:: Leia a primeira parte do relato
Nos despedimos de nosso colega e o trio restante deu continuidade à pernada, agora rumo ao Itaguaré. Atravessamos o vasto capinzal q forra o platô, acompanhando o curso do Ribeirão Passa Quatro ate sua provável nascente, quase no inicio da primeira lombada rochosa ascendente, comumente chamada de "Morro da Baleia". Aqui, a tal "Água Amarela" encontra-se empoçada e é bem mais confiável q na área de acampamento. Por estar confinada numa greta coberta de mato, impossível ela ter sido maculada com qq espécie de dejeto mais acima. Claro q foi nossa alegria, pois bebemos à vontade e reabastecemos nossos cantis.
Subimos o tal "Morro da Baleia" onde a trilha nos levou num pequeno platô de alto capim elefante, onde chapinhamos um trecho de charco ate ganhar novamente as altas encostas da crista pedregosa sgte, rumo Marinzinho. Aqui houve uma certa confusão de rota mas assim q descobrimos as marcações -fitas azuis e tótens – não teve mais erro. Já era relativamente tarde, algo de 17:20, e as cores de fim de tarde já tingiam o céu naquele inicio de primavera. Mas nossa preocupação de encontrar um lugar decente de pernoite se diluiu ao esbarrar com uma perfeita (e improvável) pequena clareira na crista q acomodou confortavelmente nossas duas barracas, na cota dos 2343m, um pouco antes do topo do Marinzinho! Devidamente acomodados e exaustos pelo dia intenso, eu particularmente abri mão de janta e me conformei em forrar o estomago com um lanche reforçado, regado a um café-com-leite q dividi com a Lu. Já o Angelo teve paciência em cozinhar suas gororobas natureba-liofiziladas assim q o manto negro da noite abraçou aquele rincão privilegiado do alto da Mantiqueira. Apesar do céu estupidamente estrelado e do clima agradável, após uma rodada insistente de "piadas infames" mergulhamos naquele sono gostoso mais q merecido, prontos pra recarregar as baterias pro dia sgte. De noite o vento fustigou por breve momento gotículas do q ameaçou ser uma chuva, mas td não passou disso.
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Marinzinho e Itaguaré
A manhã sgte desperta envolta numa nebulosidade esparsa, bem diferente dos dias anteriores. Despertamos bem cedo, mas o friozinho gostoso nos segurou alem da conta em nossos sacos-de-dormir. Mas qdo é chegada a espiar fora das barracas, a vista não deixa a desejar de qq dia limpo e céu azul: um enorme tapete de nuvens forrando ate onde a vista alcança, deixando apenas o topo do Marins e do Itaguaré acima da camada alva, tal qual ilhas rochosas.
Arrumamos as coisas após um farto desjejum e pusemos pé-na-trilha as 8hrs, no exato momento em q um sol tímido ameaçava sair entre as nuvens. Continuamos pela crista, agora subindo ao alto dos 2432m do Marinzinho, onde nos esprememos feito calangos por entre as pedras ate dar no outro lado, de onde já podemos apreciar td trajeto pela crista q teremos ate o fim, assim como o Itaguaré e a Pedra Redonda, uma bola rochosa q parece se equilibrar a meio caminho.
A longa descida do Marinzinho começa íngreme, mas uma corda disposta estrategicamente nos ajuda a vencer um bom trecho daquela medonha parede rochosa. Na seqüência segue-se um interminável ziguezague q serpenteia capim e algum bambuzinho q desemboca num enorme selado, já quase 200m abaixo do topo do Marinzinho.
Deste selado q começa uma escalaminhada por rochas ate a crista principal, subida feita em meio a um espesso nevoeiro q nos borrifava umidade a cada centímetro, mas q logo dispersou-se. Uma vez no alto da crista, o sol resolveu se firmar tal qual os dias anteriores e ser generoso o suficiente em escancarar sem nenhuma nuvem a bela paisagem rumo ao Itaguaré, facilitando a navegação visual. Daqui tb a paisagem recorrente são os verdejantes vales transversais, cujos contrafortes se esparramam tanto pro Vale do Paraíba, totalmente tomado de nuvens, como pro sul de MG, plenamente aberto.
A caminhada pela crista é constante, mas puxada. O sobe e desce é continuo e requer bons joelhos nos trechos de declividade além de mãos com ventosas, nos aclives. Nesse ritmo forte chegamos finalmente no alto das 2330m da Pedra Redonda, as 9:30. A pedra tem aspecto redondo conforme a posição, pois ali do lado dela lembrava um retângulo, e foi na sombra dele q tivemos um breve momento de descanso e de beliscar alguma coisa. Nesse meio-termo encontramos um trio q fazia a travessia no sentido contrario e a quem passamos algumas infos do Marins e Marinzinho.
