A Destruição (II)

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Esta é uma continuação da coluna anterior e de mesmo nome.

A Savana, depois o Deserto

Se a parcela fragmentada da floresta for algo como 60%, como sugerem os estudos, você sabe que ao ritmo recente estaríamos a menos de 25 anos do colapso?

Daquele momento em que a natureza fracionada pelo fogo seria enxugada num deserto – sem os ventos úmidos nem as mesmas nuvens, sem o resgate do carbono, a fotossíntese, os rios ou a vida animal, porém com muitos mosquitos, mais fumaça e fuligem, novos tufões nos ares e estranhas correntes quentes ou geladas nos mares.

É o fogo que forma a terra.

Use sua memória, esse é exatamente o período em que nossos últimos governos têm tentado se vingar dessa floresta que não entendem e de que acham que não vamos precisar. Sim, nós vamos fragmentar a Amazônia em ilhas de savanas dispersas e, depois, desertificá-la junto com todo o Nordeste.

Paquidermes Nocivos

Os bovinos são dóceis e fortes, além de fonte de carne, leite e couro. Tornaram-se a origem preferencial da alimentação proteica dos humanos.

Porém são inacreditavelmente ineficientes: para um kg de carne bovina, são necessárias sete vezes mais de ração, e mais dez mil litros de água. Metade de toda a água e de todo o grão do mundo é usada pela pecuária bovina. Sem comparação com os rendimentos do frango, do ovo ou do suíno.

O pisoteamento do pasto na criação extensiva causa a compactação do solo, comprometendo sua durabilidade e sua qualidade. Além de os dejetos animais serem tóxicos, ao  incorporarem medicamentos, pesticidas e hormônios, poluindo os solos e as águas.

Por ser ruminante, o gado expele quantidades enormes de dióxido de carbono e gás metano, algo como 40% do total de gases estufa do planeta (outros 20% são devidos ao desmatamento). Não são nem a velocidade dos veículos nem a fumaça das fábricas, e sim os gases dos pachorrentos bovinos, os maiores culpados pelo aquecimento global. Confesso que essa afirmação sempre me pareceu estranha.

Cartaz da SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira.

Devo fazer uma observação: esses dados são controvertidos. Por um lado, o gás carbônico alegadamente já existe no ambiente, não sendo por assim dizer gerado pelos bovinos. Por outro, o metano (que é terrivelmente mais nocivo) é de fato produzido, porém seu ciclo é muito curto – o efeito desaparece rapidamente, em algo como uma década.

Diz Marcelo Maturana: A produção industrial de carnes exige áreas gigantescas, utiliza enorme volume de recursos naturais e energéticos, onera sensivelmente os cofres públicos, gera bilhões de toneladas de resíduos tóxicos sólidos, líquidos e gasosos, os quais contaminam solo, água, plantas, animais e pessoas, e por tais razões deve sim ser considerada uma das atividades de maior impacto ambiental desenvolvida pelo ser humano.

Os mais de 200  milhões de bovinos do país exigem para seu pastoreio quase um terço de todo o país. A área de pastagem na Amazônia (de 750 mil km²) supera toda a área destinada à agricultura no Brasil inteiro. Observe que o custo ambiental da produção da carne não recai sobre pecuaristas e consumidores, mas sim difusa e injustamente sobre toda a população.

Ética e Estufa

Deixe-me acrescentar essa opinião de Michael Fox: Ao matar animais por causa de sua carne, tornamos sua subserviência e morte instrumental para nosso próprio desenvolvimento; nós reafirmamos nossa exigência de sermos a espécie dominante ao mesmo tempo em que satisfazemos nossa necessidade básica de comida. Pelo menos até certo ponto, também afirmamos o direito de exercer poder sobre a vida e a morte e de aniquilar o outro.

Então, veja como o desmatamento amazônico, além de devastar a biodiversidade milenar da floresta, conduz a uma produção nociva e perdulária de alimento e a uma horrível questão ética.

Os gases estufa e o aquecimento global.

Repare que o gás estufa no Brasil não se concentra, como nos países desenvolvidos, na energia, nos transportes e na indústria, e sim no desmatamento e na pecuária. Como o desmatamento é usualmente criminoso, temos enorme vantagem competitiva para diminuir as emissões – basta fazer com que a lei seja cumprida para reduzi-las quase à metade, sem realmente afetar a economia, na opinião da Fundação Boticário.

Mas talvez você possa argumentar que não é só o gado que ocupa o solo amazônico. A soja, que representa o maior comércio vegetal do mundo, tem crescido na região. E a ela não se aplica a ineficiência da produção bovina. Ao contrário, seu cultivo é altamente eficiente na produção de alimento. Mas o problema é que 80% é destinada à ração animal – portanto, um círculo vicioso que retorna aos bovinos.

Caindo de Pé

Gostaria de mencionar dois outros pontos. O primeiro é que o Brasil se tornou, junto com a Austrália, um dos maiores exportadores de gado em pé, algo como ½ milhão de cabeças embarcadas a cada ano, atravessando o Atlântico no sentido inverso ao dos antigos navios negreiros. Não importa, são sempre escravos cruzando os mares.

O segundo, é que até hoje foi possível exportar madeira bruta de espécies exóticas (como o pinus e o eucalipto), mas não de nativas. Porém, existe um movimento para permitir a exportação de madeira amazônica em pé. O jurista Sérgio Rocha diz: Se a França, a Noruega e outros países estão preocupados com a cobertura vegetal da Amazônia, vamos permitir que participem do processo de proteção, importando árvores da floresta, expandindo nossa biodiversidade pelo mundo.

