Por fazer um tempo considerável q não pisava naquelas bandas de Alagoa e Itamonte, houve necessidade antes de trocar algumas “figurinhas” por e-mail com o Anderson – q conhece aquela região como ninguém – pra decidir de fato o roteiro final do fds. Às pressas convocamos quem dispensasse os eventos da “Virada Cultural” em SP e lá fomos nós: eu, Mamute, Roberta, Báh (Bárbara) e Guizy, rasgando a madrugada rumo Itamonte.
Depois de 4hrs de estrada chegamos na simpática cidade mineira, onde encontramos o Robson e o Felipe, as 10hrs. Após o desjejum numa padoca local q deixou a Báh salivando por conta da variedade de doces caseiros no balcão, tomamos rumo pela estrada de Alagoa, sob um sol radiante e céu azul. Esta, por sua vez, começa bem asfaltada, mas na medida q os kms vão se sucedendo piora consideravelmente, com mtos pedregulhos arranhando o assoalho do veículo. O caminho não tem erro, basta seguir a sinalização “Pousada Campos de Altitude”, enqto uma bela paisagem dos contrafortes da Serra de Sto Agostinho descortina-se pela esquerda.
Após subir um tanto, vem uma descida onde ignoramos o acesso à tal pousada, sempre nos mantendo por péssima estrada de terra, onde as chuvas tem provocado alguns mega-deslizamentos. Já no fundo do amplo vale podemos avistar a cadeia de montanhas da qual o Garrafão faz parte elevando-se, grandiosa, e onde o sentido a tomar já não tem mais segredo. Numa bifurcação tomamos à esquerda, ignorando a continuidade da estrada, onde uma placa indica estarmos adentrando no Pq Est. Serra do Papagaio. Mas ao sopé da montanha à nossa esquerda já podemos avistar a Fazendinha do Odir, e é pra lá q vamos, saindo da estrada pela esquerda, passamos por uma porteira, um riozinho e por meia dúzia de araucárias solitárias na vasta campina e pronto, já estamos no Odir, onde deixamos os veículos.
São quase 11hrs e estamos a 1730m de altitude, pelo gps do Mamute. Seu Odir é tão prestativo qto simpático e, com seu inconfundível sotaque mineiro, está sempre disposto a passar infos da região como tentar seu paladar oferecendo as gostosuras caseiras q fábrica, como queijos e outros quitutes.
Enrola aqui e enrola ali, começamos a caminhada praticamente as 11:30, saindo dos fundos da casa do Odir pra ganhar uma estradinha de terra subindo suavemente até o sopé do morro q dá acesso ao pico. Na verdade, o rumo não tem erro, pois do Pico do Garrafão é visível (e bem óbvia) a crista a ser tomada. A estradinha termina numa simpática casinha amarela, mas antes galgamos a encosta de capim do morro q a antecede pra dali tocar direto pra cima, sem erro.
A picada é bem obvia e visível, e inicialmente ziguezagueia íngreme o tal morro ate ganhar um primeiro cocoruto de pasto, já no aberto. Dali tropeçamos numa porteirinha decrépita de madeira, atravessando um trecho de mata q sobe a crista suavemente ate dar num segundo cocoruto serrano. A Báh deslancha na frente doida pra chegar no cume, enqto os demais vão sossegados, sem pressa nenhuma, Mamute acompanha a Robertita ao mesmo tempo em q o Robson e Felipe metralham os arredores de clikes.
Ganhando altitude de forma imperceptível, bordejamos uma mata pela direita ate ziguezaguear nova encosta íngreme, passando por mega-cupinzeiros e desviando tanto de voçorocas de arbustos mais fechadas como de sujeirinhas de vacas, tal qual um “campo minado”. Após cruzar o frescor de mais um curto trecho florestado, emergimos finalmente num cocoruto descampado bem mais amplo, na cota dos 2075m, onde a paisagem de fato se abre permitindo tanto um visu de td trajeto percorrido como do grandioso paredão frontal do Garrafão, projetando-se mais além e acima de uma longa corcova.
