por Maximo Kausch &, Rodrigo Granzotto Peron
I CLEO WEIDLICH: RAIO X
Em julho passado ela concedeu entrevista ao Altamontanha, no acampamento-base do Gasherbrum I, quando relacionou todos os cumes que teria conquistado. Cleo diz ter escalado o Spantik (1997 e 2003), o Shishapangma (até o cume Central, em 2002 e 2009), o Lingtren (2004), o K6 (2003), o Pumori (2007, tentativa), o Mouneera (2008), o Broad Peak (2009), o Cho Oyu (2009), o Everest (2010), o Lhotse (2010, tentativa), o Nanga Parbat (2010, tentativa), o Gasherbrum I (2010), além do Mercedario e do Muztagh Ata. Apesar de se dedicar ao montanhismo extremo faz pouco tempo, já possui um currículo extenso e invejado.
Devido a algumas incoerências na narrativa da escaladora e a falta de prova fotográfica e/ou testemunhal em vários casos, os autores desse texto fizeram extensa pesquisa junto aos outfitters que ela diz ter contratado para organizar suas expedições, bem como a diversos outros montanhistas que estariam nesses picos nas temporadas citadas, mas não foram encontrados elementos para corroborar os detalhes de 12 dessas escaladas, que estão envoltas em polêmica.
II CUMES CONTROVERSOS
Passamos agora a relacionar os casos mais controversos que envolvem Cleo, sem querer julgá-la ou condená-la. Os picos abaixo são apenas duvidosos ou controversos. Não se tem a intenção de afirmar, decisivamente, que não foram culminados.
Ademais, é necessário dar à escaladora o direito de resposta e de comprovar que efetivamente realizou tudo o que disse. São, portanto, apenas casos polêmicos, e o presente texto serve para colocar os leitores do Altamontanha a par da situação.
Spantik (Paquistão, 7027m) (1997 e 2003)
Cleonice diz ter escalado o Mt Spantik em duas ocasiões, 1997 e 2003. Voltando da temporada de escalada dos Gasherbrums, Maximo teve briefing com representantes do Clube Alpino do Paquistão. Na ocasião, foram requisitados os registros das escaladas da brasileira naquele país, porém o único que havia era acerca da expedição dela ao Broad Peak, em 2009.
Aproveitando que a agência que Cleo informou ter usado para ir ao Spantik é a mesma utilizada por Maximo em 2010, foram os donos questionados sobre o assunto, e eles foram peremptórios ao dizer que ela jamais foi ao Spantik com eles.
K6 ou Baltistan Peak (Paquistão, 7281m) (2003)
O K6 é uma montanha altamente técnica, de difícil escalada, situada próxima ao Vale do Hushe. Perguntada, a amazonense mencionou ter alcançado o cume em 2003, utilizando a rota normal.
Essas afirmações são perturbadoras. Rodrigo ressalta que escaladas às agulhas do Karakoram sempre aparecem em importantes publicações, e jamais passam em branco. “O K6 é altamente técnico, com estilo de escalada do grupo Latok. Foi tentado 8 vezes, mas só teve dois cumes, um em 1970 e outro em 2008. Não há registros de ascensões em 2003 (e não consta equipe alguma na lista oficial de expedições autorizadas a ir ao Paquistão em 2003)“.
Para lançar mais dúvidas sobre essa conquista, a região esteve fechada por questões militares, e o K6 não possui rota normal, já que foi tentado por diversas rotas diferentes.
Maximo falou com o presidente do Clube Alpino do Paquistão, e ele diz ter certeza de que essa escalada não aconteceu. Na mesma direção os dizeres de Naiknam Karim, um dos donos da Adventure Tours Pakistan, agência que Cleo diz ter usado na escalada.
Muztagh Ata (China, 7546m) (sem data)
O Muztagh Ata é um cume 7000 situado no Kunlun Shan, Xinjiang, China, e recebe várias expedições por ano. Sua rota mais acessível é relativamente fácil. Devido à pouca inclinação de suas encostas, muitos escaladores aproveitam para esquiar na descida.
