A Estrada de São Rafael

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Situada a apenas 23km de Londrina, Rolândia é um município norte paranaense q como a maioria das cidades do Terceiro Planalto vive exclusivamente de agricultura. Logo, é natural q sua paisagem seja composta por lavouras de perder a vista, cortadas por trocentas estradas rurais. Destas vias, a mais conhecida é a bucólica Estrada São Rafael, q resolvi colocar pé no chão num belo circuitão “pé-vermeio” de 16km, seguindo os moldes “compostelianos “. No caminho, oceanos de milho e café, focos de mata nativa no Vezeroda, ferro-trekking e um cemitério onde judeus e nazistas repousam lado a lado.

Após rodar mais de 20km na direção oeste da "Pequena Londres" e passar pela minúscula Cambé, eu e a Lau saltamos na entrada de Rolândia, por volta dumas 9hrs. Ali, quase na frente dum belo portal dando as boas-vindas a cidade, q o Marcio Carvalho nos encontrou prontamente. Dali fomos pra sua casa, quase do lado do asfalto da BR-369, onde tomamos um rápido e bem-vindo desjejum enqto colocávamos a fofoca em dia.

Pois bem, depois do bucho cheio começamos efetivamente a pernada proposta naquele sábado de tempo quente e céu opaco. Mochilas nas costas, zarpamos em meio ao Jd Roland Garden ate dar na via principal, ao lado do Jd Água Verde. Antes q comecem as piadinhas infames, o nome da cidade (Rolândia) é de origem germânica, e se deve ao fato dos primeiros moradores alemães se fixaram na Gleba Roland, em homenagem a um legendário herói alemão que na Idade Média guerreava ao lado de seu tio, Carlos Magno, e seu lema era lutar pela “Liberdade e Justiça”. 

Uma breve chuva fustigou o rosto no caminho, mas cessou logo assim q chegamos na bifurcação com a famosa Estrada de São Rafael (bem sinalizada), q tocamos indefinidamente na direção norte. Calçada de paralelepípedos irregulares reluzindo na umidade daquela manha,  a via é notoriamente conhecida nessas bandas por bikers e andarilhos pelos seus atrativos pitorescos no caminho e faz parte do “Circuito Rural“ local, e serve uma gleba de moradores de origem germânica.

Já logo de cara encaramos um bucólico bosque de eucaliptos perfilados, seguido de milharais em ambos lados. O componente humano não tarda a surgir primeiro com um bailão chamado de “Varanda Country“ (onde um aviso escancara a proibição de estacionar bikes e cavalos na cerca!), assim como uma sucessão  de sítios, spas e chácaras. A cultura alemã transpira tanto na arquitetura como na nomenclatura das fazendas. Vale salientar aqui que os sitiantes tem o habito de plantar belos arranjos florais e arvores na entrada de seus lotes, valorizando a mata local. Alem de caprichar nos jardins, deixam sempre um foco de mata nativa ao lado de qq cultura plantada.

Mas logo adiante o bosque rente a estrada some e as vistas se ampliam de forma espantosa. Olhando pra ambos lados o único q se observa é um oceano de café e um mar de milho recortando o horizonte de tom verde do azul.  Uma jararaca atropelada e alguns mandacarus elevando-se rente a estrada destoam como componentes  atípicos daquela paisagem predominantemente rural. 

E assim transcorreu a caminhada, sussa e desimpedida, sob um sol baixo q ameaçava surgir em meio aquela nebulosidade clara. Flores q mais pareciam de plástico ornam as margens da estrada ao lado dum canavial sem fim. Mas qdo o sol se debruça naquele cafundó felizmente uma matinha alta se eleva no canteiro esquerda, providenciando algo de sombra fresca em nossas cacholas. Uma joaninha pousa na blusa da Lau, mas se pirulita envergonhada bem antes q possa ser clicada.

Após quase 5kms percorridos q finalmente chegamos numa bela capela de madeira, coberta com tabuinhas, evocando a arquitetura das igrejas das pequenas cidades européias. É a capela São Rafael q, construída em 58, possui uma torre revestida de pedras, tendo ao lado, como nas pequenas aldeias alemãs, um cemitério  coberto por um belo arvoredo bem cuidado, assim como muitas e muitas flores sobre os túmulos. Um quase mix de bosque e jardim.