A Báh e Guizy ficam alucinadas com as possibilidades de escaladas da parede rochosa, q cai verticalmente do alto ate se perder na mata de encosta. Uma pausa pra esperar o resto da trupe esfria rapidamente o corpo, ainda mais com o vento soprando do leste e varrendo a campina sem dó, agora salpicada de pequenas bromélias de altitude.
A caminhada prossegue em aclive através de suaves corcovas de pasto até embicar de vez num ombro serrano, subindo forte e bordejando a mata sempre pela direita.
Mergulhamos então na mata fechada, contornando a muralha da montanha sinuosamente pela esquerda ate dar no aberto, já no alto. O ultimo trecho ate o cume tanto pode ser feito através de uma escalaminhada pelo pasto como costeando a tal encosta final, e assim ganhamos os 2372m de um cocoruto logo acima do platô q constitui o topo do Garrafão, as 13:45hrs!
A vista daqui é cênica, logo acima do enorme paredão de granito q se debruçava verticalmente até lá embaixo: vislumbrávamos td o amplo vale percorrido assim como a casa de Seu Odir, pequenina, lá embaixo ao centro, cercada de cristas despencando do alto, como a da Serra dos Coelhos, pela qual retornaríamos o dia sgte, e mais alem, ao varias silhuetas serranas recortando o horizonte tais como a do Papagaio (nordeste) e dos Nogueira (leste). Donos do pedaço, nos prostamos ali à toa e descansamos gostosamente, com direito até um breve cochilo, alem de nos presentearmos com um bem-vindo lanche. Mas logo o vento frio soprando fortemente nos obrigou a trajar anorakes.
Descansados e refeitos, resolvemos dar uma circulada pelos cocorutos q se elevam suavemente naquele amplo platozão de pasto, à oeste. Largamos as cargueiras e lá fomos nos, inicialmente indo pra beirada norte, onde encontramos uma enorme clareira acima de um belo mirante, assim como um arvoredo protegendo restos de um acampamento, com direito a fogueira e algum lixinho. Já percorrendo a campina pro norte encontramos uma boa fonte de água q abasteceu os cantis, assim como lajedos q culminavam nos demais cocorutos q beiravam os limites norte e leste do Garrafão, com amplas vistas pra Itamonte e outras gdes cristas siluetadas ao fundo do quadrante sul, como a Serra Fina, Itatiaia e a “Maringuaré”. Ali atingimos a cota de 2.368m de altitude na cia de velhas conhecidas da Báh brotando do chão, as caratuvas, aquele matinho rabinho-de-gato característico da Serra do Ibitiraquire (PR), mais conhecido como “PP”.
Com o dia findando, voltamos pra pegar nossas mochilas e armar acampamento na primeira gde clareira q visitamos, ao lado do arvoredo com restos de fogueira. Protegidos do vento pela vegetação e com vista privilegiada pra seqüência de cristas e serras ao norte, realmente não podíamos reclamar do nosso pernoite! Enqto a temperatura caia conforme o Astro-Rei mergulhava no horizonte, tingindo o firmamento dos mais variados tons rubro-escarlates, nos dirigimos ao interior da clareira do arvoredo onde fizemos a rodinha habitual pro ritual da comilança!
Fachos de headlamps iluminaram fogareiros ronronando ao cozinhar nhoque e miojo , assar tomates e batatas, e esquentar um bem-vindo chá pra aquecer os ânimos. Eu e a Guizy chorávamos copiosamente por ter cometido o pecado capital de esquecer o “conhaque-nosso-de-cada-dia”, q àquela hora seria mto bem-vindo! Mas como “quem não tem cão caça com gato”, me contentei com uma latinha de breja q trazia à tiracolo, no kit de “primeiros-socorros”!