Na entrevista, Cleo disse que não lembrava da data que foi ao Muztagh Ata, mas que foram utilizados os serviços da Adventure Tours Pakistan (ATP) para a logística. A agência insiste que ela jamais esteve com eles na montanha em questão. O fato de a empresa que a teria guiado negar seu cume é um mau indício, uma vez que as empresas são as maiores interessadas em divulgar os sucessos de suas expedições, por questões de marketing.
Infelizmente, esse pico não possui registros completos em nenhum sistema estatístico, e assim fica difícil aferir a veracidade das informações prestadas pela manauara. Maximo estará na China a partir de setembro e vai procurar mais elementos sobre essa expedição de data desconhecida.
Pumori (Nepal, 7161m) (2007)
O Pumori, uma das montanhas mais lindas da região do Khumbu, foi alvo de Cleo em 2007. Em sua versão, foi utilizada a rota normal, com organização de Dawa Tshering Sherpa, da Asian Trekking (AT). Acrescentando informações, ela alegou que esta foi a primeira montanha que ela registrou com a famosa Miss Hawley, jornalista de 86 anos de idade que arquiva dados de todas as expedições ao Nepal.
Maximo esteve com Miss Hawley numa entrevista de rotina na quinta-feira passada e aproveitou para perguntar sobre essa expedição. Os únicos registros que a renomada jornalista possui sobre a brasileira são quanto ao Cho Oyu em 2009, e o Everest em 2010. Nada consta em relação ao Pumori…
Lingtren (Nepal, 6720m) (2004)
Essa montanha técnica fica próxima do acampamento-base nepalês do Everest. Cleo a teria escalado em 2004, com o mesmo sherpa e agência que usou no Pumori.
Por se enquadrar na categoria trekking peak, Miss Hawley não registra as ascensões ao Lingtren, e a única forma de verificar é pelo outfitter. Até o momento, o Altamontanha.com não obteve resposta da Asian Trekking.
Mouneera Peak (Paquistão, ~7000m) (2008)
Esse é outro caso altamente controvertido. Segundo Cleo, a montanha fica próxima ao Gondhogoro La e teria mais de 7000 metros. Nas pesquisas de Rodrigo, ficou claro que não há registro em lugar algum de uma montanha com esse nome. Talvez eles tenham batizado algum pico sem nome como Mouneera e acabaram não divulgando. Ela diz que o pico tem mais de 7000 metros, mas na região do Gondhogoro La, acima de 7000, tem apenas o grupo Masherbrum e o grupo Chogolisa, além de Mandu (7127m) e Yermanendu Kangri (7163m). Talvez algum dos sub-picos desses maciços tenha sido ascendido por ela, mas também precisaria de mais informações“.
Tudo leva a crer que a montanha não existe mesmo. No Clube Alpino do Paquistão, onde os nomes de montanhas são arquivados, não há registro desta montanha.
Shishapangma (China, 8027m) (2002 e 2009)
Continuando a entrevista, Cleo aduziu ter escalado o Shisha duas vezes, em 2002 e 2009, e alcançado o Cume Central da montanha (8012m), que é uma antecima, em ambas as ocasiões.
Rodrigo é um dos poucos que arquiva as listagens de expedições e registra quem fez cume na montanha, tanto no cume central quanto no principal. Nada consta em nenhuma das tabelas referentes ao Shishapangma.
Para tirar a alegação a limpo, foram contactados por e-mail alguns escaladores que estiveram no Shisha em 2002, sendo que dois lembram de uma montanhista da qual não recordam o nome, mas ela teria ido apenas até o campo-base, realizando trekking no Tibete, e nem chegou a escalar a montanha. Bem poderia ter sido a Cleo, mas ainda assim não há informações suficientes para corroborar que esteve no Shisha em 2002.
