A Gruta de Santa Luzia

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Mesmo sendo um dos municípios com maior densidade demográfica e urbana da Região Metropolitana de São Paulo, Mauá guarda uma desconhecida e curiosa Área de Proteção Ambiental. É o “Parque Ecológico da Gruta de Santa Luzia”, que também atende pelo nome de “Parque Nascentes do Tamanduateí”. Criado em 1975 pra preservar não apenas a dita cuja como também o remanescente de Mata Atlântica, o lugar ainda tem uma pitoresca gruta envolta em lendas, uma enorme pedra repleta de misticismo e muitas trilhas interessantes pra palmilhar. Uma que inclusive alcança o ponto culminante desta bucólica área de conservação. Eis aqui minhas impressões desta grata surpresa natureba situada no miolo do Grande ABC, num rolê de meio período que foi além do mero “passeio no parque”.

Devia ser pouco depois das 10hr qdo saltei na Estação Mauá, da Linha Turquesa da CPTM. Dali bastou colar logo ao lado no Terminal Rodoviário, onde aguardei pacientemente a condução (o busão 131 – Jd Itapeva) até meu destino daquele dia. Apesar do dia quente e ensolarado convidar bem mais a uma cachu, um inconveniente resfriado realmente era quem dava as cartas naquela ocasião, pedindo algo sussa e menos molhado. Lá fora observava Mauá, de feições urbanas bastante semelhantes a Francisco Morato e Carapicuíba. O antigo aldeamento que se expandiu de fato com a chegada da ferrovia hoje era uma mistura cacofônica de sons, pelo menos ali, que ia desde o coro em uníssono de torcedores até a exaltação divina nalguma igreja evangélica próxima. Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, ficaria orgulhoso e espantado com a região que ele ajudou a desenvolver.
Mal embarquei no latão, o mesmo rasgou o agito do centro e se pirulitou pela Av. Barão de Mauá indefinidamente. Viagem rápida esta, já que cheguei no minúsculo Terminal Itapeva bem antes das 11hr. De lá bastou andar dois quarteirões pra cima até alcançar a rua de acesso a entrada do parque, ou seja, a Luzia da Silva Itabaiana. No caminho em meio aquele pacato bairro periférico do Grande ABC, já podia vislumbrar um enorme foco de mata emergindo da horizontalidade da urbe. Em tempo, é possível no terminal tomar qualquer ônibus que passe na altura do número 5600 da Av. Barão de Mauá que igualmente deixa na frente do parque. Eu só me vali do Jd Itapeva pois assim bastaria descer no ponto final, sem perguntar ou deixar de sobreaviso o cobrador ou motorista.
Num piscar de olhos um belo portal me dá as boas vindas ao parque e na sequência prossigo pelo caminho principal, ou seja, uma simpática estrada de paralelepípedos cercada de um belo bosque que remexe no compasso do vento. Pela direita há acessos tanto pras quadras como prum viveiro de mudas, de onde alias nasce boa parte das árvores que ornam as ruas de Mauá; enqto pela esquerda me deparo com o comecinho (ou finalzinho) da vereda utilizada pra caminhada e corrida, pelos visitantes.
Mas logo o caminho principal desvia pra esquerda, adentrando no que é a baixada central do vale do parque, onde voçorocas de lírios do brejo cobrem boa parte do solo sugerindo que em dias de chuva aquilo vira um banhado só. Mas num piscar de olhos a vereda desemboca no principal setor do parque, um enorme e belo descampado gramado com lagos, playground, sanitários, uma base da guarda ambiental e salpicado de matacões por todo lado. Ali perto há resquícios da antiga pedreira que existia ali, na forma dum maquinário enferrujado datado do início do século passado, no caso, uma decrépita britadeira. Aliás, a vereda principal leva o nome deste artefato. E é neste agradável setor que a maioria dos visitantes opta por permanecer, curtindo seus momentos de lazer, descansando ou fazendo piqueniques. Vale salientar que o paisagismo do lugar foi projetado por Burle Marx, inspirado em jardins europeus.
Por detrás do pórtico onde estão os banheiros (e a guarda ambiental) nasce uma larga e óbvia vereda que mergulha na mata e começa a subir suavemente o pequeno, porém verdejante, serrote que praticamente abriga todo o parque. A subida é tranquila e o chão de terra alterna-se com rampas e lajes de pedra, mas não dá nem 5min e me deparo com a primeira ramificação, que sai pela esquerda. Em questão de segundos se está na entrada da tal Gruta da Santa Luzia, que na verdade é uma cavidade, um estreito vão formado por enormes lapas desmoronadas e pedras sobrepostas naquela encosta. Algo similar á “Gruta do Disco-Voador”, em Casa Grande, ou ás “Grutas de Beltenebros”, em Biritiba-Mirim.
Pois bem, o acesso a gruta se dá através duma escada talhada na pedra onde é preciso abaixar a cabeça pois o teto da gruta é bem baixo. No interior, o jogo de luzes feito pelas poucas brechas existentes nas pedras que integram o lugar é bem bonito, mas não o suficiente pra iluminar o que realmente interessa. Mas com a precária luz da lanterna do celular pude apreciar uma das três borbulhantes nascentes do Rio Tamanduateí, cujo rumorejo era audível lá de fora. A bica divide espaço com um rústico altar dos devotos de Santa Luzia, que dizem ser a “Santa dos Olhos”. E isto não se deve apenas ao fato dos trabalhadores da antiga pedreira pedir proteção da santa pra evitar que voasse uma lasca nos olhos. Reza a lenda que a tal Luzia era uma beata que contrariou os pais e caiu no mundo afim de pregar, daí estes lhe tiraram os olhos pra que desistisse desse intento. Mas foi o fato de milagrosamente “nascerem novos olhos” nela que que deu mesmo a fama de sarar problemas de visão dos fiéis, como catarata e até cegueira.
