A cachu da Comporta

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Domingão borocoxô, tempo nublado claro e com promessa de chuva pela tarde. Condições ideais pra ficar em casa à toa, pelo menos pra maioria. Contudo, resoluto em pernar é nessas horas sem programação alguma que lanço mão dos “Planos C”, dicas sussurradas por alguém que por algum motivo esqueci nos cafundós do limbo virtual do pc. Decidido a fazer algo sussa pela manhã e doido por um tchibum, bastou ligar o pc que me deparei com uma cachoeira em Franco da Rocha. Sim, uma queda de altura considerável (e pouco divulgada) que não sei por que cargas d’água nunca me interessei em fuxicar antes. Resolvido, era pra lá mesmo q teria meu banho dominical, na Cachu da Comporta.

Saltei bem cedo na Estação Franco da Rocha, da linha Rubi da CPTM, em pleno dia de feira, ou seja, bastante movimentado. Aqui poderia ter tomado a condução sentido Mairiporã, mas como tava bem disposto comecei a andar dali mesmo até a picada da cascata que visava praquela manhã. Assim, pouco depois das 8hrs tomei o asfalto da “Estrada do Governo”, nome popular pela qual é conhecida a Rod. Pref. Luiz Salomão Chamma (SP-023), pernada esta já feitas inúmeras outras ocasiões. Aos poucos a sinuosa via vai deixando a urbe de Fco da Rocha pra ladear os bairros a margem dela, como a Vila Amália e o Pq Vitória, de onde já se avistam as colinas abauladas erguendo-se do Pque Juquery.
Na Vila Ramos tomo um atalho que se pirulita bairro adentro, passa pela simpática Capelinha Nssa Sra de Fátima e me devolve novamente á via principal, quase na frente da portaria 2 da supracitada unidade de conservação. Praticamente ladeando o Pq Juquery e o rio que lhe empresta o nome, a paisagem agora ganha tonalidades mais verdes mesmo estando do lado esquerdo o Jd Pretória. Bikers, corredores e meia dúzia de andarilhos são as únicas cias que eventualmente cruzam comigo, embora haja que prestar bem atenção aos veículos da via, raramente em alta velocidade.
Após andar quase 4kms sussas, me deparo com uma rotatória que precede uma gde unidade do Corpo de Bombeiros, na verdade a maior escola da America Latina que especializa esses bravos profissionais. Abandono o asfalto e tomo a estrada de chão que se bifurca, onde sigo equivocadamente a esquerda q num piscar de olhos me deixa na porta dum hospital psiquiátrico. Volto e pego a via certa, a direita, q basicamente ladeia a propriedade do Corpo de Bombeiros por trás, chamada de Estrada da Vargem Grande, q inicialmente companha a direção do asfalto pra depois desviar pro norte em suave ascensão. No caminho, ouço o marulho de água correndo nalgum lugar em meio ao mato. É o Córrego Itaim, que nasce nos serrotes a noroeste de Mairiporã pra terminar desaguando no Rio Juquery.
A caminhada pela empoeirada via não dá nem um quilometro e meio qdo avisto outra via de terra q nasce pela esquerda, adentrando no vale q se mostra visivel a minha frente. Tomando esta via num piscar de olhos trombo com a entrada duma base da Sabesp e um aviso da proibição da entrada, claro. Mas olhando bem, a esquerda da entrada da mesma, percebo o rabicho duma trilha que se esgueira capim adentro, indo de encontro no fundo do pequeno vale. Pronto, não tem erro. Descendo suavemente pela mesma em meio a mata logo nossos ouvidos captam o susurro de muita água correndo logo adiante. Som este que aumenta conforme se avança.
Num piscar de olhos a vereda descemboca na frente das ruinas do que parece ser uma antiga casa da Sabesp, do lado duma biquinha encravada a direita da via. Na frente da casa a picada se bifurca mas me mantenho na vereda que ladeia as ruinas pela direita e desemboca na base duma linda cachoeira. O lugar é bem bonito não fosse os inúmeros “despachos” aqui e ali. Mas ignorando esse detalhe me limito a apreciar o belo paredão de rocha de onde despenca água do Córrego Itaim  da altura de menos de 10m de altura, pra depois seguir seu curso sinuoso rumo o Juquery. Do lado percebo dutos enferrujados bem desgastados, o que sugere ali ter sido captação do rio. Nas laterais do vale fechado há outras cascatinhas menores, despencando verticalmente em meio a mata, dando a entender que la em cima há uma espécie de represamento do córrego em questão, aproveitado pela Sabesp. Em tempo, pra andar aqui é preciso cautela por conta das pedras lisas feito sabão devido a umidade lançada pela queda. Pausa rápida pra fotos, claro. Rápida pq os sanguessugas alados estavam impossíveis ali.
Retorno a bifurcação em frente da casa e tomo o outro ramo, isto é, o que vai de encontro ao topo da queda. A vereda então se pirulita mato adentro e logo me deparo com o rio a minha frente. Três vigas de ferro servem de “ponte” pra cruzar ao outro lado caso não queria molhar os pés na água, embora a travessia pelo rio transcorra tranquilamente com água até o joelho. Não é meu caso. Equilibrando-me precariamente no projeto de ponte improvisada alcanço a outra margem, onde reparo numa vasta clareira de acampamento com algum resto de lixo, outra queda paralela menor e a vedete do lugar, vista de outro ângulo.
