A Floresta Nacional de Carajás é uma experiência única: uma região gigantesca, inserida na floresta amazônica, com um relevo belamente acidentado, que abriga a maior extração de minério de ferro do planeta.
Começo a falar da exótica região de Carajás no Pará exatamente por sua geologia peculiar. Ela resultou de um rifte abortado. Um rifte é uma fratura em que as duas bordas do terreno se afastam em direções opostas, gerando uma espécie de vale profundo. Esse evento ocorreu quando o craton amazônico se abriu.
Cratons são regiões muito antigas, que permaneceram estáveis por tempos longuíssimos, algo como ½ bilhão de anos. Quando isso acontece, suas superfícies naturalmente costumam ser desgastadas pela erosão ao longo das eras. Então, seu relevo normalmente se apresenta como planaltos baixos ou mesmo depressões. Assim foi com o chamado craton amazônico, que foi invadido pelas águas marinhas.
Ao invés de ser soterrado pela abertura do rifte, o material do vale foi sendo lentamente trabalhado por precipitação química num ambiente de águas rasas e calmas, sendo depois soerguido. Devido à atividade vulcânica, nelas agiu uma grande quantidade de fumarolas ativas, que mineralizaram uma gigantesca camada de minério muito puro de ferro, bem como muitos outros. Foram eventos antiquíssimos, do Período Arqueano, há mais de 2½ bilhões de anos.
A Bacia Amazônica só se formou muito depois, a partir de 200 milhões de anos atrás. O ferro do Quadrilátero Ferrífero mineiro tem a mesma idade de Carajás e a mesma origem vulcânico-sedimentar. Mas, diferentemente, resultou de uma ação metamórfica e não química. Partindo ambos do mesmo mineral, nele foi formado o itabirito, por oposição à rica hematita de Carajás. A área da Província de Carajás supera o dobro do Quadrilátero de Minas.
Há um gigantesco projeto da Vale que se iniciou meio século atrás e cuja produção inicial ocorreu há 30 anos, para extrair e transportar o ferro de Carajás – um minério rico, de fácil extração e de baixo custo. Você conhece essas estatísticas grandiosas: a maior mina do mundo, o maior trem de carga, a segunda maior mineradora global. As primeiras ½ bilhão de toneladas foram produzidas em quinze anos; as segundas, em sete e as terceiras serão em apenas três.
Porém, com toda essa pressa, em algo como 50 ou 80 anos, todo o minério terá ido para a China, e o buraco ficará no Brasil. A Província de Carajás é também rica numa gama de minerais, forjados pela atividade vulcânica, como manganês, cobre, ouro, prata e até urânio. Portanto, prepare-se para mais buracos. É até mesmo estranho que lá exista uma FLONA, criada 20 anos atrás, mas que só começou realmente a funcionar em 2005.
Na região Norte existem muitas reservas sob ao formato de FLONA, ou seja, florestas protegidas de uso sustentável, podendo portanto abrigar atividades econômicas, normalmente agrícolas ou extrativistas. A área das FLONA brasileiras atinge inacreditáveis 210 mil km², praticamente comparável à de nossos Parques Nacionais. O Amazonas e o Pará contribuem com 2/3 do total. Apesar de imensa, com 400 mil ha, a FLONA de Carajás tem um tamanho próximo da média.
Carajás é a maior das serras da região, embora não a mais alta. Estende-se por 160 km num sinuoso percurso E-W, com largura de 60 km. É contida pelo Araguaia a leste e o Xingu a oeste e por sistemas serranos a norte e a sul. Seu relevo é bastante agitado, especialmente ao longo das porções abruptas dos vales do Itacaiunas e seu afluente Parauapebas, rios da bacia do Tocantins. Eles são separados pelo espigão N-S da Serra.
Existem platôs ondulados com encostas íngremes e áreas planas, curtas cristas com morros isolados e baixas planícies fluviais. Na sua porção central, a serra pode lhe parecer desorientadora, devido a suas muitas cristas – é nela que fica seu espigão. Os pontos culminantes estão a 800m na Serra Norte e 900m na Serra Sul.
