A Caça

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Tenho com alguma frequência condenado a caça praticada nos tempos atuais, nos livros e colunas que escrevo. Não apenas me parece horrível matar um ser vivo, como é pernicioso para a sobrevivência das espécies, em especial as já ameaçadas.

Mas li recentemente que Darwin considerava a caça (junto com o uso de ferramentas e o andar bípede) fundamental para a evolução humana. Eu entendia, inversamente, que a caça era resultado e não causa da evolução.

Então aprendi outros conceitos. Inicialmente, a caça é única em fornecer um pacote de nutrientes rico numa coleção completa de proteínas e gorduras, que nenhum vegetal, só ou consorciado, pode apresentar.

Os caçadores precisavam de várias habilidades para seu sucesso.

Além disto, as habilidades necessárias para a caça – como resistência, velocidade, atenção e engenho – foram importantes no desenvolvimento humano. Embora a caça tenha sempre sido uma atividade masculina, as mulheres também desenvolveram qualidades próprias na coleta de alimentos vegetais, que complementavam a dieta carnívora dos homens primitivos.

Neste aspecto, os melhores caçadores e coletadores seriam mais bem alimentados e poderiam ter uma prole maior. Ao longo do tempo, as famílias desses indivíduos mais hábeis seriam capazes de se multiplicar mais rapidamente, suplantando as dos companheiros menos eficientes.

A caça era geralmente uma atividade coletiva, especialmente no caso de grandes mamíferos, cuja capacidade superava a de um único indivíduo. Então, a ação conjunta dos caçadores desenvolveu a sua colaboração e socialização, extremamente importantes na evolução da nossa espécie.

A caça como atividade coletiva.

Na floresta tropical há poucos animais de porte: a energia solar incide em áreas pequenas, com pouco excedente além da biomassa para a criação de animais. Ao contrário, quando o homem pôde avançar pela savana, encontrou nas gramíneas renováveis o alimento que permitiu a abundância da caça.

A vida ficou mais fácil, pois a caça e a pesca suplementaram a dieta de plantas, frutas, raízes e nozes que eram mais difíceis de encontrar nos invernos rigorosos, nas grandes altitudes e nas latitudes maiores. Como diz Steven Pinker, não existem esquimós vegetarianos.

 Por outro lado, foi a caça (pelo menos fora dos climas frios) que conduziu ao uso do fogo, para o preparo e a conservação dos alimentos. E permitiu a produção de vestimentas, ferramentas e utensílios úteis à evolução humana.

Há uma outra situação interessante: à medida que os cérebros e os corpos humanos cresciam, era necessário procurar maiores áreas de caça. Adicionalmente, um carnívoro necessita maior território do que um herbívoro, pois tem menos calorias a ele disponíveis numa área igual. Foi por isto que o homem avançou da África para a Europa, seguindo os rebanhos migratórios.

Os carnívoros possuem cérebros maiores do que os herbívoros. É necessário mais habilidade para caçar do que para pastar. E os cérebros são grandes consumidores de energia. A caça e a pesca permitiram que se desenvolvessem. Por assim dizer, evolutivamente somos o que comemos. Especialmente para os humanos, que possuem os cérebros proporcionalmente maiores entre todos os mamíferos.

Trabalho comunitário entre os homens primitivos.

Um outro aspecto importante é que a carne da caça contribuiu para a solidariedade entre os humanos. Um animal grande apresenta alimento excessivo a um único indivíduo que o tenha caçado. Muito naturalmente, ele irá compartilhá-lo com seus companheiros. E candidatar-se a igual tratamento por parte deles.

Já foi dito que a caça é o único alimento que vale ser obtido e transportado. É com ela que os filhotes podem ser alimentados. Os homens podem investir a caça excedente em seus filhos, seja fornecendo-a às suas mães ou diretamente a eles. Esta dependência fortalece os laços de parentesco.

Mas todos estes benefícios associados à caça cessaram com a criação da agricultura e a domesticação dos animais. Embora os veganos não concordem, a carne poderia a partir de então ser obtida com o abate dos animais criados, ao invés dos selvagens.

Então, seja você carnívoro ou vegetariano, simplesmente não cace e não pesque. Seus antepassados já caçaram por você.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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