O cemitério, de mesmo nome da capela,  merece parágrafo separado pela importância histórica q resume td região. Destaca-se que há muitas famílias de origem Hebraico-Alemãs lá sepultadas, embora a maioria sejam alemãs de origem católica e luterana. Há também outras etnias que muito contribuíram para a colonização de Rolândia, tais como suíços e eslavos. O lugar foi objeto de estudo do Dep. de Historia da UEL (Univ. Estadual de Londrina) q descobriu a cidade foi refugio de judeus escapulindo do nazismo e, depois da guerra, de alemães simpatizantes daquele regime, o q quiçá explique os constantes atritos entre essas comunidades na década de 60-70. Independente dessa questão, é inegável q ambas comunidades  tiveram significativa marca cultural e religiosa na cidade.

Depois dum descanso a sombra do belo arvoredo do cemitério, retomamos a pernada pela estrada um km adiante apenas, apenas pra alcançar um mirante onde a vista literalmente se perde no horizonte. Melão do mato e uva japonesa fazem a festa da lau, relembrando a infância na roca, enqto o Marcio explica tds os elementos q se descortinam na impressionante panorâmica ao redor.  Cambé, Jaguapiara e Arapongas surgem minúsculas no horizonte, destoando da geometria de plantios ao redor.

Voltamos um tanto pela estrada e tomamos uma bifurcação cuja entrada assinala a “Fazenda  Janeta“,  onde os paralelepípedos dao lugar a um estradãoo de terra batida. Não demora e mergulhamos no frescor da mata fechada, alias vegetação exuberante bem diferente da paisagem rural ate então avistada. Estamos nos domínios da Mata do Vezeroda, mata nativa preservada por uma tal família Koch-Weser, q por sinal os apelidos juntos de seus filhos, “Jan“ e “Eta“, batizaram o nome da fazenda.

Após cruzar um belo bosque passamos por uma casa onde parece se celebram alguns cultos religiosos, onde ciriguela e outra frutinha q faz a alegria do paladar da Lau forram o chão. Descendo a piramba em direção as nascentes do Ribeirão Barra Grande, rumo sul num vale ostenta q belo resquício de antigos casebres germânicos, um punhado de estridentes cães anunciam nossa presença.

Na frente, após emergir do vale em franca ascensão , no aberto e agora com sol estapeando nosso rosto, desembocamos as margens da ferrovia da ALL, próximo dum silo e um pé de mamão repleto do fruto. Após um trecho de vara-mato de modo a ganhar os trilhos é q de fato começaram os 3km de ferro-trekking em direção a Rolandia, tão tranquilo qto com bela vista de td Vale do Vezeroba. O momento adrenante foi ter de saltar dos trilhos ao ser surpreendidos pelo trem vindo em alta velocidade!

O trecho final da pernada foi ao abandonar os trilhos ao margear Rolandia pra depois seguir pela ciclovia local ao centro da cidade, onde pude apreciar  a estatua do tal Roland q dá nome a cidade. Esta obra foi um presente recebido em 57 da cidade de Bremen e é uma replica exata de outra existente naquela cidade germânica.

Num piscar de olhos, as 15hrs estacionamos num boteco, onde começamos a bebemoracão daquele dia atípico de mato, mas devidamente preenchido com pernada. E bem na hora, pq bastou entrar no estabelecimento q o ceu se cobriu dum negrume medonho q não tardou em mandar água com forca! Na sequência fomos na casa do Marcio, onde a Greici nos aguardava com um delicioso almoço pra fechar de vez aquele dia bastante produtivo.

Sempre fui avesso a caminhadas através de enfadonhas e poeirentas estradas de terra, por julgá-las sem atrativo algum. Contudo, não raramente mordo a língua qdo me vejo fuxicando aquelas q pelo menos tem algum significado histórico e belo visu, como a de São Rafael. E o Terceiro Planalto Paranaense está repleto deste tipo de vias orbitando pequenos vilarejos nestes cafundós. Lugares como Maravilha, Paiquere, Irere, Lerroville, Guaiaraca,  Guaravera, Selva e tantos outros oferecem circuitos rurais de perder a conta, e isso apenas perto de Londrina. Programas estes q podem ser mais otimizados devidamente montados numa magrela, claro.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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