Qdo o estômago já estava satisfeito e do papo espremia-se até o bagaço, não deu outra.. nos recolhemos à nossas acolhedoras barracas. Mas eis q a Báh resolve bivacar ao relento apenas encasulada num modesto saco-de-dormir sobre um fino isolante nos lajedos do mirante??? “É que eu quero dormir apreciando as estrelas girando acima de mim!”, explica ela da forma mais natural e espontânea possível, honrando o sexo femenino mais q tds os “machos” presentes juntos, mas acredito q fosse mesmo pra pagar promessa pra adquirir o doce-de-leite q tanto cobiçava. Lógico q eu, Mamute e os demais moçoilos ficamos boquiabertos com a decisão da despirocada galega, q certamente seria um dos espécimes q Darwin riscaria do processo evolutivo sem pestanejar. “Vai fundo, fia!”, pensamos. Nessa hora me senti um “homi sem agá”, com uma leve vontade de mijar sentado.
Dito e feito, a noite fora fria conforme o previsto! O termômetro do Robson marcara 4 graus, mas a sensação térmica provocada pelo vento era menor. Friaca q senti à noite e q alem de me acordar varias vezes, me obrigou a “plastificar” os pés de modo a isolá-los termicamente da temperatura ambiente. Em tempo, estava dormindo com a mesma roupa do dia, sem nada avulso a não ser um saco-de-dormir “meia-boca” da Trilhas e Rumos, diga-se de passagem. Apesar do frio intenso, a noite fora incrivelmente estrelada com a Via-Láctea descrevendo um arco esplêndido sobre nossas cabeças, e as luzes faiscantes de Caxambu, Baependi e outros arraiais menores podiam ser avistados brilhando no chão negro e aveludado, à noroeste.
O domingo amanhece igualmente frio e de céu limpo, onde apenas algumas poucas nuvens eram represadas em fundos vales à nordeste, flutuando bem abaixo do cume. O sol nasce dourando a campina úmida e iluminando apenas a risca distante formada pela Serra da Careta, da Chapada e td crista do Papagaio! Tomamos nosso café-da-manha sem pressa e na seqüência desmontamos td pra guardar nas mochilas.
Zarpamos às 8hrs rumando à oeste pelo alto do platozão, mas logo já desviamos sentido noroeste de modo a descer prum outro platô inferior, q servia de conexão à crista inicial da Serra dos Coelhos. Através de capim ralo e lajotas consecutivas, perdemos altitude ate ganhar a vasta campina q simplesmente bastou atravessar desimpedidamente e, fazendo uma ferradura, logo nos levou ao sopé da crista q visávamos. Aqui cruzamos com um córrego cristalino q molhou nossos rostos e abasteceu os cantis menos favorecidos. Galgamos então a suave encosta da tal crista ate alcançar seu topo, onde encontramos rastros de uma picada q ia no sentido desejado. Dali em diante não tem erro e dispensou os “serviços” do nosso sempre hábil navegador Mamute.
Sempre andando por larga crista, subindo e descendo suavemente, atravessamos pequenos focos de mata mas principalmente avançamos por descampados com visual de ambos lados: à nossa esquerda (noroeste) tínhamos fundos e verdejantes vales contrastando com altos chapadões dourados de pasto, e à direita (sul) apreciávamos os vários ângulos q o Pico do Garrafão oferecia, com a umidade depositada ao longo de seu imponente paredão vertical de granito reluzindo ao sol matinal. Desviamos da crista brevemente apenas pra contornar um morrão pela esquerda, mas logo retomamos o alto da mesma pra prosseguir sempre no mesmo compasso em meio ao capinzal, sempre por trilha. Mas logo mergulhamos na mata, onde começamos a descer forte. Aqui a picada aparenta sumir, por isso o melhor era sair da mata e acompanha-la pelo lado, onde não bastou a perceber q havia uma cerca q tb descia a crista.
