Bruno Versiani: Alpinista em crescimento contínuo

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Bruno Versiani dos Anjos, alpinista e poeta, além do rico currículo acumulado nos 6000 dos Andes, está prestes a desbravar terreno inexplorado pelos brasileiros.

por Rodrigo Granzotto Peron
 
“A alegria de viver consiste em exercitar as próprias energias, o crescimento contínuo, a mudança constante, o gozo de cada nova experiência. Parar significa simplesmente morrer” (Aleister Crowley).
 
Bruno Versiani dos Anjos, alpinista e poeta, além do rico currículo acumulado nos 6000 dos Andes, está prestes a desbravar terreno inexplorado pelos brasileiros, ao embarcar em jornada ao Pik Communism (7495m, ponto culminante da Cadeia do Pamir). Na presente entrevista, ele faz uma revisão sobre suas escaladas e revela seus planos.
 
O PERFIL
 
Nome: Bruno Versiani dos Anjos
Data de nascimento: 7 de abril de 1976
Local de nascimento: Belo Horizonte (Minas Gerais)
Currículo: cumes no Huayna Potosí (2004, 2006 e 2012), Alpamayo Chico (2006), Tocllaraju (2007), Condoriri (2008), Huascarán (2008), Illimani (2008), Chopicalqui (2008), Aconcágua (2010), Chachacomani (2010) e Pik Lenin (2013).
 
P: Parabéns pela recente conquista do Pik Lenin, uma montanha pouco explorada pelos brasileiros. Para aqueles que ainda não o conhecem, quem é Bruno Versiani dos Anjos?
 
R: Obrigado, acho que foi a expedição mais fantástica de minha vida. Estava muito apreensivo, nevou pra caramba, o tempo estava ruim. Felizmente, na última tentativa de cume o céu noturno abriu-se maravilhoso e sem vento. Partimos às duas da manhã. Seguimos em dois grupos (eu com guia particular). Cheguei ao cume às dez da manhã, enquanto o outro grupo só foi chegar às quatro da tarde. 
 
Falando um pouco mais sobre mim, nasci em Belo Horizonte, mas tomei paixão pelas montanhas quando morei em Grenoble, na França, entre 1980 e 1984 (era garoto). Ficava olhando aqueles “gigantes” cobertos de neve, como algo divino, sobrenatural, morada dos Deuses. Minha mãe me levava para esquiar e já notava minha imensa paixão pela natureza e pelas montanhas. 
 
Atualmente resido em Brasília, sou funcionário do IBAMA, ambientalista convicto, escrevo regularmente para alguns jornais como “Ecodate”, o “Eco” e algumas colunas eventuais na Folha de São Paulo. Apesar de minha luta, sou um pouco pessimista, acho que o planeta está sendo destruído em taxas alarmantes, a superpopulação é um fato extremamente preocupante, e não vejo saída macro política a médio prazo.
 
Como reflexo disso, fico triste de ver ano a ano as geleiras da Bolívia e Peru encolhendo (estão derretendo muito rápido nesses países).
 
P: Como e quando começou essa tua vocação para o montanhismo?
 
R: Bem, como disse, foi em Grenoble. Retornei a essa cidade em 1997 (após minha estadia entre 1980 e 1984) onde entrei de corpo e alma na escalada em pedra. Adquiri um nível razoável, fiz bons “big walls”, e tive a sorte de ter  como instrutor um dos que, na época, estava no topo do ranking francês – se chama Ludovic Pan e ouvi falar que atualmente está escalando no Paquistão. O cara mandava “8c” francês à vista, era incrível observar ele escalando. Era de uma extrema humildade e discrição. Quando retornei ao Brasil em 1998, passei a escalar em Minas Gerais, mas achava as vias muito inseguras, o pessoal tinha o hábito de fumar maconha antes de escalar, e isso me desanimou bastante. Abandonei logo.
 
P: Após esse “abandono momentâneo”, o teu primeiro contato com alta montanha foi na expedição ao Huayna Potosí em 2004, certo? Que te recordas daquela expedição?
 
R: Após alguns anos afastado, em 2003 tive uma tremenda crise existencial, e no ano seguinte parti para a Bolívia para “dar um tempo”. Não imaginava que o país fosse tão bonito. Quando subi no Chacaltaya e olhei para o Huayna Potosi, entrei em êxtase e disse para mim que queria “entrar em comunhão” com aquela montanha. O Huayna é impressionante como primeira visão dos Andes… 
 
A subida foi bem difícil, ainda mais se levar em conta que eu não estava bem aclimatado, e cheguei com grande dificuldade ao cume, que, infelizmente, estava cheio de névoas. O tempo só se abriu quando já estava descendo. Isso me impulsionou a escalar novamente essa montanha em 2006, quando, aí sim, tive um lindo visual lá de cima.
 
