Contexto:
O Parque Estadual do Monge (PEM) é uma unidade de conservação estadual localizada muito próxima à cidade da Lapa PR, uma pequena cidade há 50 Km de Curitiba que tem como atrativo sua arquitetura histórica e o próprio parque, que abriga uma área natural constituída por florestas de araucária e campos subtropicais, além de um grande paredão de arenito, onde ficam as vias de escalada proibidas.
Neste paredão há um abrigo sobre pedra onde viveu, há mais de 100 anos atrás, o monge José Maria, que era um eremita. Após a morte deste monge, o local se tornou um ponto de procissão religioso. Este tipo de turismo era o principal atrativo do parque e era feito de maneira desordenada, com um afluxo de pessoas muito grande, infraestrutura inadequada e muito vandalismo contra a natureza.
Para piorar, há 50 anos, o governo do Paraná resolveu plantar Pinus e Eucalipto na área de campos naturais dentro do parque. Não havia na época conhecimento sobre espécies invasoras e como nosso código ambiental era florestal, e a vegetação natural era aberta, acharam melhor florestar o parque com estas espécies. O que podemos dizer que foi um mega impacto ambiental, pois nos campos subtropicais existem milhares de espécies de gramíneas e arbustos e elas foram substituídas por apenas duas espécies de árvores, numa grande perda genética.
Desde 2008, eu e o José Luiz Liz Mendes (o Zelão) participamos do conselho consultivo do parque representando Fepam e os montanhistas. Nas reuniões mostramos para os administradores que a escalada não é uma atividade muito impactante e nem mesmo insegura. É muito difícil convencê-los disso, pois há mitos muito grandes sobre quem pratica escalada. Para eles somos irresponsáveis, loucos e ficamos “batendo martelinhos” nas paredes rochosas, causando grandes impactos.
Para piorar, a rocha da Lapa é o arenito, que é menos resistente que as rochas cristalinas. Há um outro mito que diz que esta rocha é inapropriada para a escalada, o que não é verdade. Aqui mesmo no Brasil temos diversos exemplos de que dá pra escalar com segurança nesta rocha e o Paraná é o maior deste exemplo, pois lá temos o maior numero de vias em arenitos no Brasil e diga-se de passagem, dentro de Unidades de Conservação, como a APA da Escarpa do Devoniano, em São Luis do Purunã.
Há alguns anos atrás, um geólogo da UEPG foi ao PEM e disse que o arenito de lá era frágil, pois ele era uma fácie do arenito Vila Velha (que é bastante fraco de fato). Pronto, aí foi o ponto final para que o IAP proibisse a escalada no PEM…
Depois disso, houveram muitos atritos entre escaladores e o IAP, até que na calada da noite muitas vias foram depredadas. Foram serrados diversos grampos de vias e aqueles que não foram arrancadas, foram martelados e entortados.
Para resolver os problemas ambientais do Monge, o IAP, em 2009, bolou um plano de recuperação ambiental e readequação da visitação do parque. Neste plano, eles iriam retirar todos os Pinus e Eucaliptos e com a própria grana da madeira, eles iriam aplicar para recuperar a vegetação nativa e readequar a infraestrutura, para proporcionar uma visitação menos impactante ao principal atrativo: A gruta do Monge, ou seja, para reorganizar o turismo religioso. Obviamente que os esportes de aventura (escalada, bike, parapente, todos proibidos!) ficaram de fora do plano.
O parque ficou fechado um ano inteiro, mas mesmo assim não ficou pronto. Seis meses mais tarde, com a população apreensiva pela demora, o parque foi entregue incompleto, com todas as árvores no chão, uma grande destruição causada pelos tratores que retiraram as toras de madeira e toda a infraestrutura antes existente demolida e abandonada em forma de entulho e ferro retorcido. Isso revoltou a população da Lapa!
Onde estava o dinheiro da madeira? Onde estava a promessa de recuperar o Parque? O dinheiro havia sido depositado no fundão do IAP e não numa conta especial, sem repasse, o parque ficou abandonado… A vegetação nativa junto com o Pinus e o Eucalipta estava no chão, mas só as exóticas se recuperavam.
