Até agora, tenho falado do mar como um bioma global e homogêneo. Quero agora comentar sobre a vida que ele abriga e seu interessante seu relevo. Começo com um breve comentário sobre a exploração do mar.
A Exploração Submarina
Costumamos pensar que a grande fronteira da humanidade está no espaço. Teremos possivelmente de migrar para lá depois que a Terra não mais sobreviver às agressões que fizermos e suportar a população crescente que produzirmos. Porém o oceano é uma fronteira muito mais próxima e quase igualmente ignorada.
Se hoje conhecemos o relevo submarino e vários dos mecanismos marítimos, como as marés e as correntes, e entendemos os princípios da bioquímica oceânica, por outro lado só conseguimos até agora mapear 1/5 do mar. A vida marinha, especialmente na profundidade, ainda é uma incógnita. Abriga uma multidão de espécies ainda desconhecidas.
Há muitas razões para isso. O oceano é imenso, frio e profundo, não permitindo que respiremos submersos. Grande extensão dele é internacional, não pertencendo assim como a Lua a nenhuma nação. E o custo da exploração oceânica é muito alto, só sendo em geral compatível com o comércio e a exploração, não a pobre ciência.

Equipamentos para exploração do oceano conforme a profundidade.
O estudo do mar, chamado de oceanografia, começou na Inglaterra, que era a grande nação naval do século XIX. A busca em conhecer toda a geografia do planeta e as necessidades criadas pela II Grande Guerra já no século XX desenvolveram as ferramentas para a pesquisa oceânica, como o submarino, o radar e o sonar, junto com novos meios de propulsão, comunicação e localização.
E o homem submergiu cada vez mais fundo. O escafandro permitiu que chegasse a 100 metros (o mergulho recreativo dificilmente ultrapassa 1/3 disto). O mergulho comercial com equipamento pode atingir 300 metros. Dentro de cápsulas ou carapaças, é possível alcançar até os 700 metros.
Mas apenas as explorações tripuladas puderam realmente investigar as profundidades oceânicas. E, finalmente, o submersível Challenger conseguiu chegar às Fossas Marianas, o mais profundo local do planeta.
As Zonas Oceânicas
Se você observar o oceano horizontalmente, poderá dividi-lo em ambientes costeiros e abertos. A costa, que vai do litoral ao início da plataforma continental, abrange menos de um décimo do mar, mas abriga a maior parte da vida marinha. O mar aberto inclui todas as demais águas distantes e profundas.
Mas é mais interessante considerar o mar verticalmente. Neste caso, logo após o litoral estendem-se as duzentas milhas da plataforma continental que estão sob controle das nações limítrofes. Esta zona é chamada de nerítica, por oposição ao restante do mar, que ocupa a zona oceânica.
O mar nerítico é aproximadamente 20% do total e avança até 200 metros de profundidade, onde a luz não mais penetra. Ele naturalmente concentra a maior quantidade e variedade marinhas.

O perfil do oceano, desde as zonas nerítica e pelágica e, nesta, as regiões batial, abissal e hadal.
A partir da zona nerítica, o talude continental mergulha até as planícies abissais no fundo do mar, que afinal correspondem ao que na superfície chamaríamos de solo. Os especialistas definem três zonas, à medida que a profundidade avança: batial, abissal e hadal (nomes estranhos de origem grega). Elas correspondem a distintos habitats marinhos.
Uma luz fraca e escassa pode atingir até os mil metros, por isso a região batial ainda comporta alguma vida própria. Entretanto, sem a fotossíntese não podem mais existir algas ou plânctons. A partir do terço inicial dela, os peixes não são mais capazes de migrar pelas profundezas oceânicas.
No frio escuro da zona abissal, seus habitantes apenas sobrevivem a partir de restos orgânicos depositados de cima. Aqui, os peixes são substituídos pelos crustáceos. No espaço hadal, existe surpreendentemente material orgânico particulado, que permite a vida de seres endêmicos, capazes de conviver com enorme pressão e isolamento geográfico.

