“Deliiiciaaaaa!!!”, era o gracejo mais sutil q gritavam do carro pra Cissa qdo esta agachou pra amarrar o cadarço solto da bota, dando as costas p/ trânsito da SP-98. Juntamente com a Viviane e este q vos agora escreve, mal tínhamos pisado no asfalto e tivemos q ouvir boa parte do trajeto este adjetivo e outros tantos predicados, entre uma buzinada e outra, q resumidamente exaltavam as qualidades estéticas do trio (ou quiçá apenas as meninas) neste inicio de pernada. Por conta disso o grupo ficou conhecido (no status de piada interna, claro!) como Delicia, Doriana e Becel. Um doce pra quem adivinhar quem era eu.
A manhã radiante prometia um sábado espetacular ao dissipar as brumas do inicio do dia, qdo as 9:30hrs chegamos na entrada da Faz. Pirambeiras, após meia hora de caminhada tranqüila e exatos 3,10kms percorridos após saltar do busão. Ali, ao lado dum portão baixo de madeira as margens do km 80, uma placa escancarava “Proibido a Entrada – Agropastoril & Mineração Pirambeiras Ltda.” o inicio de nossa exploração. Cautelosamente saltamos o alambrado (arame farpado!) do lado pra então adentrar de vez naquele lugar q por tantas vezes despertara curiosidade em mim e nunca tive oportunidade de conhecer. Tb pudera, a fazenda se situava a meio caminho de vários atrativos naturebas da SP-98 como a Cachu da Pedra Furada, Represa (e cachu) da Light, a trilha do Rio Itapanhaú e, indo um pouco além, de remansos pouco visados do Rio Guacá, como o Poço das Antas e o Barraco da Santa, entre outros.
Adentramos então por uma bucólica estrada de terra, alternando cascalho e pouco brejo, porém cercada de verdejante mata o tempo todo. E la fomos nos, serpenteando esta bela via com pouco desnível sempre sentido noroeste, em meio ao frescor daquela manha fria e úmida. Varios córregos cristalinos cortam o caminho, q pela carta mostram-se como pequenos afluentes do Rio Sertãozinho. Em tempo, havia já estudado previamente o lugar através de imagens aéreas e sabia q nossa “exploração” seria breve e curta por conta da própria estrada apresentar-se não muito extensa, mas minha curiosidade teimava desesperadamente em saber o q era e havia nestes cafundós proibidos de Biritiba-Mirim.
Foi ai q comecei a ouvir vozes logo adiante e bolei mentalmente uma desculpa pra nossa presença ali, afinal estávamos perambulando em propriedade particular. “Qualquer coisa, deixem comigo q eu falo!”, avisei as meninas. Dito e feito, num piscar de olhos tropeçamos com dois senhores relativamente bem vestidos q capinavam as margens da bucólica estrada, visando mantê-la em boas condições de tráfego. Lógico q pararam o q estavam fazendo e arregalaram os olhos ao nos ver, e foi ai q me dirigi ate eles tomando a iniciativa de conversa. “Bom dia, a gente tava indo pra Cachu da Pedra Furada e queríamos saber se a entrada de acesso é por aqui…”, falei calmamente e limpando minhas mãos na camisa, besuntadas do óleo de peroba q havia acabado de esfregar na minha cara. “Não é aqui não a entrada da Furada..é mais adiante!” , respondeu o senhor mais corpulento, q emendou logo depois: “Mas aqui não pode entrar pq é propriedade particular!”. “Ahh, é?”, respondi com a cara mais ingênua do mundo e q deixaria o gatinho do Shrek corado de inveja.
Bem, até ali já havia estabelecido “contato imediato” com alguém do lugar e isso bastou pra saber q não haveria hostilidade e muito menos truculência da parte deles. Pelo contrario, foi ai q a conversa fluiu e o esclarecimento de tds minhas dúvidas se desenrolou com bastante cordialidade. Didático e bem prestativo, o senhor corpulento apresentou-se como Donizete e nos deu um panorama geral da situação da fazenda e seu contexto atual naqueles cafundós de Biritiba-Mirim. Detentora de 4 mil alqueires que incluem boa parte do Rio Sertãozinho, Represa Light e Andes, Cachu Furada e até Elefante (Itapanhaú), a Agropastoril adquiriu essas terras nos tempos da construção da SP-98, qdo a 40 anos a comprou da Light. Contudo, com a posterior criação do PE Serra do Mar a fazenda passou, em tese, a pertencer ao Estado q por sua vez paga indenização aos proprietários (uns libaneses abonados) até sair em definitivo a longa e burocrática papelada de transferência definitiva de terras. Até lá, a Agropastoril deve se comprometer a manter intocadas e preservar td aquela região.