Mas meu intuito é o topo e por isso me mantenho na vereda principal que logo embica pra cima, trajeto este feito sem dificuldade, subindo degraus irregulares de terra lisa, pedras e finalmente raízes, que brotam do arvoredo espesso em volta. No caminho vejo o filete dágua q despenca lateralmente, a margem da vereda, vista esta bem bonita. Na frente a vereda desemboca num capinzal, já no alto, onde consigo avistar bem próxima o represamento do rio. Mas como meu intuito era o topo da queda outra ramificação bem curtinha me leva aos lajedos superiores da queda, um lugar muito mais aprazível que la em baixo. E o melhor, sem mosquitos. Dali se avista tanto a agua despencando da muralha da represa, escorrendo ardilosamente pelas lajes ate despencar de vez, lá embaixo. De bônus, tem-se uma vista privilegiada do vale de das colinas verdejantes q abraçam o vale do Córrego Itaim. Pausa pra relax e fotos, sem dúvida. Aqui vai o aviso de não chegar muito próximo da beirada dos paredões devido ao limo escorregadio depositado neles, sob risco de conhecer a base da queda de forma nada prazerosa.
Bem, se na base da queda não havia possibilidade de tchibum  por conta das pedras lisas e ausência de poço (vai, na verdade rola molhar a cabeça numa forte “chuveirada”), o mesmo já não se pode dizer da parte superior da queda. Ali, no belo lago da represa havia atem umas boas pedras pra jogar as coisas e uma corda disposta numa árvore justamente pra cair na água. E foi ali mesmo que, tateando bem o chão, mergulhei de vez naquele belo represamento do rio q dá origem aquela queda da qual sequer sabia o nome. Tchibum, claro, naquele final de manha quente que insinuava até frestas de céu azul e até relances do Astro-Rei.
Mas não deu coisa de 10min de curtição q apareceu um moleque de mochila também. Vendo q era da região e tb ia curtir a represa aproveitei pra cobri-lo de perguntas, incluindo o nome da queda. “O pessoal daqui a chama de ´Cachoeira da Comporta´, mas eu só to aqui esperando uns amigos pra depois colar na ´Prainha´”, disse ele, referindo-se ao balneário lacustre local, situado mais ao norte e por onde se chega por uma trilha q nasce dali, passando pelas enferrujadas manivelas do topo da queda. Pra mim ali já tava bom demais, motivo q não fiz questão de conhecer a tal “Prainha”, decerto um local bem mais movimentado que ali onde agora me encontrava. “O pessoal toma banho sempre perto da margem, porque no meio do lago tem uma jibóia enorme no fundo que puxa as pessoas!”, me alertou. “Uma vez um mergulhador sumiu e voltou todo roxo..”, completou. Então tá, tomarei cuidado.
Por volta do meio-dia dei inicio ao retorno, sempre pelo mesmo caminho. Durante o trajeto reparei que o movimento da cachu e do balneário começa em horário de almoço, pois cruzei com mais moleques de bermuda (provavelmente os amigos daquele q conversara) e um sexteto vestido de branco levando malditos despachos capazes de lotar uma quitanda do Ceagesp!!?? E voltando pela Estrada da Vargem Grande tive uma vista diferenciada do Pq. Juquery que me passara despercebida na ida, de onde consigo avistar perfeitamente os inconfundíveis “Quiosque da Seriema” e a “Torre do Mirante” coroando duas colinas, além do “Ovo da Pata”, logo atrás. Quem conhece o Juquery saberá ao que me refiro.
Uma vez no asfalto da SP-023 bem poderia ter esperado a condução regular rumo Franco da Rocha, mas como estava revigorado e bem disposto pelo banho, refiz o trajeto a pé de modo a fazer uso das benditas pernocas das quais fui provido. Antes de embarcar no trem de volta a Sampa, uma rápida abastecida de latas de cerveja no Russi, supermercado situado ao lado, pra bebericar no resto da viagem. Como que se tudo tivesse sido minuciosamente planejado, cheguei em Sampa sob forte temporal, com água desabando sob fortes rajadas de vento, cunhando assim o meio período bem aproveitado.
Como consideração final fica a deixa que a Cachu da Comporta é um programa de cascata urbanóide, sussa e breve, que vale a pena se for emendado com outro rolê das proximidades, como por exemplo o próprio Pque Juquery, a Cachu da Cacéia ou o Pico Olho Dágua, estes dois últimos situados já quase na divisa com Mairiporã, bem pertinho. Outra coisa, recomenda-se chegar bem cedo na cachoeira, de modo a evitar a eventual “farofa” que deve aparecer por lá nos dias ensolarados e quentes. Pois é, atrativos naturebas de fácil acesso têm disso. Mas nada que um pouco de desprendimento, desapego e planejamento não resolva.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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