A Cordilheira Atlas, África!

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Quando qualquer pessoa escuta falar em África geralmente pensa em sofrimento, pessoas negras, fome, miséria, guerras civis que viram produções hollywoodianas, ditadores, tribos indígenas, egípcios e faraós, animais selvagens, safáris e etc etc etc. Mas alpinista quando escuta falar em África pensa em Kilimanjaro, Monte Quênia e também na maravilhosa Cordilheira Atlas! Acredite, existe uma Cordilheira na África e não só vulcões isolados. A cordilheira tem diversos picos e é point de escalada principalmente para os europeus, mas pouco ou quase nada se escuta falar dela no Brasil, isto muda hoje.

O pico mais alto da cordilheira ergue-se a 4.167 metros acima do nível do mar e se chama  Monte Toubkal. A Cordilheira dos Atlas Centrais tem 6 picos com mais de 4.000 metros e  diversos picos de 3.000 metros (alguns destes acima de 3.700 metros). O território da cadeia montanhosa se extende de Agadir na costa de Marrocos, passa por todo o topo da Argélia, terminando no norte da Tunísia! São nada mais nada menos que 2.400 quilômetros do que podemos chamar de “Alpes africanos”. No entanto, os High Atlas (picos mais altos) ficam mais próximos de Marrakech.



 

A área próxima a Marrakech é a mais freqüentada por alpinistas e esquiadores por este motivo, o que significa que lá há alguma infra-estrutura mais desenvolvida para suportar viagens de montanha. No entanto, também há problemas. Grandes expedições usam mulas como suporte à turistas o que tende a bater as trilhas e causar uma erosão significativa e o indesejável despejo de lixo. Problemas comuns que enfrentamos também aqui na América do Sul, e que são superlativados no Himalaya pelas enormes expedições comerciais e a corrida do oitomilismo.

 

As estações do ano mostram as diferentes faces destas montanhas. Os verões quentes e secos vão testar sua resistência, então às vezes da mesma forma que o dia chega ao fim  seco, repentinas tempestades garantem algum refresco porém arruínam expedições. No Outono eventualmente neve e algumas vezes temperaturas muito baixas. No Inverno tem-se a vista de Alpes com neve, visão clássica, é dá um toque suave e de alta montanha modificando completamente o “look” em relação às estações anteriores. A primavera é quando o Atlas retorna à vida, com o derretimento da neve como num passe de mágica novos brotos de plantas surgem e animais selvagens pastam pelos vales coloridos.

 

Um pouco de História

 

 A primeira escalada do Monte Toubkal que se tem registro foi pelo Marquês de Segonzac, Berger Vicente e Dolbeauby Hubert em 12 de junho de 1923. No entanto, já se tem ciência de que a montanha era regularmente escalada por pastores e outros moradores vagando por lá muito antes disso. O marquês era um homem notável, um oficial do exército francês e, como muitos exploradores, tinha uma atração profunda para expedições perigosas. Talvez houvesse nesta época alguma influência da constante afirmação de nações européias com a crescente popularidade do alpinismo europeu, em sua época de ouro. Sua primeira viagem a Marrocos começou em dezembro de 1904, antes dos dias de “protetorado” dos franceses. Seu partido (argelinos e marroquinos) viajou disfarçado como um grupo de Sudão aparentemente planejando visitar os vários marcos santos da área. Finalmente capturado, ele fingiu ser um habitante ignorante de Trípoli com nenhuma idéia sobre o equipamento científico que trazia consigo. Foi preso e posteriormente admitindo algum conhecimento de assuntos médicos. Eventualmente foi “presenteado” com um paciente claramente morrendo de gangrena. Morfina parecia ser a cura milagrosa que lhe rendeu respeito incrível.

 

Após a ocupação de Marrocos, ele passou muito tempo vagando pelas montanhas do Atlas mapeando a riqueza mineral local. Paralelamente a isto se entregava à sua paixão pela escalada de montanha, culminando com a subida do Toubkal em 1923, sendo a ascensão que ficou conhecida como pioneira na montanha.