Os habitats marinhos conforme as zonas de profundidade.
Finalmente, há o assoalho submarino, habitado por seres minúsculos, de pouca movimentação, num ambiente chamado de bêntico.
Curiosamente, a biomassa que naturalmente veio decrescendo com a profundidade, volta a aumentar neste nível. Os estranhos seres que nele vivem são especialmente adaptados ao consumo de toda a matéria orgânica depositada ou em suspensão que chega a eles.
O Ambiente Marinho
O ambiente do mar profundo contém algumas características especiais:
Em primeiro lugar, só há luz nas águas relativamente rasas. Ela se torna tênue abaixo de 200 m e se extingue a partir de 1.000 m. É o que se chama de zona afótica, onde a fotossíntese não pode funcionar. E, naturalmente, também a visão, o que introduz grandes limitações e adaptações ao mundo marinho.
Vivemos sob a pressão atmosférica, que corresponde ao peso da coluna de ar acima de nós. No mar, a pressão aumenta de uma atmosfera a cada 10 metros. Então, o acréscimo de pressão a 100 metros é de 10 atm, que ainda podem ser bem suportadas por um mergulhador.
Imagine agora a pressão monstruosa a mil ou cinco mil metros: 100 ou 500 atm. Este é um ambiente nocivo, pois sob pressão alta e temperatura baixa a estrutura dos ossos tende a se dissolver.
A temperatura do mar não sofre variações bruscas. Ela decai à medida que se desce o talude continental, mas depois se torna constante em cerca de 2-4⁰C. Note que esta última é a mesma temperatura da água glacial, abaixo da camada de gelo. Também a salinidade de 3.5% tende a se manter igual.

Características do ambiente marinho.
A variação do oxigênio é interessante, pois sua concentração decai até os 1.000 m. Existe porém logo a seguir uma zona de O2 mínimo, onde as águas não conseguem afundar, pois são retidas pelas camadas mais densas embaixo delas.
As partículas orgânicas ficam aprisionadas lá, servindo de abundante alimento para os peixes, até que o gás se esgote. Mas as águas além de 1.500 m voltam a ser ricas em oxigênio, suficiente para o consumo da escassa vida de profundidade.
A Alimentação Marinha
De onde vem o alimento para os seres do oceano? Uma fonte primária importante é o plâncton, conjunto de organismos microscópicos que ficam à deriva nas águas. Podem ser bactérias, algas ou protozoários.
O fitoplâncton (de origem vegetal) é fundamental, pois produz mais oxigênio e glicose por fotossíntese do que todas as florestas do mundo e serve de alimento para toda a cadeia de plânctons.
Sua versão animal é o krill, formado por crustáceos minúsculos. Eles são a alimentação de grandes animais, como baleias e tubarões. O fitoplâncton só pode operar em águas superficiais alcançadas pela luz e o zooplâncton depende dele para sobreviver.

O minúsculo plâncton – algas e bactérias, medusas e crustáceos ovos e larvas, seres gelatinosos e unicelulares.

Florestas de kelps, formadas por algas gigantes, dotadas de raízes, caules e lâminas, criam nichos ecológicos únicos.
Embora submersos, os campos de relva e as florestas marinhas parecem maravilhosamente imitar a superfície. As florestas são uma das mais extraordinárias manifestações da vida marinha.
São formadas por grandes algas laminares, chamadas kelp, que ocorrem nas zonas neríticas, portanto ainda com acesso à luz. Dispõem-se ao longo das costas em regiões temperadas, com águas frias ricas em nutrientes.
Estas florestas, que parecem fruto da alucinação, constituem um habitat único para a variada fauna marinha de robalos e corvinas, esponjas, ouriços e águas vivas, moluscos e lagostas. Diferentemente do que você talvez pensaria, nossas águas tropicais não são ricas em alimento e não abrigam essas florestas maravilhosas.
Mas, nas profundas águas escuras, o alimento tem origem secundária, pois resulta do aproveitamento de organismos pré-existentes, vivos ou mortos. A alimentação provém de partículas suspensas, de detritos orgânicos ou de animais mortos, algumas vezes sob a forma de particulados mínimos.
Imaginem a festa quando chega ao assoalho marinho uma grande baleia, garoupa ou tubarão: não apenas enterrarão por décadas o gás carbônico contido, mas servirão de alimento para uma geração inteira de seres famintos.
As Fontes Hidrotermais
Quero comentar agora sobre quatro surpreendentes processos que enriquecem a vida marinha. O primeiro são as fontes hidrotermais, quando fluidos aquecidos do magma escapam da crosta através de fissuras, como se fossem gêiseres submersos. Eles acumulam uma variedade de minerais nessas chaminés de água ascendente.

