 4 montanhas.

Tiago conversou com amigos que toparam a aventura. Foto: Tiago Abreu

Conversando com amigos ele percebeu que essa expedição já seria um grande desafio se fosse realizada no prazo de 20 a 25 dias. Mas ainda assim ele decidiu testar seus limites.  No entanto, para tornar viável a meta em apenas 15 dias, o grupo precisou abrir mão de montanhas em diferentes regiões e concentrar toda a expedição no Parque Nacional Sajama. “Essa decisão foi fundamental, pois reduziu deslocamentos longos e simplificou a logística de transporte, hospedagem e aclimatação, permitindo que aproveitássemos melhor o tempo entre uma montanha e outra.”, explicou Tiago.

A região de Vila Sajama oferece diversas opções de cumes. Foto: Tiago Abreu

Os cumes mais difíceis

Entre todas as montanhas, duas marcaram o montanhista como as mais desafiadoras: o Sajama, pelo longo ataque ao cume, travessia de penitentes e trechos expostos, além de ser uma montanha técnica e o Pomerape, por conta de um episódio que quase encerrou a expedição mais cedo. “Durante a subida, por volta das 7 horas da manhã, presenciamos um deslizamento de pedras: rochas caíram em nossa direção e passaram a cerca de 10 metros de nós, tanto à esquerda quanto à direita. Esse episódio deixou claro o risco da montanha e a necessidade de atravessar rapidamente aquele trecho”, recorda. Além disso, o Pomerape impôs neve fofa até a virilha, gretas e um segmento de escalada vertical, além de ser uma montanha pouco frequentada que exige guias experientes para abrir a rota.  Isso tornou-a ainda mais desafiadora pois ambos os montanhistas já sentiam o desgaste de escalar as montanhas anteriores.

Subida em meio aos penitentes. Foto: Tiago Abreu

Cume no Pomerape. Foto: Tiago Abreu

“Mas o esforço valeu a pena. Chegamos ao cume em um dia perfeito, com pouco vento e uma vista espetacular. Foi a montanha que mais me marcou na expedição e, sem dúvida, a “cereja do bolo” para fechar a expedição em grande estilo”, revelou Tiago.

Além dessas dificuldades, a expedição também trouxe momentos de reflexão e resiliência. No Acotango, a primeira montanha de 6 mil metros da expedição e também a que ele considerava “mais fácil”, Tiago passou mal logo no início da subida. “Durante a ascensão ao Acotango, após cerca de 50 metros de subida, comecei a passar muito mal: tontura, visão turva, lentidão nos movimentos e até dificuldade para falar, para piorar, o frio intenso nas mãos me impedia de mexer os dedos. Felizmente, um dos guias me ajudou a colocar as luvas miton que estavam na minha mochila e também a cramponar. Precisei parar e aguardar por cerca de 30 minutos até recuperar as condições normais”, conta. Esse episódio o abalou psicologicamente, no entanto, após se recuperar um pouco ele decidiu seguir com cautela. “Com muita determinação, consegui seguir em frente. Foi impossível chegar ao cume sem cair em lágrimas” revelou o montanhista.

Cume no Acotango. Foto: Tiago Abreu

Cume entre amigos. Foto: Tiago Abreu

Essas experiências, segundo ele, moldaram a forma como ele passou a ver a vida após essa expedição: “Aprendi que somos muito mais capazes do que imaginamos. O cume não é apenas a vista, mas toda a jornada que te levou até lá”.

Com a escalada de quatro montanhas acima de 6 mil metros em sequência, Tiago agora sonha mais alto. Os próximos objetivos incluem rotas técnicas no Peru, como o Huascarán e o Alpamayo.

Para os brasileiros que também desejam encarar a alta montanha, ele deixa um recado:
“Escalar montanhas é uma experiência transformadora, mas que exige preparo físico, mental e emocional. Não se trata apenas de força, mas de disciplina, paciência e resiliência para lidar com o frio intenso, a altitude e os imprevistos que sempre aparecem. A preparação começa muito antes da montanha, nos treinos diários, na disciplina e no planejamento. No cume você descobre que a conquista não é apenas a vista, mas a jornada inteira que te levou até ele”.

Compartilhar

Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

1 comentário

  1. Luiz Claudio Tinoco Abreu em

    Parabéns Tiago pela sua insistência e dedicação para alcançar esses picos em tão pouco tempo. Tenho muito orgulho de você meu filho. Parabéns pra todos da equipe.

    Luiz Claudio Tinoco Abreu