 

Juntamente com o marquês estava um pequeno grupo de montanhistas que se demonstrou bastante receptivo ao domínio dos escaladores europeus. Louis Léon Charles Neltner, um geólogo que gastou mais de 20 anos explorando a área dos Altos Atlas, era um companeiro. Ele é mais conhecido por ser o geólogo da primeira expedição francesa ao Karakoram com a intenção de escalar o Hidden Peak (8.068m) em 1936. Jacques de Lépiney foi o indivíduo mais adequado ao Atlas. Um pouco mais “especialista” que Neltner, que por sua vez  teve a honra de ter o primeiro abrigo de montanha nomeados em sua homenagem. O abrigo Neltner foi construído em 1938.


 

Após a primeira onda de desenvolvimento proporcionada por esses homens notáveis, tornou-se mais difícil de rastrear qualquer evolução significativa do montanhismo no local até o lançamento do livro “Grand Michel Peyron Traverse Marocaine du Atlas”. O livro veio com um prefácio em Inglês, mas as descrições da travessia em francês. Este guia foi produzido depois de anos de exploração pelo autor, que ainda hoje ministra aulas na França e em Marrocos, sendo possuidor de uma profunda compreensão da cultura marroquina, sua especialidade é a Amazighia (língua local Berbere).

 

Com a abertura de operadores turísticos, as montanhas do Atlas tornaram-se cada vez mais populares. As caravanas de mulas transportando cargas enormes de turistas e alpinistas, regularmente, moldam as trilhas principais na área. Entretanto, assim como acontece em todas as grandes cadeias montanhosas, o Atlas perdeu algum de seu encanto inicial, o ar  místico incipiente dos anos de 1920 e 1930 se foi. Marrocos está se esforçando para lidar com a realidade atual de pastagem, população e desmatamento. Além de tudo isso os grandes operadores de turismo são irresponsáveis em relação a gestão de resíduos. Como resultado disto, algumas áreas infelizmente tornaram-se verdadeiras latrinas a céu aberto, sem qualquer tipo de tratamento.

 

Algumas montanhas do Atlas

 

Jbel Toubkal – 4.167 metros


Jbel Toubkal é a mais alta montanha do Atlas e também acumula o título de montanha mais alta do norte da África, com altitude determinada em 1924 e medições posteriores fazendo as devidas correções no decorrer dos anos. Atualmente ele é escalado por cerca de 500 pessoas a cada ano.  Em seu cume há uma estrutura metálica em formato piramidal de cerca e 4 metros de altura.
Para chegar a montanha, deve-se ir de carro de Marrakech (outras opções são táxi ou ônibus) para Asni (47 kms de viagem) na rodovia S501. De Asni há caminhões que podem levá-lo para Imlil (mais 17 Kms). De lá trilha batida bem visível até o refúgio no primeiro dia. Na Primavera mulas carregam equipamentos até o nível dos campos de neve, carregadores podem ser contratados também. A trilha é normalmente bem visível e óbvia.

 

Refúgio Neltner (3.207 m): Telefone: 21 22270090. Situado no alto do Vale do Mizane, mais freqüentado do que todos os refúgios de montanha juntos, pois fica na base do Toubkal. Uma construção sólida, para 29 lugares em dois dormitórios com colchões de espuma, sem cobertores. Sala e cozinha, fogão a gás e utensílios diversos.


 

Refúgio de Toubkal (3.200 m): Telefone: 061 246526. Construído entre o verão de 1999 e o verão de 2000, esse novo refúgio foi erguido perto do Refúgio Neltner. Capacidade bem mais avantajada para 86 pessoas, porém apenas colchões no chão, muito apertado e muito úmido. Há também uma cozinha e algumas áreas de jantar. Banheiros embaixo, no entanto, antes de março, o reservatório de água fica congelado na maior parte do dia, então o único jeito para obter água é com fogareiro mesmo.