Ganhamos então um selado, e dali foi só prosseguir piramba acima pra dar continuidade à pernada de crista, q aqui se apresentou como uma seqüência de corcovas abauladas de pasto e capim. Após acompanhar nova cerca e bordejar outra matinha pela esquerda, acabamos dando numa crista q ficava cada vez mais estreita, apresentando vários mirantes rochosos nos quais paramos pra vários cliques. O Garrafão ia ficando bem pra trás a medida q avançávamos enqto a Serra do papagaio parecia cada vez mais próxima.
Deviam faltar algo de uns dois ou três longos cocorutos serranos ate desembocar na estrada de terra, mas antes disso resolvemos cortar caminho desviando da crista pra descer por sua íngreme encosta de pasto, pela direita. Deixamos então a trilha pra perder rapidamente altitude descendo pelo capim com cautela, mas a Báh e a Guizy abreviaram este percurso simplesmente descendo na base do “esquibunda”, deslizando morro abaixo. O terreno arrefece, desviamos de focos de mata e voçorocas de samambaias ate dar num pequeno bosque de araucárias, e finalmente cair numa pequena fazendinha, já na baixada.
Daqui bastou tocar pela campina rumo sul, atravessando um curral e contornando um morrote pela esquerda, onde desembocamos rapidamente nas pastagens já na propriedade do Seu Odir. Báh, Guizy, Felipe e Robson ainda arriscaram um tchibum refrescante (e congelado) no Córrego dos Coelhos, um pouco antes de chegar aos veículos, qdo já era pontualmente meio-dia!! A decisão do Mamute por cortar caminho no ultimo trecho de crista fora mais q acertada, do contrario ainda estaríamos caminhando por enfadonha estrada de terra sob um sol de fritar miolos!
Na seqüência enrolamos um pouco no Seu Odir, compramos seu delicioso queijo caseiro e nos despedimos do simpático senhor, prometendo nova e breve visita. O trecho sacolejante de 20km de estrada de terra seguinte nos pareceu interminável, mas uma vez vencido rumamos imediatamente pro centro de Itamonte, onde paramos no único self-service aberto, às 13:30. Claro q nos empaturramos da sempre deliciosa comida mineira. Q o diga o Mamute, cujo prato era a soma de tds os nossos pratos juntos. Brindamos tb ao sucesso da trip e à cia e animação de td galera, claro!
Por volta das 15hrs nos despedimos do Robson e Felipe pra tomar rumo Sampa, mas não sem antes a Báh passar na padoca do dia anterior pra comprar o doce-de-leite q tanto atiçava suas lombrigas e aparentava ser a razão de sua existência. Assim, pegamos o asfalto numa boa, embalados nos braços de Morpheus e com direito a algum transito na Dutra. Mas entre mortos e feridos conseguimos chegar na “Terra da Garoa” sãos e salvos, lá pelas 20hrs.
E assim transcorreu nossa primeira incursão oficial na temporada montanhista deste ano na Mantiqueira. Incursão sussa e tranqüila, claro, apenas pra “aquecer as canelas” pras próximas já programadas q virão, cada vez com nível de garbo, dificuldade e perrengue maiores. E pq não pernadas e travessias por aqui mesmo? Pois é, uma vez q a região q compreende o Pq Est Serra do Papagaio é igualmente alta e vazia, dotada de longos percursos e atravessada por grandes montanhas – como o Moquém, Pico do Segredo, o Chorão, entre mtas outras – q surgem imponentes acima de vales amplos e abertos.
Assim esta região mineira inserida nas “Terras Altas da Mantiqueira” e q agrega gdes maciços ao redor pode tb facilmente ser se incluída no circuito montanhista pelas diversas possibilidades q oferece. E q embora próxima de centros urbanos, a região de Itamonte e Alagoa sempre permanecerão com seu charme incólume e docemente perdido no passado, alienada do presente pelos maciços e serras à sua volta.
Texto e fotos: Jorge Soto
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