A caminhada prossegue em franco declive numa sucessão de trechos onde voçorocas e túneis de bambus q insistem em se agarrar em qq saliência da mochila,não deixando os braços livres da tarefa de desenroscar os malditos. Foi aqui q senti a diferença da ótima mochila q ganhara, mas cuja altura bem superior à minha parceira de perrengues ainda não havia me familiarizado, facilitando enganchadas aqui e ali. Haja teste de paciência! Isso sem falar nos pequenos platozinhos forrados de alto e cortante capim elefante q geraram alguma confusão de continuidade do trajeto, mas q guardam tanto confortáveis áreas de acampamento como dejetos de animais selvagens. Pra cada descida vinha logo uma subida onde mãos e pés eram colocados a prova, se firmando tanto no mato como na rocha. Dessa forma o sobe e desce pela crista mantêm-se, forte, ininterrupto e constante. O consolo q nos gratificava era estar mais próximo do Pico do Itaguaré, exibindo seus imponentes contrafortes reluzindo à luz do meio-dia.
Após uma forte descida mergulhando na mata seguida de uma escalaminhada no mesmo ritmo, as 12:15 paramos pra descansar no alto dos 2162m de um cocoruto rochoso com bela vista das ranhuras verticalizadas Itaguaré, quase ao alcance das mãos. O sol e calor eram palpáveis, mas infelizmente não havia sombra alguma pra nos refrescar, deixando o semblante deste q vos escreve pra lá de tostado. Alem de comer algo tb pude avaliar os cortes e espinhos nas mãos, pois minhas pernas já estavam totalmente anestesiadas de tão raladas por conta do mato q eventualmente cruzava a trilha, principalmente um chamado com propriedade de "unha-de-gato".
Retomamos a pernada através dos dois últimos selados q nos separavam do pico desta escarpada e acidentada crista. Passamos pelo "Castelinho", a ultima gde clareira no trajeto antes do Itaguaré, onde é possível acampar com bela vista do gigante rochoso. O trecho final contorna a crista através de lajotas inclinadas pela esquerda ate dar no ultimo selado, onde a nova escalaminhada q se segue nos leva ate enormes blocos rochosos q parecem nos emparedar. Estes túneis de rochas desmoronadas são transpostos sem as mochilas, uma vez q existem fendas onde alguém acima do peso não passa nem por ordens expressas do alto comando.
Após a ultima gde escalaminhada desembocamos finalmente quase na base do Itaguaré, as 14hrs, mais precisamente em sua encosta rochosa norte. Ali, temos um belo visual do platô base e do pico menor do Itaguaré, coisa de uns 100m abaixo de onde nos encontramos. Após breve descanso sob o forte sol da tarde, escondemos as cargueiras entre os arbustos e capim pra começar o ataque ao gigante rochoso q nos acena boas-vindas. Daqui não tem mto erro ganhar o topo, pois basta acompanhar os totens, vestígios de trilha ou apenas por onde a pedra parece mais pisoteada. Alias a ascensão ao pico agora seria feita pela face oposta àquela q observávamos desde inicio da travessia.
Dessa forma, após largos ziguezagues através de rampas, degraus e aderências rochosas sucessivas – algumas bem íngremes – terminamos dando nos 2330m do topo escarpado do Itaguaré, as 14:20. O cume se estende numa sucessão de enormes blocos ao sul. É preciso transpor um abismo na base do sangue frio – apropriadamente conhecido como "pulo do gato" – no salto ou sobre uma pedra q serve de "ponte" duvidosa. Aqui apenas eu e o Angelo prosseguimos já q a Lu declinou deste trecho adrenado onde se observa perfeitamente sob os pés um penhasco de mais de 100m vertiginosos! Indo pra "proa" do cume através de uma trilha obvia e sucessivas rampas,atingimos o extremo norte do topo, onde nos empoleiramos feito gárgulas nas varias rochas afim de apreciar o belo visual q se descortina a nossa frente.O Marins e td crista percorrida serpenteando um tapete de nuvens q forra td Vale do Paraíba é espetacular, mesmo não dando pra ver as cidades de Aparecida, Guará, Lorena e Cruzeiro. Somente o sul de MG era facilmente discernível, Passa Quatro e São Lourenço pontilhado de fazendinhas e estradinhas rurais, assim como o som do Ribeirão Brejetuba rugindo nalgum fundo vale ao pé do maciço.
Após descansar e contemplar o visu, retornamos pra buscar as mochilas e dar continuidade à pernada por volta das 15:30. Continuamos descendo ate o platô de capim q é base do pico, onde descobrimos q o riacho q antecede a área de acampamento local estava totalmente seco. Era hora de cair na real, pois meu estoque de água havia terminado faz tempo e contei com este local pra reabastecer. Danou-se, mas felizmente pude dividir pequenos goles q ainda restavam na garrafa da Lu. Bem, agora havia q agüentar na secura ate o final.
