Esta é uma história ridícula, peço que você apenas leia e não comente, pois ainda tenho um resto de reputação a zelar.
Durante muitos anos, tive uma pousada em Monte Verde, um local turístico no sul de Minas, com a ampla parede da Mantiqueira fechando a encosta sul da vila.
Um dia resolvi fazer um álbum fotográfico, incluindo a geografia e as trilhas da região. Sempre achei que os turistas se limitavam a fazer os caminhos conhecidos, sem conhecerem outros atrativos mais distantes.
Um destes era a Cachoeirinha, uma delicada queda d´agua que descia por uma laje inclinada, até chegar a um pequeno poço. Ela ocorria num local isolado dentro de uma mata, o que contribuía para seu encanto.
Mas eram 15 km ida e volta, através de um bonito reflorestamento (que hoje quase já não mais existe). Resolvi fotografá-la para o álbum e levei comigo meu fiel cão Minúsculo, um dos melhores que já tive. Ele era uma bem-sucedida cruza de cocker com policial, porém com aspecto de labrador – um cão versátil.
Foi uma caminhada agradável até a cachoeira. Ao me debruçar sobre o poço, escorreguei e a câmera caiu na água. Mergulhei para recuperá-la e, é claro, saí encharcado, com a máquina inutilizada. Lembro-me da cara de pasmo do Minúsculo, incrédulo com minha bobagem.
Comi resignado meu lanche, verti a água de minhas botas e comecei a retornar. Como minha cueca estava desagradavelmente molhada, resolvi baixá-la e caminhar com a bunda de fora. No dia quente, logo ela estaria seca.
Estava satisfeito com meus progressos quando escuto um barulhinho e um ciclista emparelha comigo. Claro que levanto a calça e não falamos de meu exótico hábito de caminhar seminu.
Era um eletricista que subia aquele caminho para trabalhar em Monte Verde nos fins de semana. Ele logo se despediu, mas notei que escolheu um caminho à esquerda de uma porteira, que o faria dar voltas.
Caminhei rapidamente e, ao chegar na estrada de acesso, o resgate de minha esposa ainda não tinha chegado. Percorri então mais 3 km até o posto de combustível na entrada da cidade, onde ela poderia facilmente me avistar.
Mas não só ela. Eis que aparece o ciclista e estica curioso o pescoço ao me reconhecer. Claro que está pensando se minha bunda, qual um tapete mágico, me teria feito voar à sua frente. Quem sabe era por isto que caminhava com ela de fora?
Claro que lhe explico a rota mais longa que havia feito, razão do seu atraso. Eu fiquei sem minha foto, mas ele ficou com um novo caminho. Tempos depois, peço a um outro ciclista que fotografe a cachoeirinha, é a sua foto que você vê neste artigo.
Depois, mudei de vida, vendi a pousada e trouxe o Minúsculo para meu apartamento em São Paulo. De noite, ele caminhava pela viga externa do prédio e assustava os moradores. Era preto e parecia perigoso.
Com culpa e tristeza, resolvi dá-lo para um amigo que morava num sítio. Sempre que o visitava levava boas doses de ração. Mas, um dia, meu amigo disse que não seria necessário. Ao chegar, soube porque: meu cachorro tinha morrido.
Este é um problema insolúvel com os animais de estimação: ou a gente não deveria se apegar tanto ou eles deveriam viver mais que seus donos. Mas aí seriam eles a lamentar a nossa partida.