Mas é ai q agora entra um babado forte q vai repercutir na comunidade andarilha. Comentou q sempre fizeram vista grossa aos trilheiros q eventualmente adentram na Cachu Furada, pois a queda esta inserida em propriedade da Agropastoril. Mas como há esporádicas fiscalizações florestais, q visam se certificar q a fazenda esta realmente preservando a região, ultimamente estas tem constatado o tremendo (e visível impacto) ambiental nos arredores da Cachu Furada. Isso é fato, pois o fluxo de agências ecoturistas e grupos particulares irresponsáveis (levando trocentas pessoas) q circulam hj ali aumentando consideravelmente não somente o lixo no atrativo, mas tb a descaracterização do mesmo: alargamento da picada, colocação de grampos e até escada, sem consentimento ou sequer consulta com os proprietários. Noutras, as agencias se apossaram da cachoeira como bem entendem de modo a torná-la atrativo delas. Logicamente que com recebe notificação de irregularidades é a fazenda, q não quer mais ter encheção estadual do seu lado. Por isso tramita um projeto de proibir oficialmente o acesso á Cachu Furada, pra assim a Agropastoril não ter mais problemas com o governo. Simples. Resumidamente, por causa de meia dúzia gananciosa tds terminam perdendo. Portanto, não será de se estranhar se em breve apareça uma placa “Proibido Passar- Propriedade Particular” na entrada da trilha.
Donizete encerrou a conversa dizendo q lamentavelmente dali não poderíamos passar por motivos mais q óbvios, já q a estradinha findava num casebre onde se alojava o segurança ou caseiro do momento, única estrutura remanescente da outrora opulenta Fazenda Pirambeiras naquele sertão. Ou seja, o portão levava apenas ate o atual “posto” de fiscalização privado ou florestal q tomava conta dali. E pelo jeito as rondas eram regulares pois o chão apresentava vestígios de marcas de motos bem fresquinhas. Duvidas esclarecidas, nos despedimos então do Donizete afirmando q agora sabíamos q a entrada da Cachu Furada não era ali e sim logo adiante. E assim retornamos por onde viéramos.
Dúvidas sanadas, passamos então á segunda parte do rolê e q consistia na subida da Pedra do Sapo pelo sul. Interceptamos então o Picadão do Geraldo por volta das 10:30hrs, q mostrou-se menos enlameado e repleto de banhados q o habitual. Tb pudera, o tempo tem estado tão seco q não chovia por ali faz 3 semanas. A trilha por sinal mostrou-se mais roçada q de costume, mas o q me chamou mais a atenção foi uma tocaia (ou “espera”) de caçador as margens da vereda, algo q não havia da ultima vez q por ali passei. O motivo logo surgiu sob a forma de coléricas galinhas-do-mato e enormes pegadas de anta ao largo de td trajeto. E pela profundidade das marcas a bichinha devia ser enorme e pesada. E assim prosseguimos a caminhada no mesmo compasso rumo nordeste, sendo observados o tempo td pelo majestoso maciço do Pico do Gavião, q se eleva imponentemente ao norte.
Por volta das 11:30hrs e após passar as decrépitas pinguelas sobre o Rio das Rolas e Rio das Pedras, abandonamos a picada principal e nos embrenhamos num discreta trilha q toca pro norte, adentrando nos domínios nas dobras serranas q formam o Vale da Agua Fina. Mais pegadas de anta chamam nossa atenção no caminho, mas a pernada se mantém no mesmo ritmo, agora no frescor da mata fechada e sempre em suave desnível. Contudo, td q é bom dura pouco q não tarda pra declividade aumentar mesmo e a subida se dar através duma piramba íngreme, onde não raramente nos vemos andando por suaves encostas ou cristas florestadas, com mato caindo de ambos lados. No entanto, água não é problema pois sempre cruzamos algum córrego no caminho assim como nuvens de mosquitinhos, q inviabilizam qq parada mais prolongada.