Sair daqui foi meio q problemático e tivemos uns perdidos, pois tanto minha memória qto a do Angelo não tava ajudando muito qto relembrar de onde partia a trilha de saída. Mas atentando á lógica da disposição de totens locais refrescou alguns detalhes daquela saudosa trip de 2003. Da área de acampamento partia uma picada q seguia sentido noroeste ate dar num gde cocoruto. Seguindo sucessivamente por rampas de pedra logo nos vemos perdendo suavemente altitude, agora indo pra nordeste, serpenteando rochas no caminho. Mas logo segue uma piramba íngreme e longa através de uma vala rochosa q parece mergulhar na mata, onde há uma bifurcação. Seguimos equivocadamente reto apenas pra perceber cedo q não era por ali e sim pela vertente da esquerda, sinalizada pela bendita fita azul.
Uma vez na mata não tem mais erro, pois foi só descer forte quase em linha reta rasgando uma interminável florestinha silenciosa no q não era mais trilha e sim uma vala bem erodida q demanda atenção e mto joelho, q cismava em fraquejar a qq momento! Assim sendo engatamos pto morto e não paramos! Neste trecho sacal nos distanciamos uns dos outros, cada um seguindo seu ritmo. No caminho, há algumas saídas pra esquerda q nada mais são acessos a mirantes rochosos com vistas q se debruçam pro norte, mas q dispensei, pois minha mente só objetivava uma coisa com vontade: água!
Dessa forma inabalável e compassada perdemos facilmente 700m de altitude, haja perna! A mata cresceu de tamanho, ficou mais densa e ganhou vida, mas o melhor era ouvir o som do precioso liquido correndo em abundancia bem próximo, algo q soou como música a meus ouvidos. Apressei o passo e tropecei com um riozinho q nunca foi mais q bem-vindo. Desnecessário dizer q quase bebi o riacho todo, alem de fazer mais uma boquinha enqto aguardava o resto do povo.
Assim q o Angelo e a Lu apareceram, cruzamos o riacho e prosseguimos a pernada, agora na horizontal acompanhando o mesmo ao longe. Temos um pequeno desnível na seqüência ate q cruzamos novamente o riacho e bem mais adiante caímos numa trilha maior, onde uma placa indicando bifurcação pra Cruzeiro já nos diz estar próximo do inicio da trilha. Dito e feito, damos num cruzamento de riachos q após os mesmo logo desembocamos nos 1540m do descampado gramado q oficializa o "Acampamento Base Itaguaré", as 18hrs. Uma estrada de terra ao lado tb indica estarmos nos arredores de Barreiro, erroneamente indicado na carta topográfica como Faz. Tres Barras.
Bem, com o horário avançado, a noite e a temperatura caindo rapidamente ficamos nos indagando de onde estaria nosso suposto resgate, pois o Wagner já deveria estar ali à nossa espera conforme havíamos combinado. Mas foi qdo começamos a enchê-lo de impropérios e buscávamos já bons locais pra acampar q o mesmo surge do nada, apontando os faróis do Ford Ecosport na nossa direção! Antes q suas orelhas calcinassem, nos explicou q demorara devido as péssimas condições da estrada. Desencontros a parte, embarcamos no veiculo e retornamos pra paulecéia naquele inicio de noite. Claro q uma vez na "Terra da Garoa" coroamos nossa respeitável empreitada numa pizzaria onde nos fartamos de comida de fato! E bebes tb!
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Posteriormente tivemos a confirmação do próprio Milton (do "Acampamento Base Marins") e Orlando Mohallem (da agencia local "Triboo") de q éramos os primeiros a conquistar o Mariana sem equipamento especial ou técnicas de rapel, o q decerto não deixa de ser um feito digno de nota. Bem, se éramos de fato os primeiros não importava muito. Importava mesmo era nossa enorme satisfação de ter concluído uma travessia q incluía os 5 principais picos da região, esta sim inédita com certeza! Portanto, se a tradicional "Maringuaré" é considerada como montanhismo em dose dupla, a inclusão dos Picos da Maria e Mariana é montanhismo legitimo e genuíno em dose "quíntupla", se considerarmos tb o Marinzinho! E as possibilidades não terminam por ai. As cristas q se desdobram do alto do maciço principal do Marins sugerem programas inéditos e perrengueiros ainda a estudar detalhadamente. Mas essas decerto serão novas estórias que a Mantiqueira ainda há de guardar por um tempo. Por ora.
Jorge Soto
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