“Tempo nublado com períodos de chuva durante o dia e noite”. Essa era a nada animadora previsão pro último domingo, dia sacro q reservo pra me dar o luxo de pernar por onde quer q seja. Como era de se prever, boa parte da galera q chamei pro bate-volta da vez amarelou de última hora seja por conta do tempo ingrato, por não ter levantado a tempo ou por outro motivo qq. “Cara, voltei da balada e arrumei uma gostosa.. agora preciso `finalizar´. Desculpa, mas não vou mais. Boa trip proceis!” , desculpava-se via torpedo um dos “confirmados” lá pelas altas da madrugada. “Boa trip pra gente e bom ´treps` procê!”, pensei comigo mesmo, já reconsiderando em chamá-lo numa eventual próxima ocasião.
É dose e ao mesmo tempo desanimador. “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, eis a questão. Noutras palavras: se chama pra pernar acaba no final falando com as paredes; se não dá o toque do rolê depois tem de ouvir desaforos do tipo “e não me chamou?”. Vai entender…Bem, o blábláblá do parágrafo acima foi apenas pra resumir q no final das contas a única boa alma q topou me acompanhar foi minha amiga e vizinha (de alguns quarteirões) Carol. Sendo assim e após sair bem cedo de Sampa, nos vimos saltando às 9:10hrs no km77 da SP-98 (Mogi-Bertioga), mais precisamente no tradicional posto q atende pelo nome de Balança, pto de partida de trocentas aventuras pela região.
O tempo, por sua vez, parecia não corresponder à medonha previsão, uma vez q estava relativamente quente e o firmamento apresentava aquela típica nebulosidade clara com eventuais frestas azuis, de onde alguns tímidos raios de sol espiavam nossa disposição naquele dia.Após rapidamente ajeitar as mochilas nos ombros, ajustar o calçados e retirar o anorake, demos inicio oficial à pernada proposta naquele domingo. Caminhada longa e interminável pelo asfalto da rodovia, serra abaixo rumo o inicio da trilha, no “Mirante”, diga-se de passagem. Poderíamos perfeitamente ter ido de van até o pto em questão, mas o escorpião no bolso aliada à vontade de já começar andando logo cedo diluiu qq possibilidade de desembolsar din-din numa lotação q abreviasse este trajeto.
Pernada esta q só não foi enfadonha devido à nossa animada conversa durante td percurso, sendo apenas interrompida pelo ensurdecedor barulho de possantes motos descendo rumo Bertioga ou pelas inconvenientes buzinadas da playboyzada “engraçadinha” de plantão. Fora isto, havia q ter um certo cuidado ao andar pelo acostamento, já q alguns veiculo passavam raspando pela gente no sentido contrario.
Pois bem, após descer a serra num ritmo ate q compassado, passar pela ponte do Rio Sertãozinho e pela do Rio Guacá, as 10:45hrs finalmente alcançamos o “Mirante”, situado aproximadamente no km 88 às margens da rodovia. O local nada mais é q um refúgio ou acostamento um pouco maior, com o diferencial q aqui há uma placa vertical enorme sinalizando estarmos nos domínios do Pque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Itutinga Pilões. Totens indígenas e algumas toras de madeira tombadas q servem de bancos disputam o espaço com meia dúzia de ambulantes – q vendem desde refrescos até óculos de sol – além dos turistas q param aqui apenas de passagem.
Pois bem, o local seria apenas mais um degradado pto de farofa – repleto de lixo e até de macumbas – totalmente descartável não fosse pela magnífica vista q se tem dos contrafortes serranos q se elevam por td extensão do Vale do Rio Itapanháu, q aqui mostra seus cumes totalmente envoltos em neblina. Mas o destaque mesmo da paisagem fica por conta de espetaculares véus d´água despencando serra abaixo, destoando claramente dos contrafortes forrados de verde: a Cachu Véu da Noiva, mais acima e próxima dos cumes enevoados; e a Cachu do Elefante, uma queda maior já quase na base da montanha. É, o “Mirante” realmente faz jus ao nome.E depois da tradicional foto com as cachus ao fundo, iniciamos a pernada (agora pelo mato) propriamente dita deixando a muvuca do “Mirante” pra trás e dando adeus aos borrachudos, q naquele horário pareciam famintos e ávidos por sangue fresco.
