A APA Várzea do Rio Tietê

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O Rio Tietê nasce em Salesópolis, atravessa o Estado de São Paulo e deságua 1100km depois, no Rio Paraná. Nesse meio termo estão as várzeas, extensas áreas planas e terrenos sujeitos a inundações anuais no verão. Pra preservar este trecho da constante urbanização foi criado a APA Várzea do Rio Tietê que, em tese, garante sua conservação mesmo tendo uma abrangência que engloba 12 municípios ao largo deste rio que é inteiramente paulista. Aproveitei então um dia pra andarilhar o trecho desta APA situado no sopé sudoeste da Serra do Itapety (Mogi), numa travessia urbanóide de cerca de 18kms que partiu de Braz Cubas e findou em Jundiapeba. No caminho, o Parque Leon Feffer, o Vale das Pedras e a simpática trilha que leva á foz do Rio Jundiai, tributário do famigerado Tietê.

Domingão amanheceu pouco convidativo pra qualquer atividade outdoor, seja ela qual fosse. Previsão ruim aliada á frio, nebulosidade e até forte possibilidade de chuvas que deve ter desestimulado grande parte dos passeios. Mas com todo esse panorama pouco estimulante é possível tirar proveito sim numa pernada; basta saber escolher o programa adequado a essas circunstâncias. O meu, eleito de última hora mesmo, resultou numa fuxicada pelos bairros rurais de Rio Acima, Volta Fria e parte da Vila Estação, situados a noroeste de Mogi das Cruzes. Minha idéia era conhecer Braz Cubas, Jundiapeba e dar uma olhada naquele pequeno trecho da APA Várzea do Tietê, emendando 3 atrativos do trajeto, tornando assim o rolê bastante diferenciado. Como era algo que independia de boa previsão foi isso mesmo. E simbora.
Saltei na estação Braz Cubas pouco depois das 9:30hr, com brumas esparsas cobrindo grande parte dos cumes da Serra do Itapety. O tempo nublado e relativamente frio não me desestimulou de dar uma rápida zanzada nos arredores atrás duma padaria afim dum desjejum. Distrito do município de Mogi das Cruzes, Braz Cubas foi criado recentemente embora sua colonização date de bem antes disso. Pois bem, dali me dirigi pro norte, cruzei a linha férrea e me mandei pela Av.Valentina Mello Freire Borenstein rumo o Parque Leon Feffer. Chegar lá não tem segredo pois esta tudo bem sinalizado. E sim, é aquela mesma via asfaltada utilizada pra quando se desce pro litoral de Bertioga, via Rota do Sol.
Cheguei no meu primeiro objetivo num piscar de olhos, sendo recebido por um portal e uma guarita sem aparentemente ninguém. Cruzei os estacionamentos, quadras, quiosques e sanitários, onde tem algumas placas indicativas, informação do parque e croqui do mesmo. O lugar foi inaugurado em 2004 e nasceu da necessidade dum polo de preservação e lazer recreativo aos mogianos. Pra isso, adquiriu parte das terras duma antiga pedreira que bordeja o Rio Tietê, plantou mudas e conservou a vasta mata ciliar que recobre boa parte do parque. Ah, o nome do parque homenageia o imigrante ucraniano que, no inicio do século passado, fundou a Suzano Papel & Celulose.
Dali me mandei numa larga vereda que nasce no final do estacionamento e se pirulita mata adentro. Trilha bacana que cruza um bosquezinho de mata bem baixa e logo desemboca no enorme e belo espelho dágua que atende pelo nome de Lago Leon Feffer. No entanto, engana-se quem acha que este lago seja natural. Sim, a tal Mineradora Caravelas explorou a areia duma cava próxima ao rio a tal ponto, que com o esgotamento do minério um lençol freático que alimenta o Tietê aflorou e formou o lago. Apesar da origem, o lugar é bastante cênico e já no vasto gramado (bem aparado) é possível ver que capivaras tb são assíduas frequentadoras do parque, uma vez que seus dejetos são tão comuns quanto os ipês, maricás, ingás, aroeiras, angicos, aracás, cambucis e palmeiras encontradas por toda extensão desta área de preservação.