Trecho do poema feito em homenagem ao Huayna Potosí:
 
“E, a partir daí, eu vislumbrei a Curvatura da Terra
As centelhas purpúreas do Firmamento,
A cumplicidade dos Astros
E a experiência Solitária da Contemplação Sublime
 
E, no momento em que escapar o último Alento do meu Ser
Você me chamará novamente, Divino Cume
Para Eternalizar minha Existência
No Branco e Altura do teu Gelo”
 
P: Em 2007, rumastes ao Tocclaraju. E esta expedição, como foi?
 
R: Conheço algumas pessoas que foram ao Tocclaraju e não tiveram sucesso, pelas condições de gelo difíceis. Eu tive sorte, durante a minha expedição as gretas estavam “quietas”. Porém o clima começou a fechar rapidamente no cume, e tivemos que fazer rapel em caráter de urgência. É um quinhão realmente lindo da Cordilheira Real, e considero que a foto mais artística que tirei de todas as montanhas foi a do Tocclaraju. Outra curiosidade sobre essa expedição, é que resolvi “pular” os acampamentos e descer do cume direto para Huaráz, ou seja, andei, pelos meus cálculos, cerca de 20 horas ininterruptas (de uma da manhã até nove da noite do dia seguinte). Foi inacreditável, minhas pernas perderam literalmente a sensibilidade rsrsr…
 
P: No ano seguinte, em expedição muito movimentada à Bolívia, vieram Huascarán e Illimani, escaladas mais técnicas. Quais lembranças guardas desta expedição?
 
R: Puxa, esse ano de 2008 foi glorioso, escalei quatro montanhas fantásticas.
 
O Cabeça de Condor, na Bolívia, tinha ficado na minha mente em 2006, quando eu o vislumbrei fazendo trekking. Em 2008, resolvi aprender um pouco mais de técnicas de gelo para tentar essa montanha. Mas foi muito mais difícil do que eu pensei. A subida se revelou muitíssimo perigosa, e talvez seja a única montanha que eu me arrependa de ter insistido até o cume. O guia era muito ruim, e na desescalada me sentia literalmente face a face com a morte o tempo todo. Cheguei a me desencordoar do guia e desci sozinho, calculando minimamente cada detalhe dos meus passos. Foi extremamente angustiante. A partir desse dia decidi nunca mais tentar montanhas tão técnicas.
 
O Huascarán foi o coroamento de um grande sonho. Nos anos 90 tinha visitado um amigo que me falou bastante da montanha. A partir de então, com a curiosidade aguçada, passei a pesquisar e pelas fotos pude perceber que era belíssima. Em 2004, após ter feito o Huayna Potosi tentei pela primeira vez o grandiosos Huascarán, e não tive sucesso, senti fortemente o ar rarefeito, e o clima não estava lá grandes coisas. Tive a humildade de voltar. Porém não desisti. 
 
Em 2008, mais preparado fisicamente e após o arriscado Cabeça de Condor, parti para o Chopicalqui. Achei a escalada dessa montanha linda, de cuja rota é possível ver a dorsal da Cordilheira Blanca, mas sempre voltando as atenções para o Huascarán, que também escalei realizando meu sonho, ao atingir o seu cume em 30 de julho de 2008. Dos sete integrantes da equipe só eu e mais um chegamos ao cume. A escalada não foi propriamente técnica, mas havia grande quantidade de gretas (dessa vez dei sorte com um ótimo guia). Realizei meu grande sonho com essa Montanha Única.
 
Por fim, o Illimani, foi para “coroar o bolo com a cereja”, e, após a ascensão do Huascarán, foi bem tranquilo. Achei o campo de altitude lá em cima lindíssimo, e um dia me programarei para fazer a “travessia dos cinco picos do Illimani”.
 
P: Tendo ascendido já diversos 6000 dos Andes, qual deles te deu maior satisfação de escalar? Por quê?
 