Mas por volta do meio-dia, abandonamos a trilha q percorre a encosta em nível marcado por uma enorme lapa, pra descer em meio à mata e ir de encontro ao som de água abundante, logo abaixo, som este q já enchia nossos ouvidos do som do “liquido precioso” a um tempo. Não demora e logo topamos num simpático córrego q corre serra abaixo na forma de pequenos pocinhos e cachus. Estacionamos então ao sopé da maior queda dágua próxima, a Cachu da Agua Fina, onde água fresca e cristalina despenca de uma enorme laje vertical, ao lado de uma área plana ideal pra acampamento. Pausa pra fotos e breve beliscada de lanche. “Encham tds seus cantis q adiante não tem mais água e é agora q o bicho vai pegar!”, alertei as meninas.
Assim, em menos de 10min depois retornamos à trilha , sempre subindo e subindo, porém agora suavemente. Ate q finalmente as 12:30hrs desembocamos no q parecia ser um selado florestado, onde um “aceiro” percorria td a crista da serra perpendicularmente. Aqui eu já conhecia doutras ocasiões e é chamada da “Encruzilhada do Yogurte”, por conta do lixo q consiste em embalagens do laticínio. O GPS da Cissa assinalava exatos 772m de altitude e 12kms percorridos ate então! Respiramos fundo e tocamos pra esquerda, na encruzilhada, uma vez q aquela direção nos levaria ao alto da crista dos maciços q incluem a Pedra do Sapo e da Forquilha.
E tome piramba íngreme pro alto, inicialmente por trilha aberta e sombreada pra depois se tornar bastante fechada e com sol martelando a cachola impiedosamente. E íngreme, diga-se de passagem, onde as voçorocas de bambuzinhos, capim-navalha e samambaias no caminho rasgadas no peito igualmente serviam de sustentação nos trechos onde o pé teimava em retroceder morro abaixo. Neste trecho inclinado tds nos separamos uns dos outros, cada um rasgando mato seguindo seu próprio ritmo. O consolo desta penosa ascensão era constatar q ganhávamos altitude num piscar de olhos e olhando por sobre o ombro tínhamos uma bela paisagem descortinando largos horizontes.
Ganhamos o alto dos 980m da crista serrana coisa de 15min depois, vencendo assim quase 200m de desnível com suor farto escorrendo pelo rosto. E após uma breve pausa de descanso retomamos nossa jornada pela cumeeira serrana, agora sentido oeste, de onde já avistávamos o inconfundível maciço do Sapo. Daqui em diante bastou acompanhar a discreta picada q percorre a crista, onde marcos geodésicos de concreto funcionam como totens onipresentes a serem seguidos. Uns trechos da crista apresentaram-se bem limpos, enqto noutros voçorocas de bambuzinho teimavam não somente em nos confundir a rota como tb em atrasar o avanço, nos obrigando em mais duma ocasião a engatinhar no chão pra seguir em frente.
Finalmente tropeçamos na beira dum fundo selado q nos separava da continuidade da crista, onde pudemos constatar q não faltava muito pra chegar ao Sapo. Havia apenas q descer e subir td aquele gde desnível. E la fomos nos, desescalaminhando quase q verticalmente ate o fundo do selado nos valendo de qq coisa a mão, fosse tronco, capim ou arbusto. Contudo, uma vez no selado o resto do caminho apresentou-se muito mais roçado, aberto e tranquilo. Resumidamente, faltava bem pouco pra encostar de vez o esqueleto.
Não tardou e caímos num cocoruto rochoso q serve de mirante, onde já tivemos nosso primeiro contato visual com a Pedra do Sapo e a Pedra da Forquilha, ao lado, assim como somos recompensados com largas vistas ao redor! Pausa pra fotos, claro, mas o melhor ainda esta por vir! Sem perda de tempo, continuamos pela crista e logo desembocamos na base rochosa do paredão leste da Pedra do Sapo, q bastou contornar pela esquerda em meio ao arvoredo. Na sequencia, após vigorosa escalaminhada onde raízes e tocos servem de degraus auxiliados por uma oportuna corda, já estávamos no primeiro estreito platô de capim ao sopé da pedra! Daqui subir ao alto do Sapo é bem intuitivo, e num lance de escalada quase vertical – auxiliado por cordas e ate uma mangueira de bombeiros – logo emergimos no alto dos 1007m da Pedra do Sapo, as 13:50hrs e 14kms percorridos. O q me chamou a atenção foram escadas fincadas na rocha granítica pra auxiliar o acesso ao alto da pedra, algo q inexistia a ultima vez q estive aqui. Pernoite aqui é impossível, no entanto, o visual daqui compensa qq coisa. Eu e a Viviane ainda escalamos a “cabeça do Sapo” de modo a ter um visu mais privilegiado do entorno, enqto a Cissa aninhou-se na sombra e até tirou um cochilo. Tds, sem exceção, tivemos q remover os onipresentes imigrantes ilegais q geralmente pegam carona na gente nestas bandas.. carrapatos!
