Primeira ascensão em livre da via “A Resistência”, uma das vias de Big Wall mais difíceis do Brasil

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A equipe formada pelos escaladores Benjamin Sotero, Chris Deuto, André “Zoio” Junior e Daniel Teitelbaum completou, em 23/09, a primeira ascensão em livre da via A Resistência, localizada na Pedra da Fortaleza, no interior do Espírito Santo. A conquista representa um marco para o Big Wall brasileiro, colocando a via entre as mais exigentes escaladas em livre do país.

Os quatro integrantes da equipe e a Pedra da Fortaleza no fundo. Foto: Daniel Teitelbaum

Aberta em 2019 por Edemilson Padilha, Willian Lacerda, Vladesir Machado e Thomas Kampf, A Resistência já era conhecida pela dificuldade técnica e exposição. São 750 metros de parede divididos em 20 enfiadas e graduação de 10a brasileiro, sendo 12 enfiadas acima do oitavo grau, incluindo cinco nonos e três décimos graus.

Benjamin já havia tentado escalar a via em 2020, ao lado de Alex Mendes, mas a dupla não conseguiu completar o projeto. Determinado, ele prometeu voltar e cumpriu a promessa cinco anos depois. Desta vez, reuniu um time experiente formado Chris Deuto, parceiro de escaladas nos Estados Unidos e na Patagônia; Daniel Teitelbaum, que também é filmmaker; e “Zoio”, com quem já havia escalado na Patagônia.

Como Benjamin e Chris moram nos Estados Unidos eles planejaram passar pelo Brasil antes de ir para a Patagônia para escalar essa pedra icônica.  Isso exigiu uma logística detalhada uma vez que já sabiam que enfrentariam desafios diferentes do que estão acostumados. “A gente estava indo pra Patagônia, então o Espírito Santo virou uma espécie de parada no caminho”, conta Benjamin. Como o escalador já conhecia a região, eles se preocuparam em levar tudo que iriam utilizar durante a escalada para não precisar rapelar até o chão. “Levamos dez dias de comida e água e dois portaledges, com a estratégia de subir tudo de uma vez, de baixo até o cume. Foram nove dias de escalada, sendo sete na parede. Nada de voltar ao chão  foi um empurrão contínuo até o topo.”

Aproveitando o visual da parede.Foto: Daniel Teitelbaum

Hora do descanso após um longo dia de escalada. Foto: Daniel Teitelbaum

Chuva, calor e desidratação: a montanha testando os limites

Com vasta experiência em Big Walls na Patagônia e nos Estados Unidos, Benjamin afirma que a escalada na Pedra da Fortaleza se destacou pela intensidade do clima tropical e pela logística necessária.

A via passa por trechos verticais, com poucas agarras e bastante vegetação e “sujeira”. Foto: Foto: Daniel Teitelbaum

Além do grau elevado, diversas técnicas de escalada são exigidas durante a ascensão em livre. Foto: Daniel Teitelbaum

“Pegamos dois dias de chuva forte e tivemos que ficar dentro dos portaledges, com tudo molhado. Saco de dormir, equipamento, cordas. Em questão de logística, essa foi a parede mais difícil que já escalei na vida”, revela.

Quando a chuva passou, veio o outro extremo: cinco dias de sol intenso e calor escaldante. “A gente estava muito desidratado. Mesmo levando água pra dez dias, não dava pra beber muito. Escalar sob o sol do Espírito Santo, sem protetor solar, foi brutal. No dia do cume, a gente já estava exausto e queimado na nuca”, conta.

Isso intensificou o desafio de escalar a última enfiada em livre. “As maiores dificuldades foram salvar a pele e lidar com o cansaço. Chegando ao final, ainda tínhamos enfiadas duras pela frente. O corpo estava no limite”, lembra Benjamin.

Apesar do cansaço, a equipe manteve o espírito de união para chegar até o final. Benjamin esclareceu que apenas um dos integrantes escalou a última cordada em livre. “Eu não mandei todas as cordadas em livre. Meu parceiro Chris mandou todas; eu, todas menos uma. Mas o que importa é que a via foi mandada como um time. Esse foi o espírito”, ressalta Benjamin.

Para ele, voltar à parede onde um dia teve que desistir teve um significado pessoal de superação. “Na primeira vez, eu sabia que não era capaz de subir sozinho. Desta vez, subi com as minhas próprias forças e com um time incrível. Foi uma grande realização. Uma via que exige experiência em artificial, em livre e em Big Wall. A parede é suja, técnica, e desafiadora em todos os sentidos,” acrescentou.

Benjamin completou: “É estranho entrar num projeto sem saber se é possível e sair com todas as enfiadas feitas em livre pelo time. Realmente botou o nome da via no mapa e pelo que eu entendo, agora com essa cadena, podemos considerar ela a via de Big Wall em livre mais difícil do país. Então foi um sentimento legal, foi uma coisa que realmente me deixou bastante emocionado e tem um valor pessoal muito forte”, concluiu.

Dupla livrando uma das enfiadas. Foto: Daniel Teitelbaum

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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