R: Escalar montanhas para mim é algo imensamente contemplativo. É uma imersão total, um recolhimento, uma profunda reflexão. Não considero esporte radical (não concordo com essa palavra). É uma liturgia, aproveito cada segundo ao máximo. Tenho uma ligação e um respeito profundo com as montanhas andinas. Fica difícil dizer a mais espetacular, mas o Huascarán para mim foi realmente algo de excepcional. Gosto de mencionar também o Chachacomani, uma maravilhosa montanha remota no coração da Cordilheira Real, Bolívia, em que tenho a impressão de ter sido o primeiro brasileiro a chegar ao seu cume em 2010 [nota: antes de Bruno, Waldemar Niclevicz fez a primeira ascensão do Chachacomani, em 2004].
 
P: Em 2011, chegastes a ir para a Ásia tentar o Cho Oyu pela empresa Summitclimb. Mas, prematuramente, foi anunciado que estavas abandonando a expedição. O que ocorreu naquela ocasião?
 
R: Essa foi uma viagem em que deu tudo errado! Fiquei retido na Índia e minha bagagem se extraviou, assim foram cinco dias apenas com a roupa do corpo. Sofri uma tentativa de assalto, dentre outros perrengues. Apesar disso tudo, prossegui com a equipe até o Tibete. De lá tive a infeliz notícia de um grave problema familiar que me fez ter que retornar para casa com urgência. Ainda, contraí disenteria. A “maré estava negra”. Retornei para casa sem ao menos ter avistado a montanha.
 
P: Apesar do pouco contato com o Cho Oyu, que impressões tu tivestes da montanha? Pretendes voltar?
 
R: Não cheguei a avistar o Cho Oyu. Pretendo retornar em 2016, quando completarei 40 anos de idade (quem sabe no cume, rsrsr).
 
P: Nos últimos anos tens focado as montanhas da ex-União Soviética que fazem parte do Programa Leopardo das Neves. Ano passado, veio o cume do Pik Lenin. Como foi essa escalada?
 
R: Foi o oposto do Cho Oyu, ou seja, deu tudo certo do início ao fim. Acho que foi a experiência mais maravilhosa que já tive. Pude contemplar a dimensão das montanhas da Ásia quando cheguei ao acampamento 4. Fiquei extasiado, parado, catatônico por uns trinta minutos. Não sabia que havia algo tão belo na Terra. A dimensão das montanhas da Ásia é transhumana. O cume foi só o coroamento de uma expedição altamente exitosa.
 
P: Considerando teus planos para 2014 – escalada do Pik Communism -, como surgiu esse teu interesse por essas remotas montanhas do Pamir? Pretendes concluir o circuito do Snow Leopard?
 
R: A relação custo benefício das montanhas de 7 mil da Ásia Central é muito boa (os 8 mil são excessivamente caros). Além do mais, tive uma impressão muito boa do Pamir e do Kirguistão. Não sei se vou completar o circuito do Snow Leopard, mas é uma possibilidade.
 
P: Aproveitando a oportunidade, fale um pouco sobre tuas expectativas e a estrutura dessa expedição ao Pik Communism, que está prestes a começar.
 
R: Bem, a companhia contratada parece séria, o país deve ser algo semelhante ao Kirguistão, assim as expectativas são positivas. Estou treinando forte, nadando quatro mil metros por dia e correndo cerca de 20 km (exercício aeróbio é ESSENCIAL). Diria que a natação, por conta da respiração forçada em hipóxia, foi fundamental para eu chegar a todos os cumes acima de 6000 metros. Com esse treinamento duro, acho que a única possibilidade de não obter êxito é caso o tempo não esteja bom (lembrando que não forço a barra e já retornei de várias montanhas sem fazer cume).  
 
P: E para os próximos anos, quais aventuras estão nos teus planos?
 
R: Ano passado, conversei com uma alpinista canadense que subiu o Everest, e ela falou que estão pensando em abrir uma nova via menos arriscada pelo lado chinês do K2. Esse seria meu último sonho, depois do Cho Oyu. Caso esse boato não seja verdade, devo tentar por último o Kangchenjunga (o Everest não está nos meus planos).
 
P: Algum alpinista, nacional ou estrangeiro, é teu ídolo, tua inspiração?
 
R: Aleister Crowley, pouco conhecido no meio montanhista. Foi um ocultista e poeta que tentou escalar o K2 em 1902, tendo chegado perto dos 7 mil metros [nota: além dessa expedição, Crowley também tentou o Kangchenjunga, em 1905, atingindo 6600 metros].
 
P: Bruno, muito obrigado pela paciência e pela entrevista tão rica em detalhes.
 
Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 13-05-2014
 
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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