 

Ouanoukrim – 4.089 metros

 

Esta montanha possui dois cumes, Timesguida Sul (4.089 m) e norte n´Ouanoukrim Ras (4.083 m), separados por um colo (3,968 m). Timesguida é a segunda montanha mais alta dos Altas e Ras terceira mais alta. Pode ser visto a partir Refúgio Neltner ou do fundo do Vale do Mizane. Excelentes vistas da cadeia Toubkal e ao sul vista para os pré-Atlas (Serra com montanhas mais baixas de mil e dois mil metros) e do Saara (normalmente nevoeiros impedem esta visão). Ambos os picos são muito visitados não com intenções de montanhismo, mas sim para ski. Para chegar a estes cumes o início da ascensão também é pelos refúgios Neltner e Toubkal.

 

Akioud – 4.030 metros

 

Akioud é também uma das montanhas mais altas no Atlas. Fica no maciço do Toubkal. Desde o início, você tem uma bela vista para outras montanhas no extremo sul e também no vale de Agoundis. Na direção oeste, você pode ver no topo da Tazaghart, um platô muito bonito.
No inverno são poucas as pessoas que tentam escalá-lo. A rota normal é um pouco mais complicada do que as outras montanhas e envolve escalada em rocha de até 5Sup.


Para o ataque também é aconselhado o Refúgio Neltner. Siga a trilha indicada, quando você chegar à primeira plataforma horizontal (cerca de 30 minutos após o refúgio), tomar à direita do canyon cheio de pequenos campos de neve. Saindo dele, você vê à sua frente a  Amrharas-n igliouia (pista de ski).
Siga o caminho nevado ao centro, até o pé da face norte do Akioud. De lá, subir até o topo que é muito próximo. Desde o refúgio até o cume, cerca de 3 a 5 horas. Em algum momento pode ser preciso usar corda e alguma proteção móvel. Capacete é muito importante pois ocorre desprendimento de rochas neste local.
Para esta montanha também pode-se dormir no Refúgio Toubkal.


Tazaghart – 3.980 metros

 

É uma das mais famosas montanhas depois do Toubkal, já que possui rotas bastante técnicas e pistas de ski diversas. Dentre as rotas mais técnicas existem canaletas nevadas com ascensão mista, inclinação até 55° e cerca de 600 metros de rota vertical.
Para chegar lá: a partir de Marrakech, transporte até Imlil, de lá começar a caminhada:
Primeiro dia: a partir de Imlil para a aldeia de Tizi Ouzou no passo Mzic (2.490 metros), chegando no Vale Azadene, famoso por suas florestas de zimbro.
Segundo dia: a partir de Tizi até o refúgio Tazaghart (3.000 m), através de Azib Tamsoult e a cascata Irhouliden.
Terceiro dia: escalada do corredor até o cume. Graduação: AD+.

 

Mais algumas montanhas:

 

Adrar-n-Oukaimeden 3.273 m
Angour 3.616 m
Adrar-n-Ineghmar 3.892 m
Iguenouane 3.882 m
Bou Aksoual 3.842 m
Tamadot Azrou 3.664 m
Tichki 3.753 m
Afekhoui 3.755 m
Amrourough 3.280 m
Afella-n-Ouanoukrim 4.043 m
Biguinoussene 4.002 m
Tadat (Não é uma montanha, mas uma grande torre de rochas com diversas vias de escalada)
Aguelzim 3.547 m
Adrar Adj 3.129 m

 

 


É isso, venho pesquisando sobre a cordilheira faz tempo e gostaria muito de passar por lá um dia e fazer alguns cumes africanos que não os mais famosos como Kilimanjaro (Tanzania) e Quenia (no Quenia), que ficam muito mais ao sul. Vale a pena conhecer não?!

 

Bom começo de semana a todos,

 

Abraços

 

Parofes

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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