Distribuição das fontes hidrotermais. São mais de mil, localizadas em zonas vulcânicas nas bordas das placas tectônicas.
Nas profundezas do oceano, muitas formas marinhas, na ausência da energia da luz do Sol, fazem desses lugares verdadeiras viveiros de vida. A biodensidade é de milhares de vezes a usual, com bactérias que decompõem o enxofre tóxico alimentando a vida.
São colônias de caracóis, vermes, camarões e polvos – um ecossistema completo de presas e predadores. Alguns cientistas dizem que essas fontes reproduzem bilhões de anos depois a bioquímica do nascimento da vida.
O segundo aspecto (ligado ao anterior) é a quimiossíntese, processo pelo qual bactérias e fungos produzem energia a partir do metano, oriundo das fontes hidrotermais. Ou seja, é equivalente à fotossíntese, onde a luz é substituída pela química.
Ela ocorre na escuridão do mar profundo, entre extremos de temperatura de 2⁰ a 400⁰C, sob pressões gigantescas e concentrações químicas tóxicas.
Mas existem também fontes frias de metano – ele pode ser liberado nas margens continentais ou nas colinas e escarpas submersas. Nos dois casos, é uma vida exuberante e endêmica, ainda nada conhecida.
Mas existem também águas marinhas que afloram sem nenhuma causa térmica. É a chamada ressurgência, quando as águas superficiais são afastadas pelos efeitos do vento e da rotação do planeta. Então ocorre em compensação o afloramento das águas de baixo, que são mais frias e que trazem consigo muitos nutrientes.
Nestes locais, em geral costeiros (principalmente no Pacífico americano e no Atlântico africano), ocorre uma grande abundância de vida. São pontos preferidos para a pesca.

Jardins ou recifes de corais são estruturas submersas que abrigam grande riqueza de vida marinha, que nelas se aloja, alimenta e reproduz.
O quarto aspecto são os jardins submersos de corais. Eles funcionam como locais de habitação, viveiro, desova e alimentação para muitos organismos – são oásis de vida. A biodiversidade é exuberante, com esponjas, estrelas e serpentes do mar, caranguejos, musgos de origem animal e até peixes.
Os corais têm grande longevidade, reprodução tardia e lento crescimento, sendo vulneráveis à ação humana da pesca profunda, da perfuração do petróleo e da mineração dos fundos marinhos.
O Relevo Marinho
O oceano, assim como a superfície do planeta, apresenta um relevo movimentado. A rocha básica do mar é o basalto escurecido, assim como a da superfície é o granito acinzentado. Embora a crosta oceânica seja muito mais fina do que a continental, ela é mais pesada, devido à densidade do basalto.
Isto traz algumas consequências. Primeira, permite que os continentes sejam emersos, dada a espessura da crosta. Segunda, explica sua relativa estabilidade, dado que suas placas tectônicas são pouco móveis. Essas placas flutuam lentamente sobre o magma interior aquecido e podem se aproximar ou afastar, chocando-se ou fraturando-se.
E terceira, faz com que nos choques tectônicos, as placas oceânicas mergulhem e empurrem para cima as continentais, num processo chamado de subdução. Por exemplo, foi ela que ergueu a Cordilheira dos Andes. Antes que você pergunte, o Himalaia resultou do choque de duas placas continentais.
O principal acidente do relevo é a Dorsal Meso-Atlântica, uma cadeia montanhosa de 60 mil km, que separa a América da África e esta da Europa, percorrendo continuamente todo o bordo sul do planeta. Contém uma série de terraços que abrigam espécies marinhas variadas.
Ela está em movimento, tornando o fundo do oceano próximo à dorsal geologicamente mais jovem do que o fundo adjacente aos continentes, uma vez que foi gerado mais recentemente.

Mapa das dorsais oceânicas, com desenho ilustrativo do relevo do fundo oceânico.