A trilha não é difícil de encontrar, pois bastou fuxicar a beirada do lugar q ela surge meio q discreta atrás de uns troncos q servem tanto de cerca como de banco. Em caso de dúvida basta perguntar pros ambulantes. Bem, a picada já inicia mergulhando na mata e descendo forte por meio de degraus de pedras se alternando numa vala. Mas logo ela se torna uma vereda bem larga na íngreme encosta q se segue, com um chão coberto de folhas e raízes salientes, estas q por sua vez auxiliam na descida servindo de escadas. Mas não é suficiente pois as mãos são solicitadas a td momento pra se firmar no arvoredo ao redor, fazendo deste trecho uma legitima “quase” desescalaminhada.
Por ser freqüentada esporadicamente por grupos escolares enormes, o comecinho é repleto de bifurcações q dão em lugar nenhum, resultado dos trocentos atalhos q os turistas (ou farofeiros mesmo) fazem e terminam erodindo a trilha principal. No entanto, qq desvio de rota é facilmente sanado com bom senso, onde qq quebrada em demasia pra esquerda termina dando numa piramba intransponível, mato fechado, nalgum caminho d´água ou alguma outra surpresa. Foi o nosso caso, pois tropeçamos com a improvável carcaça de um veiculo ali capotado faz séculos. Já quase completamente tomado e mimetizado pelo mato, o q já fora um carro agora agregava sua tonalidade opaca e enferrujada já repleta de esverdeado musgo á paisagem ao redor.
Após este perdidinho básico bastou apenas varar um trecho insignificante de mato pra direita q a picada ressurgiu novamente, agora bem óbvia e mais pisada. Visivelmente perambulando através de uma crista florestada, este trecho é bastante agradável pois a descida agora se dá suave e imperceptivelmente em meio a legitima Mata Atlântica, com densa vegetação e belos exemplares de arvoredo imponente á nossa volta. Enqto isso, o som ambiente q reina em td momento é o de água correndo furiosamente, aumentando na medida em q nos aproximamos cada vez mais do fundo do vale. Os obstáculos são poucos, tanto q so contabilizei duas enormes árvores tombadas no caminho, e de fácil transposição. Por sua vez, eventuais frestas na mata permitem visualizar flashes das cachus, cada vez mais ao alcance das mãos.
Um tempinho depois a descida arrefece por completo até estabilizar na horizontal de vez. Surgem uma ou duas bifurcações, mas no geral “tds os caminhos aqui levam á Roma” , no caso, ao Rio Itapanhaú. Tomamos a picada da esquerda, passamos por uma oportuna clareira de acampamento com sinais de fogueira recente, até finalmente desembocar no leito pedregoso do largo Rio Itapanhaú, as 11:50hrs. Pois bem, aqui é necessário avaliar qual o melhor lugar pra atravessar o rio, de preferência o menos fundo. Como referencia temos q atingir uma inconfundível prainha fluvial na outra margem do rio, q destoa da vegetação e acena graciosamente pra gente com sua convidativa e fofa areinha.Subimos e descemos um pouco o rio apenas pra chegar a conclusão q o melhor pto de travessia era justamente na margem em frente da tal prainha, aos ziguezagues.
E lá vamos nós, com este q vos escreve na dianteira tateando o terreno feito cobaia, pra depois dar sinal verde (ou não) pra Carolzita, logo atrás. A principio a travessia parece fácil. Embora o fundo seja perfeitamente visível, o duro é q ele é composto inteiramente por pequenas pedras roladas (escorregadias) e não de areia firme e compacta, portanto é preciso saber pisar firme antes de dar o passo sgte. Qq descuido ou deslize era tchibum na certa. Não q aquela hora um banho não fosse bem-vindo, mas com mochila, roupa seca e apetrechos eletrônicos junto não seria boa idéia.