Na gruta é possível passar pro setor da clarabóia através espremendo-se através dum quebra-corpo de relativa facilidade, de onde se tem uma vista da cavidade sob outra perspectiva. É também possível tomar uma picada que nasce do lado de fora da gruta, escalaminhar a encosta por uma vereda já não tão limpa, e emergir no alto dos rochedos que integram o conjunto da gruta. Mas claro, este é um programa alternativo pra quem for mais aventureiro. Mas cuidado, é preciso prestar bem atenção onde se pisa pois durante minha pernada no lugar me deparei com uma cobrinha, que não fiz questão de saber se era peçonhenta ou não.
Pois bem, retomando a vereda principal dou continuidade á agradável caminhada, sempre subindo suavemente em meio a muita mata em volta, boa parte Mata Atlântica em recuperação. Esta vereda praticamente dá a volta em torno do parque através das encostas do serrote que o cerca. Esta agradável vereda e a pista de cooper são as duas trilhas oficiais do parque. Mas existem muitas outras picadas que nascem desta primeira, que se pirulitam em inúmeras direções pelo pouco que estive fuçando durante minha breve visita.
Uma delas, próxima á gruta, ramifica perpendicularmente á principal e sobe forte em meio a muita mata e grandes pedras a margem da via. O corte vertical na encosta denuncia ter sido uma antiga estrada desativada, mas o que me chama a atenção são as voçorocas de carrapichos que se debruçam sobre a vereda, da qual é impossível sair incólume destes colados ao corpo. Mas a vereda termina desembocando noutra via, visivelmente delimitando o parque a leste,  onde a ascensão tem continuidade. Num piscar de olhos me deparo num descampado repleto de pasto alto e com bela vista de todo quadrante norte. As colinas verdejantes do Parque Pirápolis domina boa parte da paisagem, embora a civilidade do Jd Itapeva e Jd Adelina apareça timidamente a noroeste. Com esforço, é possível ver um rabicho do Rodoanel Mario Covas (SP-021) a nordeste. No alto não pude deixar de reparar num caminho, pouco batido, que aparentemente toca na direção da cumieira, sentido oeste. Fica aqui a dica dum próximo rolê.
Ainda percorrendo a vereda principal é possível reparar, por entre a folhagem espessa, alguns trechos com antigo calçamento, além de pequenos filetes escorrendo do alto da serra. Mas apenas relembrando, toda água do parque , inclusive a da Gruta, não é potável. Pois bem, no decorrer do percurso também me chama a atenção as várias picadas (menos evidentes) tocando na direção norte, programa pruma próxima ocasião. Quem sabe sejam acessos alternativos ao parque, sei lá. Fica a dúvida pra sanar na próxima visita.
Já nos finalmentes do caminho principal, ou seja, retornando ao setor principal do parque, é possível reparar numa variante inconfundível nascendo pela direita, que é a que leva ao anfiteatro da “Pedra do Coração”. Esta nada mais é um enorme rochedo de menos de 20m que provavelmente ao ser dinamitado (na época da pedreira, claro) rompeu-se de tal modo que, dizem, ganhou formato de coração. Não sei se estou com falta de imaginação mas juro que me empenhei em ver o tal “coração”, sem sucesso. De qualquer forma, é um rochedo alto e imponente que despertaria as lombrigas de qualquer escalador que se preze, o que não é meu caso. Diz a lenda que quem passa a mão nessa pedra encontra um grande amor ou melhora a relação atual. Não é meu caso também. Quem quiser subir a pedra de forma menos “lagartixa” pode fazê-lo por meio duma picada que sai atrás dos bancos de pedra, e se esgueira fortemente pela lateral do rochedo. De cima se tem uma vista parcial de todo parque.
Voltando na vereda principal ela logo cai na pista de cooper, onde há a opção de retornar ao lago principal ou simplesmente ir embora, que foi o que fiz de forma mais do que satisfeita. Mas não sem tomar minha sagrada breja numa padoca próximo do terminal, extremamente satisfeito pelo achado deste simpático e rústico parque urbano que guarda as mesmas feições do Parque Pedroso (de Santo André), com varias possibilidades de pernadas sussas bem do lado da urbe. Horário? Pouco depois das 14hrs..
Mas nem tudo são louros nesta ótima e bem-vinda área de lazer próxima da urbe, que infelizmente padece dos mesmos problemas de boa parte dos parques urbanos. Durante minha breve visita reparei um certo descaso com o lugar, muitas pichações, mato alto, coisas quebradas e até falta de segurança pois não vi sequer um guardinha nas trilhas mais afastadas. Existe, inclusive, uma lenda que assusta os visitantes a respeito duma “noiva” que aparece com vela na gruta; por este motivo ninguém fica ali depois das 18hrs, mesmo o horário de visitação terminar hora antes. Mas com tantos acessos alternativos ao lugar, é recomendável mesmo cautela ao perambular pelas trilhas mais distantes. É sempre preferível estar atento a riscos mais reais e palpáveis aos sobrenaturais. Mas nada que desabone esta grata surpresa natureba; pelo contrário, já que é mais que garantido meu retorno em breve. Aliás, presumo que Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, ficaria mesmo espantado com as surpresas que sua região ainda esconde.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

2 Comentários

  1. Muito bom sua matéria sobre a Gruta. Sou moradora de Mauá há uns bons anos, e realmente vc descreveu bem até onde conheço…
    Parabéns!

  2. Parabéns, com uma linguagem agradável fez uma ótima descrição do Parque da Gruta e de nossa cidade. Atualmente o local está mais bem cuidado é claro que ainda com alguns problemas.

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