A vereda prossegue e praticamente bordeja todo perímetro do lago em 3kms imperceptíveis, sempre envolta numa paisagem que alterna exuberante mata vegetativa e perspectivas diferenciadas do próprio lago e da Serra do Itapety. De um lado o lago e do outro não tardam a aparecer as sinuosas curvas dum cristalino Rio Tietê, onde algumas garças meditavam empoleiradas em galhos rente á água. Uma fina garoa começa a fustigar meu rosto mas esse é apenas mero detalhe que torna a paisagem ao meu redor um pouco mais onírica. Melhor ainda, o parque estava quase vazio por conta do tempo e era todinho meu.
Quando a vereda começa a fazer a volta de retorno, ela abandona o Tietê e passa a ladear o Córrego do Gregório, que vem dos bairros situados ao sul de Braz Cubas. Portanto, ele vem meio sujinho, infelizmente, pra desaguar no rio principal. Fora o detalhe da vegetação e do colorido florido pincelando as margens do trajeto, vale destacar também as incontáveis trilhas que se ramificam – ora discretas ora mais óbvias – a remansos tanto do lago como do próprio Tietê a todo momento. A trilha finda na “Bosque do Leão”, uma simpática pracinha com bancos de ferro estupidamente antigos e a escultura de um felino, que pela placa foi erguida pelo Lions Clube Mogi. Ah, durante todo percurso é possível avistar as baixadas de banhados próximo da vereda. No momento estavam secas, mas presumo que em dias chuvosos o parque tenha o mesmo problema do  PE Juquery, ou seja, que as águas alaguem tudo ao redor.
Me despedi do parque ao passar pelo viveiro do mesmo, igualmente fechado, de onde saem todas as mudas que arborizam as ruas de Mogi. Novamente na avenida principal e com tempo dando sinais de melhora, me pirulitei pro norte, cruzei a ponte do Rio Tietê até alcançar o trevo principal com a Perimetral. Ali tomei a precária via da esquerda, que tem o nome de Avenida Joaquim Pereira de Carvalho e ruma indefinidamente pra oeste, ladeando o sopé da Serra do Itapety. Aqui se anda coisa de sinuosos e ondulantes 4kms bem empoeirados, nessa estrada de chão tomada de muita mata, ruinas de antigas olarias e pedras pipocando na encosta, assim como uma ou outra chácara de ambos lados. Ah, tem uma deliciosa bica encravada na rocha despejando água fresca na margem direita.
Mas abandono a via numa ramificação pela direita, marcada por um aviso da proximidade da “Estação Ecológica Itapeti”, seguido doutra que, mais lacônica, advertia: “Proibida a entrada de estranhos”. Esta precária estrada sobe suavemente na direção da serra, ainda encoberta de nuvens grossas, onde se ganha altura num piscar de olhos. Ao atingir a extremidade do ombro serrano, pouco antes de entrar na estação propriamente dita, deixo a via, pulo a cerca e desemboco na ampla e descampada encosta á esquerda. Pronto. Nessa hora uma chuvinha ameaça cair mas  felizmente tudo não passa de simples pegadinha marota de São Pedro.
Pois bem, o lugar é bastante cênico e repleto de enormes blocos rochosos forrando toda extensão daquele setor da encosta. Depois tomei conhecimento de se tratar dum tal “Vale das Pedras”, remanescente duma antiga pedreira atualmente utilizada por bikers. Blocos de todas as formas e tamanhos salpicam por todas as direções, dando a impressão de se estar no sertão do Cariri. Desescalaminhando um trecho íngreme da encosta alcanço o centro mais plano do lugar, e a impressão que se tem é a de se estar num anfiteatro de rocha pura, ou até de se estar no meio duma mesa de sinuca gigante. Gaviões e carcarás empoleirados em cima dum monólito parcialmente pixado reclamam da minha intromissão, ao mesmo tempo que busco um lugar pra descansar e beliscar algo. A vista daquele mirante pedregoso não deixa por menos e prestigia todo quadrante sul da região, tendo em primeiro plano a vasta planície verdejante de várzea cortada por um sinuoso Rio Tietê, algumas lagoas e, mais ao fundo, a geometria difusa de Mogi, Jundiapeba e Braz Cubas. E fumegantes chaminés a sudoeste denunciam as fábricas de celulose a todo vapor, em Suzano. Horas? Pouco antes das 13hr.