A correnteza felizmente estava num nível tolerável, e assim vamos avançando lentamente perpendicularmente ao Itapanhau. Mas mesmo desviando dos trechos aparentemente mais fundos, é impossível não se enfiar na água até um pouco abaixo da cintura. Em tempo, com chuva esta travessia é impossível e perigosa sem equipo apropriado; alem do volume de água maior e provável barro torna impossível avistar (e avaliar) a profundidade do rio. Felizmente as condições estão favoráveis, do contrario teríamos q dar meia-volta e a nosso circuito em “U” se transformaria num simplório “J”
Ao meio-dia exato alcançamos a outra margem do rio, largamos as mochilas na prainha e nos presentearmos com um longo e demorado relax e banho refrescantes. Se durante a travessia nos melindrávamos pra não molhar acima da cintura, agora mergulhávamos de vez nos mesmos trechos fundos q havíamos evitado minutos atrás. Donos absolutos do pedaço, lagarteamos nas pedras e lajedos sob um sol difuso q ameaçava aparecer, enqto beliscávamos alguma coisa. A Carol mandou ver seus salgadinhos enqto eu comia minha marmita, uma gororoba previamente cozinhada em casa. O destaque aqui eram uns onipresentes sapinhos (ou pererecas, sei lá) minúsculos e quase imperceptíveis, q saltavam á nossa aproximação ao perambular pelas pedras.
O tempo passou mas já era hora de partir. O tempo felizmente fora generoso conosco se mantendo inalterado desde o inicio do dia, mas um negrume ameaçador avançava do litoral, cunhando de razão nossa decisão de zarpar dali. Pois bem, da prainha fluvial parte uma breve picada q num piscar de olhos cai numa principal, a óbvia e inconfundível “Trilha do Itapanhaú” (ou “Mogi-Bertioga”). Como não vamos sentido litoral e sim pro planalto novamente, tomamos à direita e tocamos piramba acima.
Mas não sem antes dar uma rápida visitada na Cachu Elefante, claro, a pedido da Carol q até então só ouvia tanto falar da mesma. Uma bifurcação á direita antes do inicio da subida derradeira nos leva a trocentas clareiras no caminho, cruza alguns riachos ate finalmente desembocar na base da majestosa Cachu do Elefante, palco de vários outras aventuras já cantadas em verso e prosa à exaustão. Como já conhecia a dita cuja fiquei num canto das pedras, protegido do borrifo constante da impressionante queda dagua, enqto a Carol dava um rolê pelos arredores da mesma, entusiasmada com a dita cuja. Claro q voltou totalmente ensopada.
Na seqüência retornamos á ultima bifurcação pra dar inicio, agora sim, à árdua e penosa subida derradeira da serra. Claro q engatamos a primeira e, sem pressa alguma, fomos subindo lentamente os intermináveis degraus de raízes num processo q mais lembrava uma pagação de promessa numa escadaria sem fim. Logicamente q o suor não tardou a escorrer em bicas pela ponta do nariz mas, como q por encanto, uma chuva despencou de forma oportuna pra nos refrescar e assim tornar mais amena nossa íngreme ascensão de serra.
Um espesso nevoeiro nos recebeu ao atingir a horizontalidade do terreno durante a travessia do Rio das Pedras, as 15hrs, onde encontramos o primeiro sinal de vida durante td trip no mato. No caso, sob a forma de uns ripongas acampados a margem do rio. E meia hora depois caímos finalmente no asfalto da SP-98, outra vez. Os 4km restantes de chão até a Balança foram feitos ate q em tempo satisfatório, apesar de abraçados por densa neblina.
As 16:20hrs já brindávamos com duas latas de Itaipava a pernada daquele dia, enqto aguardávamos o busão q nos levaria de volta á Mogi, onde por sua vez repetiríamos o brinde na pastelaria da tal “chinesa-Quick”, e forraríamos o estômago com um simplório misto quente q nunca foi tão delicioso como naquele momento. O resto da trip foi embalada no mundo dos sonhos, pra variar.
Com o verão e o calor se avizinhando rapidamente damos adeus às elevadas e frias altitudes da Mantiqueira e similares, anunciando o final antecipado de temporada de montanha deste ano. Em contrapartida, temos motivos de sobra pra sair da nossa habitual “selva de pedra” e buscar aventuras refrescantes nesta outra selva próxima á urbe: a dos vales, bosques, rios e cachus de nossa deslumbrante e acessível Serra do Mar. E a “Ferradura do Elefante” é apenas mais uma das muitas opções naturebas pra este verão. Mesmo q esta “ferradura” ou “U” tenham quase um formato mesmo de “V”.
Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
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