Mais prático é vender o boi e a árvore em pé, junto com o minério e o próprio solo.

Ele continua: Para aqueles céticos e de escassa visão que vão argumentar com o surgimento de buracos, basta uma mera associação entre venda da árvore em pé e a exploração de nosso minério e fazemos um buraco só … Ademais, já exportamos o produto de nosso subsolo e assim, como impedir a exportação do solo.

Assim, podemos ir vendendo o país in natura: o ouro (que já fazemos há séculos), o gado (que começamos agora a fazer) e a madeira (que talvez venhamos a fazer). Mas parece mais fácil vender logo a terra toda, junta e misturada, não acha?

A Destruição Mundial

Deixe-me levantar uma outra questão – o conceito de PIB, que no primeiro momento vai lhe parecer estranha. Isto é o que os economistas chamam de Produto Interno Bruto, ou o valor de toda a produção anual interna de um país.

Na sigla, Bruto significa que nada da depreciação de todos os bens envolvidos na produção é deduzido. Bruto é o oposto de Líquido, como por exemplo no conceito de Lucro Líquido, que resulta numa empresa da dedução da receita de todas as despesas incorridas para gerá-la.

O PIB de um país é o seu tamanho econômico – no caso do Brasil, somos a 9ª economia do mundo. Estados Unidos e China são as duas primeiras, com dez e sete vezes a nossa. Cada nação exibe com orgulho este total, é uma espécie de seu valor no mundo, sua classificação no campeonato da riqueza.

Veja o que diz Lutzenberger sobre o PIB: Nele não é descontada a descapitalização da ecosfera. Ali não se debita o esgotamento da mina, o desaparecimento dos peixes no rio e nos oceanos, a perda do ar puro, os custos sociais.

Por exemplo, o preço da madeira no mercado interno e as divisas de sua exportação são adicionadas sem que haja nenhum desconto pela descapitalização da floresta. Se depois da exploração da madeira sobra um deserto, o PIB não leva em conta este fato. Ele apenas registra criação de riqueza, desconsiderando a destruição dos bens naturais.

A destruicao da ecosfera.

Quando a saúde pública chegar a decair drasticamente em consequência da contaminação ambiental e desestruturação social, o PIB crescerá na mesma proporção que os gastos com remédios, médico, psiquiatra, hospital e funerária… Longe de ser um índice de progresso real, o PNB é medida de autodestruição.

Para crescer, países como a China, os Estados Unidos e a Alemanha amputaram partes de si mesmos: rios secos, campos áridos e florestas mortas. Ninguém os penaliza por isso, ninguém confere as despesas das reparações. Assim como com a carne, o custo ambiental não é medido nem cobrado. Repare que é novamente toda a sociedade, não as mineradoras, as petrolíferas ou as siderúrgicas, que absorve esse ônus.

Desculpe ir tão longe nesse artigo, mas veja como a falsa narrativa do progresso funciona – deturpando a medida da riqueza das nações, escondendo os custos de suas agressões e cobrando de todos, e especialmente dos pobres, as feridas que outros causaram. Mais uma vez, parecemos ingratos de costas para o mundo que nos criou.

O Pai Inocente

Você quer plantar uma árvore? Se não tem prática e quiser ter sucesso, deve seguir uma receita simples. Comece por não escolher a espécie errada: araucária na Bahia ou umburana no Paraná. Cada uma no seu bioma, embora haja várias que transitem entre eles, como o ipê, a canela e o jatobá.

Você já sabe, escolha a primavera, que é quando o mundo floresce. Mas sempre vale perguntar a seu amigo índio se o dia é propício – por exemplo, você nem imagina como colher uma espécie exige conhecimento, como a estação, a lua ou o vento corretos.

Grandes cabeças procuram a solução para os desmatamentos alimentados pela natureza.

Os desmatamentos levam ao desequilíbrio ecológico, ao efeito estufa e ao aquecimento global.

É claro que você irá fazer uma cova, enchê-la com terra fértil e protegê-la do entorno. Quem sabe possa chamar um guardião, o cão ou o índio. E se puder vá lá regá-la. Mas se você quiser plantar um bosque, então melhor será preparar suas mudas num viveiro, embalá-las em sacos e depois levá-las ao local do plantio.

Eu tive um pai que era generoso e ingênuo. Ele tinha uma bonita fazenda no interior de São Paulo e em seus muitos limites havia outras propriedades ativas, com café, gado, milho, algodão. Hoje ela está toda cercada pela monocultura da cana. Mas, naquela época, ele queria protegê-la e imaginou criar um cordão de espécies nativas.

Durante anos, eu o vi plantar aquelas frágeis mudas que vinham de seu viveiro: cedro, aroeira, cumaru, peroba. Os anos passavam e eu me via acompanhando suas visitas aos bosques nascentes, que percorria em tempos espaçados. Me lembro da surpresa e maravilha quando meu pai descobria que as mudas viravam pessoas, gente alta e bonita com tronco, galho e sombra. Sim, eu tinha um pai que era inocente por acreditar na natureza.

O Filho Inocente

Mas a genética me fez ter também um filho benevolente. Agora no Nordeste onde mora, imaginou criar um viveiro de mudas nativas, que pudessem ser vendidas para reflorestar (desta vez sem o eucalipto) as extensões degradadas da Zona da Mata pernambucana.

Mas nem sempre houve a demanda esperada. E algumas mudas nos últimos dez anos acabaram virando árvores. Ele havia aproveitado no seu projeto uma área de pasto. A grama cedeu espaço ao bosque de mogno que se formou – pelo menos desta vez, a mata pôde viver em paz novamente.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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