Antes era proibido andar de bike na trilha, para não erodir o solo… Mas na reabertura, varias nascente haviam sido destruídas pelos pneus dos tratores. Apesar da boa intenção, o IAP mandou muito mal na execução do projeto e ficou muito feio para eles… Com a mídia em cima e toda a população da Lapa furiosa, eles foram obrigados a rever seus atos radicais e este foi o contexto para conseguirmos enviar nossas sugestões para liberar a escalada no parque.
Argumentos geográficos e geológicos:
A primeira coisa que eu fiz foi estudar o plano de manejo. Como todos os planos que eu já vi, o do PEM faz um diagnóstico ambiental da área do parque, mas não reúne conhecimentos muito importantes, como por exemplo, sobre a origem daquela paisagem. Ele só diz como é o relevo, como é a vegetação, como é o solo, como é a geologia etc… Não fala o porquê de ser assim!
A importância de saber sobre a origem da paisagem é entender a dinâmica dela. Se o objetivo do plano é fazer uma política de uso, então este uso tem que estar de acordo com a dinâmica desta paisagem, pois senão corremos o risco de congela-la e combater os processos naturais que estariam ocorrendo para aquela paisagem ser como é. Como Kenitiro Suguio diz: Futuro = Passado + Presente.
Com este contexto pude facilmente combater a idéia de que o arenito Lapa é frágil. Para começar fiz uma revisão sobre as origens de tal arenito e pude com isso combater o primeiro mito, sobre sua fragilidade.
O arenito Lapa junto com o Arenito Vila Velha são fáceis do subgrupo Itararé de rochas sedimentares. Mas eles não são arenitos iguais… Enquanto que o Vila Velha é todo esfarelento e frágil, o Lapa tem alta concentração de sílica, o que lhe confere uma resistência acima do normal para arenitos. Por este motivo, quando estes arenitos foram aflorados e passaram sob ação do clima e foram erodidos, o Vila Velha deu origem à formas em ruínas (como a taça de Vila Velha), devido sua fragilidade e o Lapa deu origem à penhascos de rocha, pois ele é mais difícil de ser erodido.
Em seguido fiz uma revisão do conhecimento sobre as origens do relevo do Paraná, utilizando para isso grandes clássicos como Maack e Bigarella. Com eles pude refazer a história do relevo, falando sobre antigos soerguimentos (levantamento de relevo por tectonismo) que salientaram a escarpa entre o Primeiro e o Segundo Planalto do Estado. A resistência diferencial do arenito Lapa sustenta a escarpa, deixando o relevo como ele é hoje, um enorme paredão.
Minha formação acadêmica me ajudou enormemente nesta tarefa. Descobri que a minha qualificação de mestrado (um documento não publicado com umas 200 páginas revisando todo o conhecimento sobre a origem do relevo brasileiro) é um baita documento para ajudar a desmistificar certos paradigmas e preconceitos sobre fragilidade ambiental.
Perfil do Escalador.
A pesquisa sobre o perfil do escalador brasileiro, realizado por Davi Marski em 2009, ajudou enormemente para mostrar ao IAP quem é a pessoa que escala.
Diferente do turista religioso, o escalador tem alta qualificação,e educação, possuindo um perfil que podemos classificar como um visitante bom, que não trás grandes problemas para o meio ambiente.
Infelizmente há bons e maus visitantes de parques. Há muita gente que só vai para o meio natural para fazer bagunça e às vezes até mesmo sob um pretexto religioso, há abusos com a falta de educação, fato mais do que evidenciado na missa de primeiro de Maio no Anhangava.
Com a pesquisa do Davi, consegui desmistificar que o escalador é louco e bagunceiro. Também pude mostrar que quem escala tem qualificação para isso, pois a maioria das pessoas fizeram cursos e tem equipamentos apropriados, mostrando que o escalador além de não fazer bagunça, ainda terá poucas chances de se envolver em acidente.