Descansado, caminho por uma vereda que corta aquele panorama composto de saibro, terra utilizada pra argamassa e tijolo. Pra não voltar pelo mesmo caminho á estrada principal, encontro uma picada que desce até ela através da mata, me poupando um bom chão. Novamente na poeirenta estrada principal, prossigo por ela compassadamente observando os banhados a minha esquerda relativamente secos, ao passar sob as linhas de alta tensão. Urubus planando no ar a noroeste denunciam o lixão da Volta Fria, numa via que logicamente ignoro, sinal que mesmo havendo uma APA perto irregularidades ocorrem.
Mais adiante minha rota começa a desviar novamente pra sudoeste, abandonando os pés do Itapety e retornando pra via férrea. Cruzo outra vez o Rio Tietê por um estreito pontilhão e ganho um novo estradão de chão que toca pro sul quase que em linha reta. A paisagem aqui é bem rural, permeada de reflorestamentos e quase nenhuma construção. No entanto, a ser humano se faz presente da pior forma, deixando toda sorte de descarte a margem da via, tornando o lugar bastante degradante. Mas logo bordejo os paredões dum condomínio,o Real Park Tietê, pra finalmente cair ao lado da via férrea, na Rua Guilherme George. Enfim, havia chegado em Jundiapeba, mas ao invés de tocar pra estação, logo a minha frente, resolvi dar um pulo no último atrativo do dia.
Aqui me pirulito no meio das simpáticas casinhas em direção ao amplo descampado de pasto na direção norte, cruzo algumas ruinas de casas até encontrar o que já fora uma rua asfaltada, agora parcialmente tomada pelo mato. Na verdade aqui era área pra construção de um condomínio a muito tempo, mas a obra foi embargada por situa-se em área da APA. Uma vez na via supracitada foi so se manter nela até o final, sempre na direção norte. O asfalto logo dá lugar a uma bonita trilha que imediatamente penetra numa florestinha, passando por uma espécie de marco, provavelmente de gasodutos, não sei ao certo. Bem roçada e em nível, ignora uma primeira bifurcação á esquerda até cair em campo aberto novamente. Logo adiante ignoro nova ramificação a esquerda, sempre me mantendo na direção norte. Não tem segredo.
O som de água enche os ouvidos logo adiante no momento em q minha rota desvia pra direita, até que finalmente caio num amplo e belo gramado, exatamente na foz do Rio Jundiai, onde suas águas se juntam ás do Rio Tietê. A titulo de curiosidade, o Rio Jundiai e o Rio Taiaçupeba delimitam  Jundiapeba a leste e oeste, respectivamente, e a mistura de ambos nomes deu origem a denominação definitiva do distrito. Independente de nomenclatura, o remanso é bem bonito e tinha sinais de fogueira e acampamento na aprazível gramado. Havia uma corda dependurada num galho rente ao rio, mas não sei se eu teria condições de dar um tchibum ali. Isso pq o Rio Jundiai mesmo nascendo bem mais ao sul, perto de Biritiba-Mirim, cruza uma boa área urbanizada até desaguar ali.
Dali não me restou opção senão retroceder tudo pelo mesmo caminho, e quem sabe numa outra ocasião fuxicar as demais veredas que dali se espalham pela mata. Em Jundiapeba passei num mercado afim de beliscar (e bebericar) alguma coisa, pra depois voltar pra sampa, via CPTM, lá pelas 15hr. Missão cumprida prum dia preguiçoso e pouco estimulante pra qualquer atividade outdoor. Vale finalizar mencionando que a suposta APA que toda aquela região engloba visa a proteção das várzeas e planícies aluvioares do Rio Tietê, mas a realidade infelizmente é outra. A visivel ausência de fiscalização e controle ainda promove ocupações irregulares, loteamentos clandestinos e descarte de lixo. Sinal que ainda existe muito chão pela frente pra garantir que a qualidade da água e do entorno deste rio tipicamente paulista seja de fato preservado.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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