Nas terras baixas e nas áreas escarpadas, você encontrará matas abertas e ralas com presença de cipós que dificultam o avanço – algo como um terço da área. Já nas regiões montanas e nos altos platôs predomina a floresta densa, de solos limpos devido à menor iluminação – um pouco além de metade do total. Árvores gigantescas como castanheiras, jatobás, mognos e timburanas podem ser vistas, junto com mognos, ipês e babaçus.
Mas há também clareiras naturais recobertas com a canga do ferro, onde a vegetação torna-se escassa. Aliás, foram elas que revelaram o potencial mineral da região, para o primeiro geólogo que as avistou de avião. É uma visão impressionante, pois o minério simplesmente emerge da terra. Essa região concentra uma série de lagoas de porte médio, que parecem estranhas diante da aridez da natureza.
O clima e o solo contribuem para uma das maiores biodiversidades do planeta. A fauna da floresta é a habitual da Amazônia, com presença de felinos, macacos, antas e pacas, veados, aves variadas (inclusive o gavião real), muitos morcegos e répteis. Porém os campos rupestres das cangas, devido aos relativos isolamentos e às condições difíceis, são ambientes de mais alto endemismo vegetal e animal – a exemplo do sapo cujo colorido mimetiza o da canga.
Percorri ida e volta quase 300 km dentro da FLONA, atravessando-a desde o norte até o sul. Parece uma natureza surreal, com a floresta gigantesca emergindo das encostas abruptas. No silêncio da mata, pudemos avistar uma onça preta, dois casais de mutuns, um veado mateiro, um jabuti e um par de jacus.
Mas a visão mais impressionante foi a monumental cratera de quase ½ km de profundidade da Mina Norte da Vale, onde as entranhas da terra são escavadas em patamares e transportadas em enormes caminhões para saciar a fome de progresso chinesa. E, lá no fundo da cratera, brilha um pequeno poço de água turva, que um dia talvez transforme este inferno num lago.
Próximo, porém fora da FLONA, fica uma pequena formação que se tornou famosa: a Serra Pelada, local de garimpo manual de ouro. Com a febre da lavra, sua vila chegou a 80 mil residentes em meados da década de 1980, quando o centro regional Marabá não passava de 60 mil pessoas.
Exaurido o minério, a impressionante cava de 200m escavada pelos garimpeiros encheu-se de água. Um belo lago de superfície azulada decora inocentemente a colina dos rejeitos que sobraram daqueles anos de euforia. Mais tarde, foi escavado por trás do lago um estranho túnel, atualmente desativado, de onde dizem ter saído muito ouro, extraído por uma empresa canadense, que faliu em seguida. Hoje Marabá se avizinha dos 300 mil habitantes, enquanto na vila de Serra Pelada teimosamente ainda vivem 3 mil pessoas.
A região foi habitada desde 8 mil anos atrás, sendo considerada a mais antiga ocupação da Amazônia. Os carajás e os caiapós eram os índios lá residentes quando os brancos chegaram. Os primeiros não mais estão lá, pois ocupam a Ilha do Bananal. Os caiapós têm talvez o dobro da população, vivem no PA e MT e dividem-se numa dezena de grupos, como cararaô, xicrim e gorotire. A relação com o homem branco foi e continua conflituosa, com alto índice de suicídios indígenas.
Foram criadas na região grandes UCs, das quais as maiores foram a Reserva Indígena Xicrim do Cateté e a Floresta Nacional de Carajás. Como indicado no mapa anexo, as seis reservas somam impressionantes 1.200 mil ha. Motivos para sua criação foram os riscos associados ao projeto de mineração, às migrações populacionais, à presença indígena e à atividade extrativista.
A FLONA de Carajás coincide com a Serra, nela sendo permitida a visitação, que supera 200 mil pessoas por ano. O acesso é pela cidade de Parauapebas, que resultou de uma das maiores explosões populacionais do Brasil. Existem lagos, cavernas rasas, pequenas cachoeiras e mirantes acessíveis. Mas o principal uso tem sido educacional e científico, mais do que turístico.