O escalador é sim um visitante bom e que ainda pode movimentar a economia da Lapa, pois como diz a pesquisa, ele tem o hábito de viajar, movimentando restaurantes, campings e hotéis da cidade. Acompanhe os blogs dos montanhistas e veja como eles viajam. O Lapa pode sim se tornar um destino de escalada.
Bem é só ver a pesquisa do Davi Marski e entender que ela cai como uma luva para mostrar aos administradores de parques quem somos nós e desmistificar os preconceitos errôneos sobre nosso perfil.
Sugestões
Todo plano tem que apontar os erros do plano anterior e indicar sugestões para solucionar os problemas.
No documento entregue ao IAP, fizemos uma sugestão de zoneamento, para permitir a escalada somente nas áreas fora do circuito religioso, para que os escaladores não entrem em conflito com os peregrinos e estes não tentem imitar a gente. Isso na verdade não restringe a escalada em larga escala, pois a maior parte das vias já fica fora da área da gruta do Monge.
Sobre a questão da fragilidade do arenito, é fácil identificar os locais onde há risco de quedas de bloco. Basta ter boa vontade e fazer uma avaliação qualitativa e assim fazer um zoneamente onde dá e onde não dá para escalar. Não precisa nivelar tudo por baixo e restringir. No final, serão poucos os locais onde este risco existe. É só evitá-los.
O IAP não precisa se preocupar em adequar a infraestrutura para o escalador, pois ao contrário do turista religioso, não precisamos de quase nada, somente uma pequena manutenção na trilha de acesso à base da parede, que é infinitamente menos freqüentada pelos escaladores e os impactos ali são mínimos.
Não precisamos de estacionamento de ônibus, não precisamos de lanchonete e banheiro, e muito menos de escadas com corrimão. Para implementar a escalada, todos os aspectos originais da paisagem serão mantidos e os impactos são furos de ½ polegada com grampos colados. Isso é uma escala de impacto que não podemos nos preocupar.
Outra coisa é que o escalador não é um turista de massa. Naturalmente não iremos extrapolar o limite de visitação. Por todos estes motivos, o escalador se auto regula, não precisamos nem sequer de um funcionário para ficar monitorando, ou seja, os custos para o IAP liberar a escalada são muito pequenos e nós mesmo já temos em nosso histórico a participação como voluntários para ajudar em parques. Ou seja, eles não terão que destinar alguém pra ficar cuidando da gente. Os impactos são pequenos e os benefícios de ter a escalada como atividade regulamentada num parque são muito grandes!
Na própria cultura do montanhismo, onde os valores são aventura e liberdade, a liberdade vem acompanhada de responsabilidade e ao invés de agentes de destruição, poderemos nos tornar um aliado na conservação e ajudar o PEM a se tornar um parque de fato e não apenas uma área artificialmente protegida contra nós mesmos onde prevalece a contemplação contra a interação, separando o homem da natureza.
Se a ordem da atualidade é promover a Educação Ambiental, como podemos fazer isso sem conhecer e interagir com a natureza?
Para finalizar
O projeto, que pode ser visto na íntegra no link abaixo, já
foi protocolado no IAP e constará na ata da próxima reunião do conselho consultivo do PEM.
Esperamos que nossas propostas e argumentos sejam avaliados,
considerados e atendidos. Tenho certeza que podemos fazer uma ótima parceria
com o IAP e com o PEM, desenvolver nossa atividade de maneira sadia e
sustentável e escalar muito.
Espero também que esta experiência seja passada adiante e
com ela possamos fazer o mesmo em muitos outros parques brasileiros que sofrem
com este tipo de problema.
Gostaria de agradecer todos que me ajudaram neste projeto: Camila Dias dos Reis, Natan Fabrício, José Liz “Zelão” e Allison Wosniak.
:: Veja o projeto na íntegra no site da FEPAM
:: Pesquisa: Perfil do Escalador Brasileiro – Davi Marski
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