Relevo do fundo marinho. Veja a diferença de espessura entre as crostas marinha e continental.
Existe também no fundo do Pacífico um confuso cordão de montanhas. Estas últimas são normalmente vulcões extintos de formato cônico, que em geral aparecem isolados. Outras formas de relevo são as colinas abissais dispersas pelo assoalho da planície, os cânions na forma de estreitas gargantas ao longo dos taludes e as profundas fossas no bordo dos continentes.
Mas as montanhas não ultrapassam a elevação de mil metros. Ao contrário, as fossas marinhas são profundíssimas.
Foi assim que uma mergulhadora descreveu sua sensação ao chegar a bordo do Challenger aos onze mil metros ao fundo das Fossas Marianas: um alienígena chegando a um planeta estrangeiro e navegando por essa paisagem lunar.
As Formas Marinhas
Eu acho fascinante as formas que a adaptação da vida ao meio imprime nos animais. Isto os faz parecerem exóticos, impossíveis, maravilhosos ou monstruosos. Na profundidade do mar, existem algumas restrições óbvias – a carência de luz, o frio constante, o aumento da pressão e a falta de alimento.

Peixe Ogro (Fonte – wikimedia commons – Citron C6-BY-SA-3.0).

Isópode (Fonte – wikimedia commons – Philippe Guillaume).
Seus habitantes desenvolveram carapaças protetoras mais rígidas e espessas, tornaram-se mais fortes e menos ágeis. No ambiente obscuro dos mares, onde a luz progressivamente enfraquece até desaparecer, exploraram o contraste de cor, com dorsos escuros e ventres claros, para se camuflar contra a fundo e para simular a luz fraca vinda de baixo. E suas laterais tornaram-se prateadas para melhor refletir o ambiente.
Mas, em profundidades maiores, os seres marinhos usam um contraste protetor menor e um maior escurecimento do corpo. Eles também apresentam dorsos alongados, que permitem uma melhor detecção de distância e de localização. Como nas enguias e quimeras, que possuem órgãos de percepção ao longo do corpo.

Lula Vampiro do Inferno (Fonte – wikimedia commons – Carl Chun).

Verme de Pompeia (Fonte – wikimedia commons – Olivier Dugornay).
Essas espécies mais profundas criaram olhos dilatados, capazes de perceber frações mínimas de luz. Algumas espécies chegam a produzir sua própria luminescência de origem química, como nos casos dos crinoides (lírios do mar) e dos zooplanctons assemelhados às medusas ou de aparência gelatinosa.
Como no mar profundo o alimento em geral desce das camadas superiores, os seres que nele habitam costumam ter olhos e bocas voltados para cima. Muitos deles, nesses ambientes escuros, tem grandes dentes afiados dentro de bocas enormes, pois o bote sobre a presa uma vez avistada deve ser certeiro.

Peixe Dragão (Fonte – wikimedia commons – Jens Petersen).

Víbora (Fonte – wikimedia commons – Isabelle Cheret).
Agora considere o esforço para não emergir ou afundar, se você estivesse dentro do mar. Os seres marinhos desenvolveram o que se chama de flutuação neutra, de forma a manter estável sua profundidade, com um consumo de energia mínimo.
Recorrem a recursos como as bexigas cheias de gás, à concentração de lipídios (de baixa densidade), ao armazenamento de gordura leve junto a ossos pesados e aos suaves tecidos aquosos. São os casos das adaptações do peixe espada, do bacalhau gigante e do peixe chocolate.
As espécies do mar profundo usualmente respiram a uma taxa muito mais baixa do que as costeiras. Ou seja, praticam um metabolismo menos intenso e mais controlado, para permitir que conservem energia e alimento. Um exemplo no mar profundo é o peixe rato, aparentado ao bacalhau costeiro, que pode se alimentar apenas a cada meio ano.
Outra defesa interessante reside no próprio desenvolvimento dos animais. A energia é canalizada para o crescimento rápido, para escapar dos predadores. Só depois da fase adulta é que a reprodução se torna possível. Ela é menos fecunda do que a das espécies da superfície, mas elas mostram-se mais longevas.
Note que esta estratégia de sobrevivência torna seus praticantes mais vulneráveis à exploração, pois sua vitalidade é menor. Ela me lembra a megafauna da superfície – a lenta maturidade sexual e a limitada quantidade de crias facilitou sua extinção. Espero que, protegida pela funda escuridão do mar, a vida submarina possa resistir melhor.