Donos absolutos do cume, ficamos jogados ao ócio mais do q justificado, ora descansando, beliscando algo ou simplesmente saboreando a bela paisagem q se descortina em 360 graus: domina o quadrante a cidade de Mogi com a Serra de Itapeti, se espichando ao norte; o espelho dágua do Represa do Rio Jundiai e Suzano, a noroeste; a faixa dourada de Bertioga contrastando com o verde serrano e azul do mar, a sudeste, além do evidente risco da Rod. SP-98 no meio; a crista escarpada culminando no Pico do Itapanhaú e sua torre óbvia espetando o céu, o Garrafão, além do bico saliente do Pico do Gavião elevando-se a nordeste; e a oeste, a Pedra da Forquilha em primeiro plano e, com algum esforço, a geometria simples dos vilarejos de Taiaçupeba, Quatinga e Biritiba-Mirim, em meio a muito verde.
As 15hrs retomamos o caminho de volta, desescalaminhando td paredão inicial ate o selado q interliga o Sapo com a Forquilha. Cruzando uma estreita crista arenosa q alterna arbustos e rochas, logo emergimos no largo topo granítico da Pedra da Forquilha, de onde se tem a vista clássica da Pedra do Sapo. há uma área razoável de camping e ate bivake, mas o q chama a atenção são os grampos fixados pra pratica de rapel e a vista de td trajeto feito ate então, desde o asfalto. Mas a pausa foi breve o suficiente apenas pra retomar fôlego e voltar pelo caminho tradicional de acesso ao Sapo, ou seja, sua vereda norte.
Como era de se prever, a volta foi bem mais rápida e tranquila q o previsto. Mergulhamos no frescor da mata perdendo rapidamente altitude e, num piscar de olhos, já estávamos palmilhando a modorrenta Estrada da Adutora, acompanhando os enormes dutos provenientes de Casa Grande. Após breve parada numa horta, onde enchemos as mochilas com legumes fresquinhos, chegamos as 16:30hrs em Manoel Ferreira, onde encostamos no tradicional botequinho q serve deliciosa breja Ecobier, cujas duas unidades estupidamente geladas foram degustadas de uma vez só. Por mim, claro. E enqto contávamos os ralados pelo corpo e descansávamos a espera do buso, conversamos sobre os babados e descobertas daquele dia corrido e produtivo.
E assim foi nossa incursão sabatina q, embora tenha se esticado por um penoso trecho pouco visado de acesso á Pedra do Sapo, me deixou tremendamente encafifado pelas constatações e verdades a respeito dos verdadeiros donos do pedaço dali, a Fazenda Pirambeiras. Era pura questão de tempo q os legítimos donos de Biritiba-Mirim tomassem alguma providência em virtude do ôba-ôba q grupos particulares e agências perpetram injusta e indiscriminadamente por aquelas bandas. É verdade q estas infos ainda estão frescas e brutas o bastante pra serem tomadas como verdade absoluta. É preciso a confirmação definitiva de td q foi dito e repassado acima.
Ainda assim, pra mim faz sentido mais q suficiente pois td isso é algo mais q recorrente e visto noutros tantos lugares, infelizmente. Alguém sempre paga o pato qdo se trata de questões de impacto ambiental. Logo, essa galera irresponsável mal sabe q deu tiro no próprio pé e, em breve, as vans ecoturistas terão de procurar outro ganha-pão. E dentro desse balaio vai sobrar inclusive pra nós, trilheiros conscientes, q vamos ser proibidos de aceder a mais um pitoresco atrativo por conta da farofa e ganância alheia. Mas pensando bem quem sabe assim seja melhor, pois assim a região consegue se manter preservada e isenta da presença de quem não é merecedor dela. E pra trilheiro q se preze, sempre existirão caminhos alternativos q invariavelmente levam ao destino desejado. A distância e a dificuldade podem aumentar, claro, mas estes são apenas alguns dos ingredientes q temperam uma legitima e autêntica aventura.
Jorge Soto
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