Quanto a 2009, foi possível confirmar que de fato ela escalou o Shishapangma, mas desistiu a 7200 metros, acompanhada por Mingma Sherpa, não indo além. Portanto, em nenhuma das duas ocasiões, ela pisou no Shishapangma Central.
Broad Peak (Paquistão, 8047m) (2009)
Episódio mais controverso de todos. Após ser divulgado, no Explorersweb, que ninguém fez cume no Broad Peak em 2009, fato que na ocasião foi confirmado por todos os trip leaders, Cleo enviou e-mail reclamando, afirmando que fez cume na montanha.
Confiando na palavra da escaladora, e no aguardo de mais provas, provisoriamente foi divulgado que ela teria feito cume no Broad Peak I (8047m). Investigações mais profundas apontaram no sentido de ela ter parado na antecima, Broad Peak Rocky Fore Summit (8030m). E as respostas por e-mail obtidas recentemente querem fazer crer que sequer Cleo teria chegado à antecima, parando no platô alto (7900m).
As investigações completas sobre o que ocorreu no Broad Peak, em 2009, constarão de uma matéria especial, a ser publicada em algumas semanas.
Cho Oyu (Nepal/China, 8188m) (2009)
Restou comprovado por fotos e testemunhos que Cleo Weidlich efetivamente fez cume no Cho Oyu na temporada de outono de 2009. Contudo, alguns detalhes da narrativa dela não fecham.
Cleo alega ter escalado o Cho Oyu em apenas 11 dias, sem uso de oxigênio suplementar, fazendo cume em 24 de setembro de 2009, com Mingma Sherpa. Ela acrescentou que pulou o acampamento 3 no ataque ao cume, indo direto do campo 2 ao topo em apenas 5 horas.
Segundo Maximo o maior especialista sulamericano no Cho Oyu, com dois cumes e a ponto de guiar na montanha pela terceira vez , é possível sim fazer cume do C2 sem O2, porém não acredito na história dos 11 dias. É necessário muito preparo físico e uma boa aclimatação para este feito.
Mesmo que seja possível fazer cume em 11 dias, e mesmo que seja possível um esticão do C2 ao cume em 5 horas, outra controvérsia paira no ar: o oxigênio. Nos registros de Miss Hawley e de Rodrigo Granzotto Peron, consta que o gás foi utilizado.
Everest (Nepal/China, 8850m) (2010)
Igualmente está confirmado o cume de Cleo. Mas os detalhes da expedição estão envoltos também em mistério e desencontros.
Nas palavras da montanhista, ela foi contratada como trip leader da expedição Eco Everest 2010. No entanto, os relatos de outros integrantes do time apontam em outra direção. Cleo seria apenas uma cliente, e os verdadeiros líderes de expedição na escalada seriam o renomadíssimo Apa Sherpa (com seus inacreditáveis 20 cumes), o mexicano David Liaño González (3x EV) e Sonam Tshering Sherpa (7x EV).
Outro fato que o AltaMontanha.com está investigando é a participação da Cleo no alegado resgate realizado no dia seguinte ao cume (17 de maio de 2010). Na descida, a entrevistada mencionou ter resgatado 3 membros do “nepali cycling team”, incluindo o famoso ciclista Pushkar Shah, que percorreu 140 de países numa bicicleta.
Na escalada ela afirmou que fez uso de apenas uma garrafa de oxigênio, entre o Balcony (8400m) e o Cume Sul (8758m). Todavia, de acordo com outros escaladores presentes no ataque ao cume, ela utilizou os usuais quatro cilindros de oxigênio durante a escalada.
III CUMES COMPROVADOS
Depurando do histórico de Cleo todas as polêmicas nas quais está envolvida, sobra ainda um currículo impressionante, e escrito em curtíssimo espaço de tempo.
O primeiro grande momento da amazonense foi a subida do Aconcágua, em 2008, como integrante de expedição da Alpine Ascents International (AAI), tendo por guia Lhakpa Gelu Sherpa (um dos famosos super sherpas, e que fez 14 cumes no Everest).
Na Ásia, o curriculum vitae de Cleo chama a atenção pela quantidade e qualidade de suas escaladas. Em 2009 ela tentou o Broad Peak, desistindo, como acima visto, a 7900 metros (platô alto). Chegou a ser divulgado que fizera cume, mas depois de pesquisa com praticamente todos os escaladores que estavam na montanha naquela ocasião, conclui-se que Cleo deu meia-volta no meio do platô, devido ao excesso de neve.
Na sequência, a alpinista tentou um double-header na China, ficando a 7200m no Shishapangma e angariando seu primeiro 8000, o Cho Oyu. E assim, ela encerrou 2009 tendo tentado três cumes 8000, e amealhando um.
Em 2010 seu apetite por aventura continuou elevado, e como integrante da expedição Eco Everest, ela culminou o Everest e foi acima de 8000 metros no Lhotse. Como preparação para esse double-header no Khumbu, ela fez cume no Lobuje East (primeira mulher brasileira a ir ao topo desta montanha).
Terminada a temporada de primavera, ela não deu trégua e rumou para o Paquistão, onde tentou um triple-header. Primeiro, integrou expedição polaca, atingindo 7000 metros no Nanga Parbat, depois teve fôlego para fazer cume no Gasherbrum I (Hidden Peak), e atacar novamente o Broad Peak (não há informações ainda sobre o resultado dessa segunda investida), na companhia dos porters paquistaneses Nisar Hussain Ali Sher e Mohammad Ali III.
Como se percebe, a amazonense é uma apaixonada por altitude, e possui grande amor pelas montanhas. Dentro desse espírito, ela participou de investidas a 8 cumes de 8000 metros em questão de um ano, tendo pisado os pés no ponto mais alto em 3 ocasiões. Nesse processo, quebrou vários recordes.
IV CURRICULUM VITAE
Assim, excetuando-se os cumes controversos e que ainda não puderam ser comprovados (repita-se que não se está condenando a Cleo, apenas se tratam de conquistas duvidosas, sendo necessárias mais provas), segue abaixo o currículo resumido e comprovado de Cleo, segundo pode ser apurado pelos autores (nem no site pessoal ela mantém lista de suas aventuras):
Nome completo: Cleonice Pacheco Weidlich
Apelido: Cleo Weidlich
Nascimento: 4-1-1964
Naturalidade: Manaus (AM)
Nacionalidade: Brasileira e Americana (dupla cidadania)
Residência Atual: Palo Alto, Califórnia (EUA)
Montanhas culminadas:
2008 Aconcágua (6962m) – cume com Lhakpa Gelu Sherpa
2009 Broad Peak (8047m) – tentativa, até 7900m
2009 Shishapangma (8027m) – tentativa, até 7200m
2009 CHO OYU (8188m) – cume em 24.09.2009 [OX]
2010 Lobuje East (6119m) – cume [preparação para o EV]
2010 EVEREST (8850m) – cume em 17.05.2010 [OX]
2010 Lhotse (8511m) – tentativa, acima dos 8000m
2010 Nanga Parbat (8126m) – tentativa, até 7000m
2010 GASHERBRUM I (8068m) – cume em 05.08.2010 [OX]
2010 Broad Peak (8047m) – tentativa, faltando dados
Recordes obtidos:
a) Primeira mulher sulamericana a culminar 3 montanhas de 8000 metros,
b) Primeiro brasileiro no ponto mais elevado do Gasherbrum I,
c) Primeiro brasileiro a culminar 3 montanhas 8000 em menos de doze meses,
d) Primeiro brasileiro a tentar 7 cumes 8000 diferentes em doze meses.
É uma carreira incrível dessa brasileira que tem dado o que falar, tanto do ponto de vista de sua paixão pelas montanhas quanto pela quantidade de polêmicas que a cercam.
Que ela continue sempre escalando com essa devoção e amealhando cumes para o nosso país!